Há dois anos criei, com meus amigos Jean e Pedro, um canal de comédia no youtube chamado O Que Tem pra Hoje. A motivação foi a de produzirmos um tipo de humor que não víamos na TV, que conseguíssemos juntar nossas referências principais — Saturday Night Live, Monty Python e, porque não, Os Trapalhões, adicionar nossos traços pessoais e botar a parada no ar.
Ao longo do processo, descobrimos o quão difícil era escrever comédia com regularidade. Todos aprendemos bastante coisa no dia a dia do canal e compartilharemos alguns macetes que envolvem a escrita para comédia.
O mais difícil e começar
Se o maior inimigo do escritor é a página em branco, o maior empecilho para vencê-lo é o medo.
É comum pensar que não vamos conseguir ou que não somos engraçados o suficiente. E é nessa hora que o cara que escreve precisa deixar o medo da própria rejeição de lado. A comédia parte de um princípio que muitas vezes contradiz a lógica e a razão, e o escritor precisa estar nesse estado de espírito — aberto — para deixar as piadas acontecerem.
Deixar a ansiedade de acertar de lado e escrever piadas, sem filtro, sem amarras, sem titubear. Para depois, dar forma ao material que gerou.
O John Cleese, do Monthy Python, fala um pouco disso nesse vídeo:
Mais: uma técnica que funciona bastante é estabelecer um número de piadas para determinada cena, situação ou personagem. Chute alto, por exemplo, com 30 piadas. Enquanto seu texto não chegar nesse número, jamais levante-se. Ninguém está falando de piadas boas, mas sim, apenas de piadas. Com o tempo e prática, você começa a perceber de onde vêm as piadas, qual o caminho que elas fazem na sua cabeça e como achá-las cada vez mais rápido e melhor.
Transcrição e Análise
Um exercício que costuma funcionar muito bem pra mim é pegar uma cena, um stand up, um texto ou esquete que eu realmente ache engraçado, e transcreve-lo. Escutar e reescreve-lo no papel. Existe uma diferença brutal entre simplesmente ler a piada e escutá-la e transcreve-la.
Enquanto você está escrevendo o que está ouvindo, começa a perceber onde está a graça e a se familiarizar com a construção, posicionamento, duração, ritmo e sonoridade das palavras que te fazem dar risada.
A partir daí, de ter uma familiaridade com essa base cômica, sugiro começar a criar as suas próprias variações em cima dessa estrutura. Escreva uma, duas, quantas variações forem necessárias. Com o tempo, a percepção da forma se torna natural e começa-se a colocar traços extremamente pessoais em fórmulas pré-existentes.
Criando a Situação
A comédia se dá muitas vezes por uma quebra de expectativa. Por algo sair de maneira inusitada, nova, aumentada, em um contexto aparentemente normal. Essa esquete escrita pelo Jean, por exemplo:
Se, nesse caso, o personagem diz o que “todo mundo diria” em uma entrevista de emprego, você não tem comédia. Já, se ele diz que é brother do Papa e do Bill Gates, talvez você dê alguma risada. As pessoas, de fato, mentem claramente em uma entrevista de emprego e isso é esperado. O que não é esperado é o tipo de mentira e o grau de intensidade dela.
E aí se esconde uma oportunidade de piada.
Além disso, é importante que tenhamos duas forças opostas atuantes, criando um atrito e uma variação ao longo da cena. Nesse caso, as duas forças são a crença e a descrença (na pele do personagem entrevistador). Ao longo da esquete nós, público, oscilamos junto com o entrevistador, ora acreditando, ora suspeitando, criando um suspense e uma curiosidade sobre qual dessas forças vai prevalecer no final e qual será o desfecho.
Quando as forças em atrito estiverem postas de maneira mais intensa, onde elas cheguem em um ponto em que será inevitável uma decisão entre elas (o clímax da cena, nesse caso, quando o entrevistado mostra que conhece a mulher do entrevistador) teremos o final, e, consequentemente, o significado da trama.
Criando os Personagens
Se, caso o tipo de texto que você deseja escrever tenha personagens, faça uma análise dos personagens de comédia que você mais gosta. Me usando como exemplo, vejo que os três cômicos das séries americanas que mais gosto são: Homer Simpson (The Simpsons), Michael Scott (The Office) e George Costanza (Seinfeld), todos têm uma coisa em comum: são repletos de falhas.
Explorar as falhas de seus personagens é um excelente ponto de partida para começarmos a escrever comédia. Colocar suas histórias e conflitos de maneira em que eles tenham que lidar e expor suas próprias falhas, geralmente é garantia de boas piadas. Pense nas vezes que Michael tentou ser o centro das atenções ou que Homer precisou usar a cabeça.
É piada na certa.
Outra coisa fundamental é que cada personagem em cena queira alguma coisa. Eles estão em cena por algum motivo e precisam querer algo para termos conflito. Se você conseguir amarrar a história de uma maneira que cada vez que o personagem querer algo, ele ficar mais longe do seu objetivo (por causa de suas próprias falhas), você terá com certeza muito material para gerar piadas. Lembre-se de quantas vezes George fez isso:
Tipos de Piada
Com análise e transcrição, você vai ver que cada piada se baseia em uma coisa. Algumas no absurdo, outras na repetição, na estrutura, etc.
Com textos mais curtos, é possível desenvolver piadas que tenham uma estrutura fechada, sem precisar de personagens fortes ou grandes acontecimentos. Que existem piadas que servem pra contradizer as próprias “regras da piada”, e que não há regras (mas sim técnicas) para se conseguir uma boa risada.
Olhem só essas duas esquetes:
A ideia é entender os tipos de piada possíveis, a construção de cada jeito para depois, no futuro, recombinar e aprender como preparar e entregar a piada que melhor se adeque ao seu estilo e significado.
Por Fim, quem quiser conversar mais sobre o assunto, nos vemos nos comentários aqui embaixo e no nosso canal de comédia, o O Que Tem Pra Hoje.
Puxe uma cadeira e comente, a casa é sua. Cultivamos diálogos não-violentos, significativos e bem humorados há mais de dez anos. Para saber como fazemos, leianossa política de comentários.