Vida de cartunista é sofrida. Mas alguns anos atrás essa situação era pior ainda. Sem os contatos certos em editoras ou jornais, era uma tarefa difícil construir um público e quase impossível lançar um livro. Se você não estava no jornal, não era visto. E se não era visto, não tinha como se sustentar com a sua produção de quadrinhos. Quando comecei, era justamente nisso que pensava: vou fazer quadrinhos para quem além dos meus amigos mais próximos?
Mas como era só um hobby, por muito tempo fiz só para eles mesmo. Os blogs e as redes sociais mudaram isso. Desde que surgiram, um amador passou a ter bem mais chances de reunir leitores e ser “descoberto”. Com isso, vários novos talentos começaram a surgir e, de uma forma bem democrática, conquistaram leitores. Foi graças a estas novas ferramentas que comecei a divulgar melhor minhas tiras.
Agora, o crowdfunding facilitou ainda mais as coisas. Através desse novo sistema, basta que seu projeto seja divulgado e que conquiste a simpatia dos leitores para que se torne real. Com o Kickstarter nos Estados Unidos e versões nacionais dele aqui no Brasil, muitos cartunistas têm encontrado uma forma viável de produzir seu trabalho.
Para quem não sabe, crowdfunding funciona assim: você estabelece uma meta de arrecadação e oferece recompensas para quem apoiar o seu projeto. Se ele atinge a meta estabelecida, você envia as recompensas prometidas para todos. Se não atinge, o dinheiro é automaticamente devolvido para os apoiadores e o projeto não sai do papel. Ou seja, se você construiu um público online, pode contar com ele para viabilizar suas ideias.
O sistema me ensinou que não traz apenas vantagens para os autores. Para os leitores não é só uma questão de adquirir as obras dos autores que gostam. O “apoio” – termo usado pelo crowdfunding – não é visto apenas como uma pré-compra. Ele aproveita o fato desta ser uma geração que não está mais feliz em assumir uma postura passiva.
Os novos consumidores culturais querem sentir como se fossem parte dos projetos. Querem saber que estão ajudando a viabilizar algo no que acreditam, além de buscar um contato mais próximo dos autores e influenciar suas decisões.
No Catarse, site de crowdfunding brasileiro, a categoria “Quadrinhos” é a com maior taxa de projetos bem-sucedidos. Dos projetos cadastrados, 75% conseguiram a verba necessária para sair do papel. E não apenas amadores, como também nomes consagrados tem contado com o poder dos fãs para lançar obras, sem ficar refém de editoras e sem ter que arriscar bastante com a auto-publicação.
Antes de começar a utilizar o crowdfunding para produzir meus livros de humor, fazia eles com tiragens menores e vendia online, recebendo pedidos por e-mail, e também pessoalmente, para amigos e conhecidos. Até recuperar o investimento inicial demorava bastante.
O ritmo das vendas era bem lento e minha casa ficava cheia de caixas de livros que pareciam nunca desaparecer. Nos três últimos projetos – todos produzidos por crowdfunding –, o resultado foi bem melhor que nos anteriores.
Além de não precisar tirar dinheiro do próprio bolso, consegui crescer bastante a rede de contatos que uso para divulgar os projetos e atingi metas que antes pareciam impossíveis. Em 48 horas, arrecadei os R$5.000,00 que precisava para produzir meu último livrinho, o “Cuecas por cima das calças”, cujas tirinhas ilustram este texto. E faltando 19 dias para o fim do prazo de arrecadação, 420 apoiadores fizeram com que eu chegasse a 350% da meta inicial.
Apesar de ainda não conseguir viver apenas com a produção dos livros, agora me parece que um dia isso vai ser possível. Graças ao enorme tempo e esforço que investi no que era pra ser só um hobby, claro. Mas também por sempre estar ligado em novas ferramentas de divulgação e, no caso, de financiamento. O mundo está sempre mudando e, independente da profissão, é importante ficar por dentro do que está acontecendo à nossa volta. Nunca se sabe de onde vai surgir uma oportunidade.
O crowdfunding já se estabeleceu nos Estados Unidos e está cada vez mais forte no Brasil. Há que diga que ele pode ultrapassar qualquer outro sistema de produção cultural no futuro. Resta esperar para a gente descobrir o quão revolucionário ele realmente vai ser.
O projeto “Cuecas por cima das calças” continua rolando lá no Catarse, mesmo após superar a meta. Quem quiser apoiar, ainda dá tempo.
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