Observe essa sinopse:

Pete Mitchell, um jovem piloto, ingressa na Academia Aérea para se tornar piloto de caça. Lá se envolve com Charlotte Blackwood (Kelly McGillis), uma bela mulher, e enfrenta um competidor à sua altura. Junto de seu companheiro de caça, o jovem Pete precisa passar pelas mais difíceis provas e manter-se no elite dos pilotos de guerra do mundo.

Tem como um filme desses ser ruim?

Essa descrição foi meu principal argumento durante uma recente discussão na redação do PdH. Defendi que Top Gun é o melhor filme de todos os tempos. Aos prantos, editores subiram na mesa. Utilizaram a velha máxima de que, depois de certa idade, os filmes de nossa época não parecem ter a mesma graça. Que não temos mais os mesmos olhos de criança, aquela coisa toda.

Discordei. Relembrei alguns fatos, mesmo um tanto quanto batidos, que fazem de Top Gun uma obra prima:

Ainda disse:

Top Gun só rendeu bons momentos ao cinema e entretenimento mundial. Logo, não deve-se, jamais, considerar Top Gun um filme ruim.

Foi então que ocorreu o desafio.

Duvido tu fazeres um dossiê dessa porra, então.

Challenge accepted.

Primeira parte do desafio: comprar Top Gun sem amigos por perto

Eu já imaginava que comprar o DVD de Top Gun não seria uma experiência, digamos, saco-roxo. Mesmo genial, trata-se de uma obra completamente desvalorizada. Fui escondido e em horário de fraco movimento. A loja, felizmente, ficava bem distante do centro da cidade. Não tinha esperança de encontrar o filme com tanta facilidade. Mas foi  fácil. Logo na primeira tentativa troquei o seguinte diálogo com a vendedora:

— Oi. Eu to procurando um filme… Top Gun.
— A comédia?
— Não, o original.
— Ah… É presente?
— Não.
—Entendi.

Senti que esse “entendi” veio com um olhar desconfiado da minha masculinidade.

— Mas é para uma matéria. Um post.

Eu argumentava para eliminar qualquer possibilidade de virar melhor amigo dela.

— Tudo bem, não precisa explicar.
— É sério.
— Muita gente procura esse filme.
— Jura?
— Uhum.
— Preciso por essa informação na matéria.
— Que matéria?
— Sobre o filme, que estou produzindo.
— Ah, sim…
— Ainda não acredita, né?
— Acredito. Tá aqui. Mais alguma coisa?
— Sim, seu telefone.
— R$14,90. Só passar no caixa. Descendo a escada.
— Beleza, valeu.

Compra finalizada, DVD no player e a hora da verdade

Top Gun é de 1986. A Guerra Fria, mesmo que respirando por aparelhos, ainda pautava o cinema norte-americano. Essa visão do patriotismo e poder de fogo estadunidense é observada logo no início do filme, onde ocorre um breve descritivo sobre a Escola de Pilotos de Caça da Marina, local dos melhores do mundo e popularmente conhecida como Top Gun.

As imagens de gigantes porta-aviões introduzem os créditos com Danger Zone, de Kenny Loggin. Maverick e Goose estão voando quando recebem a informação de uma aeronave não identificada no território. O clima não é dos melhores. Um ataque naquele momento poderia gerar uma guerra de proporções continentais. Então, o que Maverick faz?

Provoca.

O piloto americano, sabe Deus lá como, posiciona o avião de modo invertido sobre o inimigo, mostra o dedo para o soviético e tira uma foto.

Mestre.

Levar a Polaroid dentro de um caça. Quem nunca?

O talento de Maverick levou o piloto e seu colega Goose para o Top Gun. Lá, até então, quem mandava era o mascarado Iceman, personagem vivido por Val Kilmer contra sua vontade. Obrigações contratuais na época obrigarem Kilmer a viver o inimigo íntimo de Maverick. Sem se toparem no começo do treinamento, ambos criaram um ambiente de muita rivalidade desde o primeiro dia. Mas esqueça isso.

É hora do karaokê.

E nós adoramos karaokês.

Maverick, com o intuito de conquistar a linda Charlie Blackwood, decidiu cantar You’ve Lost That Lovin’ Feelin, do The Righteous Brothers. Com auxilio de vários pilotos desafinados, Tom Cruise destruiu uma das mais belas músicas da historia com uma boca torta de dar nos nervos.

Ele não pegou Charlie. Não naquela noite.

Mas vai funcionar.

