Acontece sempre. Seja na sala de aula, ensinando racismo e desigualdade, seja nos textos sobre feminismo e privilégio.
Depois de uma longa exposição de um problema complexo, alguém sempre pergunta:
“Tá, ok. Entendi. Mas e agora? O que fazemos? Qual é a solução?”
Muitas pessoas sentem a mesma ansiedade. É compreensível.
Em um primeiro momento, parecem pessoas práticas e de bom-senso, de saco cheio de tanta punhetação intelectual acadêmica, e que querem simplesmente sair na rua e resolver o problema, oras. Vivas pra eles!
Mas, se você pára e pensa, pode concluir que o que falta a essas pessoas é justamente parar e pensar.
Um comentário que parece positivo (apesar de inócuo) acaba se revelando perigoso, ao sugerir:
- Incompreensão sobre como funciona uma aula ou sobre qual é a função de uma universidade;
- Incapacidade ou indisposição para discussão, reflexão ou diálogo, ou seja, para buscar suas próprias conclusões;
- Ansiedade por respostas prontas e simples, e por ações concretas e fáceis de realizar.
As maiores tragédias da história foram perpetradas por pessoas angustiadas para resolver um problema (real ou imaginário) marchando atrás de quem ofereceu uma solução simples e direta.
Vai chegando o final da aula, e estão todos ali me olhando ansiosos, de lápis em punho, esperando pela resposta certa, querendo saber “afinal o que devem fazer!”, e a impressão que tenho é que aceitariam qualquer besteira que eu falasse, desde que coubesse em uma frase e fosse fácil de decorar.
Que bastaria dizer:
Enfim, a culpa é toda dos brancos malvados e a solução é dar porrada neles. Agora!
E a sala se transformaria imediatamente em um selvagem pega-pra-capar.
* * *
Então, depois de uma longa e frutífera discussão sobre um tema profundo e complexo, algum aluno sempre pede pela solução, pela resposta certa, pra saber o que fazer.
E, assustadoramente, metade da sala balança a cabeça, em silenciosa concordância.
Quando respondo que não existe solução, que não sei a resposta certa e que não vou lhes dizer o que fazer, outro alguém sempre retruca:
Então, de que adiantou? Pra que ficamos duas horas aqui perdendo nosso tempo? Isso [querendo dizer essa aula, minha matéria, a disciplina, a própria universidade, a vida, sei lá] não serve pra nada!
E respondo:
Mas se eu lhes dissesse o que fazer, então serviria pra alguma coisa?
Pior do que não servir pra nada, não seria extremamente perigoso?
É pra isso que vocês vêm à universidade?
Para que qualquer um, só porque tem um doutorado e passou num concurso, lhes diga o que fazer?
Não querem chegar às suas próprias conclusões?
Aliás, sendo parte da elite universitária, não acham que, têm obrigação de chegar às suas próprias conclusões?
* * *
Parece piada, mas depois desse longo discurso sempre tem alguém de cara sonolenta que levanta o braço lá detrás e pergunta, de verdade, na lata:
Tá, professor, mas afinal, o que é que é pra colocar no teste?
* * *
Uma vez, em sala de aula, eu acabara de expor um tempo verbal bem complexo para o qual não existia equivalente na língua materna dos alunos. Um deles, o que tinha mais dificuldade, levantou o braço e disse que ainda estava muito confuso. Perguntei se tinha mais alguém confuso na sala. Muitos (mas não todos) levantaram o braço.
E expliquei:
Vocês acabaram de ser expostos a uma quantidade grande de informação sobre um tempo verbal totalmente novo, que funciona de um modo bem diferente da lógica da língua nativa de vocês. Diante disso, a reação mais correta, mais apropriada e mais humana é mesmo ficar confuso.
Se, agora, nesse momento, vocês estivessem seguros de ter entendido tudo, provavelmente seria uma falsa confiança, fruto de um entendimento ainda incompleto. Vocês ainda vão passar vários dias confusos, mas não tem problema. O teste é só daqui a um mês. Enquanto isso, vamos treinar isso juntos, em sala, em grupos, sem valer nota, até vocês de fato saberem como usar esse tempo verbal.
Até lá, ficar confuso só faz bem.
O aluno que fez a primeira pergunta me olhou com um alívio tão grande, mas tão grande que fiquei até emocionado, e desabafou:
Nunca ninguém tinha me dito que era OK estar confuso!
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