Que quantidade extraordinária de energia nós já gastamos, como cultura e sociedade, tentando entender de onde vêm as boas ideias, como a criatividade funciona, seus segredos, suas origens, seus mecanismos, e o plano de ação em cinco passos para incentivar sua manifestação.
E poucas coisas se comparam à angústia que vem com o bloqueio do fluxo criativo.
Em 2010, o designer e músico Alex Cornell estava travado por um bloqueio criativo enquanto tentava escrever um artigo sobre bloqueio criativo. Não se deixando impedir nem pelo bloqueio e nem pela ironia, ele foi atrás de alguns dos seus artistas favoritos e perguntou a eles que estratégias eles tinham para lidar com tal evento. A resposta foi surpreendente, tanto em volume quanto em profundidade, e isso inspirou Cornell fazer uma compilação sobre o assunto.
O resultado é o livro – um pequeno, mas potente, compêndio de insights testados e aprovados sobre otimizar o processo criativo, vindo de alguns dos mais empolgantes artistas, designers, ilustradores, escritores e pensadores da atualidade.
De muitas estratégias específicas – caminhadas na natureza, pornografia, destruição de tecnologia, chorar –, emergem algumas universais e poderosas, incluindo o papel da procrastinação, a importância de um período de gestação de ideias e, acima de tudo, o lembrete de que “bloqueio criativo” é algo que realmente acontece com todo mundo.
O escritor Michael Erard brinca com a ideia de “bloqueio criativo” e refuta sua própria premissa, com uma ênfase na ideia de criatividade como transformação:
“Primeiro de tudo, ser criativo não é conjurar coisas ex nihilo. É um trabalho, puro e simples – juntar duas coisas, ou transformar algo. No trabalho que eu faço, como um escritor e designer de metáforas, sempre tem algum jeito de fazer algo fazer outra coisa com alguma outra coisa. Ninguém fala sobre bloqueio de trabalho.
Aliás, a palavra bloqueio implica em uma metáfora hidráulica de pensamento. Os pensamentos fluem. Essa interoperação também sugere que o pensamento tenha um único canal. Um cano entupido. Um rio represado. Se você só tem um canal, um fio condutor, você fica vulnerável a um bloqueio.
O meu esquema conceitual tem mais a ver com a temperatura das coisas: eu tento encontrar o que está quente e parto dali, mesmo que não tenha relação com aquilo no qual eu deveria estar trabalhando, e na maioria das vezes esse calor acaba aquecendo outras áreas também. Você consegue resolver muita coisa com uma nova estrutura conceitual.”
O designer Sam Potts sugere que um coração partido não é meramente uma estratégia evolucionária adaptativa, mas também uma de criatividade:
“Tenha seu coração partido. Funcionou para Rei Kawakubo. Você vai perceber que o trabalho que vinha fazendo não estava nem perto do seu potencial.”
Da inimitável Debbie Millman, temos esta simpática lista escrita à mão:
1. Durma o suficiente! O sono é o melhor (e mais fácil) afrodisíaco da criatividade.
2. Leia o máximo que puder, principalmente os clássicos. Se um mestre das palavras não conseguir te inspirar, veja o número 3.
3. Organize suas estantes por cor. Essa é divertida, e você sempre percebe que tem várias obras ótimas que ainda não leu.
4. Durma mais! Sono nunca é demais.
5. Obrigue-se a procrastinar. Nunca falha!
6. Veja o trabalho de Tibor Kalman, Marian Bantjes, Jessica Hische, Christoph Niemann e Paul Sahre.
7. Chore. Depois trabalhe mais.
8. Fique na internet. Escreva tweets inúteis. Veja seus antigos amigo no Facebook. Sinta-se arrogante por estar melhor que eles.
9. Assista maratonas de Law & Order: SVU. Regozije-se na feroz beleza de Olivia Benson.
10. Lembre-se da S-O-R-T-E que você tem por ser uma pessoa criativa pra começo de conversa e corte esse mimimi. Vá trabalhar!
O ilustrador Marc Johns, cuja arte eu tenho no meu braço, oferece:
“Finja. Pare um pouco de pensar como um designer, um escritor ou o que quer que você seja. Finja que é um padeiro. Finja que é um técnico de manutenção de elevadores. Um piloto. Um vendedor de cachorro quente. Como essas pessoas enxergam o mundo?”
Um dos meus músicos favoritos, Alexi Murdoch, extende uma contrariedade infinitamente importante e oportuna à cultura da criatividade:
“Beethoven bebia baldes de café preto forte. Beethoven era um prodígio criativo. (Ele também ficou surdo e, talvez, louco.) Temos um silogismo saudável aqui? Eu gosto de pensar que sim.
A ideia de que criatividade é algum tipo de recurso abundantemente disponível simplesmente esperando pela mais correta aplicação de genialidade para ser extraído, refinado e inserido no sistema me parece tão axiomática nesta conjuntura cultural que a própria distinção entre criatividade e produtividade foi efetivamente eliminada.
E assim, quando nos deparamos com um fluxo diminuído de produtividade, não nos perguntamos o que pode estar interferindo no nosso processo criativo, mas sim qual método pode ser rapidamente empregado para aumentar os níveis de produtividade. Esta é uma reação padrão, míope, de tratar o sintoma e não a doença, típica de um ambiente pressurizado de autocentramento deslocado.