É cinema. E é You’ve Lost That Lovin’ Feelin.

Não tem como não funcionar.

Link YouTube | Eu adoro essa música e odeio essa cena

Eu vou contar algo para vocês.

Eu tenho 1,70cm de altura.

É a altura do Tom Cruise.

Eu não gosto de jogar vôlei.

Tom Cruise também não deveria gostar.

Porque, para nós, é difícil jogar vôlei.

Mas o roteirista achou interessante. Especialmente por se tratar de vôlei de praia, um esporte em franco crescimento na metade da década de 80.

Tom Cruise de calça jeans sem camisa bloqueando o Val Kilmer parecia uma boa idéia para captar público e popularidade. Essa é a única explicação que tenho. Pois as cenas do atores sem camisa, em slow, soltando gritinhos e dando tapinhas da bunda do colega não agregam em nada no enredo no filme.

Apenas dão argumentos para a vendedora da loja de DVD´s.

Rede oficial e com medida olímpica

A canção do Berlin, ganhadora do Oscar de 87, quase ficou de fora. A ideia dos produtores era utilizar Only The Strong Survive, do Bryan Adams. Porém, o ex-vocalista do Chicago negou os direitos acusando o filme de incentivar a guerra. A segunda opção funcionou muito bem, sendo até hoje remetida ao filme quando executada.

As primeiras notas são entoadas, vejam vocês, pouco após a citada partida de vôlei. Maverick parte, atrasado, para um jantar na casa de Charlie. O climão maneiro sexual tomou conta do ambiente. É claro que tudo podia acabar ali. Inclusive o filme. Casal feliz, treinamento concluído e uma vida sólida e bem sucedida no interior dos Estados Unidos.

Mas o orçamento aprovado pedia mais uma hora e dez de testosterona pura.

Tom Cruise vai. Não sabemos exatamente para onde, mas vai

A morte do tenente Goose é uma das coisas mais idiotas da história da aviação cinematográfica americana. Quando Maverick perde o controle da aeronave e dá o aviso de ejetar, ambos acionam o controle. Acontece que Goose fica preso no teto do caça. E morre. Não tenho certeza, mas acredito que no momento da queda ele já estava morto.

Bom, mas isso não faz diferença alguma.

A perícia descobre que a causa do acidente foi uma falha técnica. Assim, Maverick é imediatamente absolvido. A volta do piloto aos trabalhos, incentivado pelo alto comando da Aeronáutica, ocorre já no dia seguinte. Mas é claro que não seria fácil. Ainda traumatizado pela morte de Goose, Maverick ameaça deixar a escola.

O afastamento possibilita que Iceman levasse o prêmio de melhor Top Gun. Na noite de premiação surge uma crise. Os melhores pilotos, inclusive Maverick, são convocados para uma missão urgente. Tim Robbin surge do nada e vira parceiro por um dia de Maverick. Iceman é baleado e, graças a mais uma incrível manobra do protagonista, sobrevive à missão.

Aí Maverick destrói um Caça Mig-29.

Maverick põe os outros três aviões inimigos pra correr.

Maverick joga a medalhinha de Iceman no mar.

Sobe bg do Satriani.

Você chora.

Maverick é o cara.

Lágrimas de alta masculinidade surgiram durante essa cena

Não dá pra negar que Top Gun continua bom.

Mas também não dá pra negar que não é mais aquele mesmo filme dos meus 13 anos.

Os mais chatos vão reclamar dos inúmeros erros de continuação. Os estudantes de cinema vão questionar o roteiro clichê. E os marrentos e vendedoras de DVD vão associar o filme ao movimento homossexual.

Experimente assistir. Prenda-se ao saudosismo cultural e alcance 1h50 da mais pura procrastinação intelectual em forma de entretenimento. Top Gun é um dos pontos altos da cultura pop inútil. São lições tolas. Mas que, utilizada para o bem, rendem ótimas conversas.

Porque nem todo filme precisa mudar a sua vida. Muito menos esse. Afinal, confesso que errei. Top Gun não é o melhor filme de todos os tempos.

Mas admita comigo: Top Gun é uma filme legal.

Meio gay, mas legal.

Fred Fagundes

Fred Fagundes é gremista, gaúcho e bagual reprodutor. Já foi office boy, operador de CPD e diagramador de jornal. Considera futebol cultura. É maragato, jornalista e dono das melhores vagas em estacionamentos. Autor do <a>"Top10Basf"</a>. Twitter: <a href="http://twitter.com/fagundes">@fagundes</a>."

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