Você consegue adivinhar qual das duas mentiras abaixo é verdade?

Nós gostamos de ouvir histórias. Sejam elas verdade ou não. Na verdade, quanto mais aparentemente mentirosa, mais legal costuma ser uma história.

Metade das mentiras que você conta não é verdade.
Metade das mentiras que você conta não são verdade. Ou não.

Há um episódio do Radiolab que trata especificamente disso. Radiolab é um programa de rádio da WNYC, a rádio pública de Nova Iorque. Vocês podem conhecer mais sobre o programa nessa matéria do New York Times ou, claro, ouvindo o danado.

Abaixo, você pode ouvi-lo. Ou mesmo baixá-lo como um podcast. O programa trata da Guerra dos Mundos, de Orson Welles e dura uma hora. Sei que você pode estar se perguntando “Uma hora?! Como diabos vou ouvir rádio por uma hora?”. Bem, eu costumo ouvir no carro ou quando estou cozinhando alguma coisa. Acreditem, não machuca.

Cá entre nós, eu sou um péssimo mentiroso. Sou do tipo que, ao saber que uma mentira vai ser contada pra alguém, precisa se esconder pra não ficar rindo na cara do cidadão que será enganado. É, sem graça assim mesmo.

Mas, no mundo moderno, não saber mentir é praticamente um defeito. Portanto, convoco você, um dos meus três a quatro leitores, a me ajudar. Abrace esse desafio de fazer o Rodrigo treinar para mentir por um mundo melhor.

Vou contar duas mentiras sobre esportes pra você. Só que uma delas é verdade. Mudarei nomes para dificultar eventuais buscas na internet – está vendo como é difícil mentir hoje em dia? – afinal, o importante é chegar ao fim do texto sem saber. Se depois de ler você quiser dissecar obsessivamente as histórias, tudo bem.

Valendo.

História 1: Gol de placa para a posteridade

Tem gente preocupada com o ano 12011. Sei que é meio estranho se pensar nisso, ainda mais faltando a construção de uns 10 estádios para a Copa de 2014, mas o mundo é composto, entre tantas figurinhas, de visionários. E alguns deles moram no Novo México. Obviamente, não me refiro à imensa torcida do Botafogo, da caravana de General Severiano, que se espalha por todo esse mundo em busca de um sentido na vida e preocupada com o próximo título nacional – que talvez chegue até 12011.

Os visionários neste caso são cientistas que lidam com um assunto sério: como criar registros consistentes da nossa sociedade atual para os milhares de anos que se seguirão após a nossa provável extinção. É, vamos sumir. Mas sem alarde, porque isso é coisa de muito, muito tempo.

Fato é que, quando olhamos para trás, enxergamos sociedades antigas que sumiram, mas deixaram registros. O problema é que até hoje muitos dos códigos escritos antigamente não foram decifrados. E isso enche o saco de muita gente.

Então, nossos intrépidos cientistas passaram a procurar uma linguagem universal. Algo que, independente da sociedade, do tempo e do espaço, pudesse ser compreendido.

Claro que isso é muito relativo. E, o máximo que se pode fazer, é “cercar” assuntos que nós consideramos universais. Por exemplo, o próprio ato de contar histórias. Um grupo de cientistas sugeriu criar lendas que se perpetuassem por músicas e contadores de história, a ponto de não precisarem de tecnologia, papel ou qualquer meio físico para atravessarem o tempo. Outro grupo propôs criar uma lua artificial (satélite) que ficasse girando ao redor da terra com conteúdo acessível que, após milhares de anos, cairia de volta no planeta. Mais curiosa ainda: uma proposta de se criar uma seita que ficaria responsável por guardar e perpetuar as mensagens mais importantes (cálculos científicos, realizações do homem etc.). Tipo maçons nerds, sabe?

“Bem-vindo ao Novo México. Estamos tentando salvar a humanidade!” | Foto: Wolfgang Staudt
Bem vindo ao Novo México. Estamos tentando salvar a humanidade!

Mas então, nessa busca pela humanidade na humanidade, um grupo de cientistas teve a ideia que considero mais significativa. Pode até não ser a escolhida, mas é a minha favorita: esportes.

A ciência muda. As regras sociais, o regime econômico, o clima, as notícias mudam. E, nessa mudança, tornam-se instáveis. Marcam épocas quando têm mais valor. Mas não podemos dizer que a ciência resume nossos últimos três mil anos. Ou a economia. Entretanto, tem algo que representa a sociedade humana como ninguém. Algo que prova nossa evolução, nosso crescimento. Uma invenção que reúne nossa atração pelo desafio e pela competição. Um resumo de nossa vontade de aprendizado, da nossa capacidade de levantar e ir à luta.

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Se desejamos deixar uma mensagem às futuras gerações, o que seria melhor que o esporte? Histórias que se repetem. Antigos hobbies de milênios que hoje se tornam profissionais, mas seguem hobbies. Marcas de uma sociedade que chorou derrotas, sorriu vitórias e seguiu em frente até quando deu.

Registros impressos e audiovisuais seriam acondicionados em recipientes herméticos para resistir ao tempo. E, quando abertos, revelariam torcidas vibrando, atletas sorrindo, chorando, estabelecendo novos limites. Quem sabe, então, quando abertas essas caixas de história, lá por volta do ano 12.000, ao ver um drible do Garrincha, o futuro realmente reconhecesse o Fogão como o maior time de futebol que já existiu?

História 2: “Marcelo, o homem que cresceu a própria perna”

Correr é um dos esportes mais libertadores que eu já pratiquei. E é simples pra caramba: coloque um tênis (ou não) faça um alongamento e saia por aí.

Ultimamente, tenho lido muito sobre corrida. E me deparei com a seguinte história.

Som de galho quebrando, piruetas e cambalhotas na neve. Marcelo, que já foi esquiador profissional, estava “brincando” pelas montanhas de Las Leñas, Argentina. Então, por um descuido, após um salto, aterrissou em um buraco não aplainado.

Sabe o som do galho quebrando? Era a perna dele.

Sem dor, mas receoso – principalmente, por não estar sentindo a tal dor – Marcelo organizou seu resgate. Paramédicos chegam e aquele sonzinho gostoso de fíbula raspando na tíbia é ouvido enquanto o imobilizam para evitar conseqüências piores.

Vale a pena encarar a montanha.
Vale a pena encarar a montanha.

Mas vamos voltar alguns anos. Aos nove, Marcelo conheceu os esquis na Itália. Precoce e esforçado, acabaria se consagrando tricampeão brasileiro de esqui e vice de snowboard. Disputou três Mundiais e duas Olimpíadas de Inverno. O cara competia em tudo: slalom, downhill, superslalom, slalom gigante.

Em 1993, primeiro acidente grave: queda a 130 km/h no downhill. O que poderia ser uma catástrofe, revelou-se apenas um ligamento rompido e uma lesão no joelho. Nada que três meses de molho não ajudassem a recuperar. Em 1996, uma pancada de esqui rendeu um nariz quebrado.

Mas nada disso representava muita coisa após sua queda em Las Leñas. Tivesse acontecido na década de quarenta, o acidente custaria a perna de Marcelo. Mas, graças à tecnologia, aos 26 anos, ele perdera apenas seis centímetros de perna esquerda.

Segundo os médicos, era isso aí: esperar o osso se consolidar (“cicatrizar”), aprender a mancar direitinho e seguir a vida. Nada de esquiar de novo. Mas Marcelo não desistiu. Descobriu um método desenvolvido por um médico russo, chamado Ilizarov.

O que aconteceria é o seguinte: uma “gaiola” seria colocada na perna de Marcelo. O osso seria perfurado em vários pontos, todos ligados a uma haste perpendicular por parafusos. De tempos em tempos, os parafusos eram apertados para “incentivar o osso a crescer”. Anões cresciam até quarenta centímetros com essa técnica.

O problema era só a dor.

Por falar em anão… tamanho é documento?
Por falar em anão... tamanho é documento?

Imagine ter que apertar lentamente os parafusos, porque o tecido do corpo (pele) tinha que acompanhar esse crescimento. Imagine tomar banho e lavar os trinta furos com cuidado para não infeccionar. Um mês sem dormir.

Mas valeu a pena, os seis centímetros foram alcançados. Agora era só esperar seis meses para o osso se consolidar novamente. E demorou. Diversas tentativa de acelerar ou, ao menos, incentivar a consolidação foram feitas. Quimioterapia se revelou como a solução – improvável, mas eficaz.

Então, dois anos após o acidente, lá estava Marcelo em Las Leñas novamente. Não era o mesmo, mas podia esquiar. Não satisfeito, um ano mais tarde, corria a meio Iron Man de Pirassununga. E, em 2009, correndo a Maratona de Berlin, completou a prova em 2h37min58. O que, para um amador, é pra lá de invejável.

E aí, menti bem?

Qual é a verdade? Qual é a mentira?

A resposta aparece aqui em 24 horas.

Atualização

Acho que ficou meio óbvio que a primeira era mentira, né?

Então, a primeira, na verdade, é meio mentira, como você podem ver por essa matéria. A segunda história é verdade. O nome verdadeito do Marcelo é Lelo, e a história está nesse livro.

Rodrigo Borges

Rodrigo Borges não costuma falar na terceira pessoa quando se refere a ele mesmo. Tenho um <a>Twitter meio paradão</a>