Correndo o risco de sair um pouco da resposta à pergunta, eu queria perguntar: o que há de errado em ter bloqueio criativo? Será que esses períodos – mesmo os longos – de hiato produtivo não são mecanismos essenciais de gestação projetados para nos ajudar a alcançar padrões mais altos em nossa busca pela excelência criativa?”
O escritor Douglas Rushkoff se rebela:
“Eu não acredito em bloqueio de escrita.
Sim, houve dias, ou mesmo semanas, nas quais não escrevi – mesmo que possa ter tido vontade de escrever –, mas isso não significa que eu estava bloqueado. Simplesmente significa que eu estava no lugar errado na hora errada. Ou, como eu gosto de defender, exatamente no lugar certo na hora certa.
O processo criativo tem mais de um tipo de expressão. Tem a parte que você poderia mostrar em uma montagem em vídeo – a furiosa digitação, pintura ou resolução de equações na qual o escritor, pintor ou matemático realiza o resultado da tarefa criativa. Mas há também a parte que acontece invisivelmente, por baixo dos panos. É quando os sentidos estão percebendo o mundo, a mente e o coração são jogados em algum tipo de dissonância, e a alma resolve responder.
Esta resposta não vem na forma de um vômito após uma refeição ruim. Não existe isso de expressão pura. Por vivermos em um mundo social com outras pessoas, cujos aparatos perceptivos precisam ser penetrados por nossas ideias, nós precisamos formular, formular estratégias, organizar e só então articular. Esta última parte é a que representa um trabalho ou progresso visível, mas ela só representa, na melhor das hipóteses, 25 por cento do processo.
A criatividade real transcende o tempo. Se você não está produzindo, há grandes chances de você ter caído no espaço infinito entre os tiques do relógio, onde a realidade é criada. Não deixe um gerente de projetos capitalista te convencer do contrário – mesmo que ele esteja na sua cabeça.”
O músico Jamie Lidell ecoa Tchaikovsky:
“Saúde. O que tá pegando com essa privada entupida? É só isso que é, certo? Um tipo de rolha que precisa ser puxada para retomar o fluxo das límpidas águas da inspiração.
Talvez. Ou talvez você só precise continuar comparecendo. Voltar e voltar, de novo e de novo, à tentativa de escrever ou pintar ou cantar ou cozinhar.
Em alguns dias o gênio estará em você, e você vai velejar. Em outros, estará com chumbo nos chinelos, olhando para o vazio da sua suposta mente criativa, sentindo-se uma fraude. É tudo parte do bão e velho ciclo da criatividade, e é um ciclo bem saudável.”
Como notória adepta da marginália, eu concordo de todo coração com este trecho de Aaron Koblin, artista de mídia digital e visionário cabeça da Equipe de Arte com Dados do Creative Lab do Google:
“Dizem que um elefante nunca esquece. Pois bem, você não é um elefante. Faça anotações, o tempo todo. Guarde pensamentos interessantes, frases, filmes, tecnologias que te empolguem… a mídia não importa, desde que seja algo que te inspire. Quando estiver empacado, abra suas anotações como um mago abriria seu livro de feitiços. Misture esses pensamentos. Estenda-os em todas as direções, até que se encontrem.”
O filósofo Daniel Dennett tem um termo especial para o seu método:
“A minha estratégia para sair da sarjeta criativa é sentar na minha mesa e pensar sobre o problema, revisando minhas anotações e enchendo a minha cabeça com as questões e termos do problema, depois simplesmente levanto e vou fazer algo automático e repetitivo.
Na nossa fazenda no verão, eu vou pintar o celeiro ou aparar o campo ou colher frutas ou cortar lenha… Eu nem tento pensar no problema, mas na maior parte das vezes, em algum momento no meio da atividade simples, eu me pego ruminando a questão e pensando em um novo ângulo, um nova nova inclinação, ou ao menos menos um novo termo para usar.
Ocupar meu cérebro com algo para controlar e sobre o que pensar ajuda a derreter as barreiras que estavam me impedindo de fazer progresso. A minha estratégia não poderia ser menos sofisticada, mas ela funciona tão bem, e quase sempre, que e acostumei a confiar nela.
Num verão desses, há muitos anos, meu amigo Doug Hofstadter estava me visitando na fazenda, e alguém perguntou onde eu estava. Ele gesticulou em direção ao grande campo atrás da casa, que eu estava arando para uma nova plantação. “Ele está lá no trator, fazendo sua tilosofia”, disse Doug. Desde então, tilosofia é o nome que eu uso para esse processo.
Tente. Se não funcionar, ao menos você termina com uma sala pintada, uma grama cortada um quarto arrumado.”
Mas, como uma incansável defensora da criatividade combinatória, a minha resposta favorita vem da inimitável Jessica Hagy, famosa pelo blog/livro indexed. Ela basicamente articula a filosofia fundadora do Brain Pickings, o meu site:
“Como derrotar os monstros peludos do bloqueio criativo? Com livros, é claro. É só pegar um. Não importa de que tipo: ficção científica, ciência, pornografia, quadrinhos, livros didáticos, diários (de pessoas conhecidas ou anônimas), novelas, listas telefônicas, textos religiosos – tudo funciona.
Agora, abra em uma página aleatória. Encare uma frase aleatória.
[…]
Todo livro contém a semente de mil histórias. Cada frase pode causar uma avalanche de ideias. Misture ideias de livros diferentes: um pensamento de Aesop e uma linha de Comsky, ou um fragmento de um catálogo da Tok&Stok soldado a um trecho de diálogo de Kerouac.
Ao forçar a sua mente a conectar pedaços de informação não relacionados, você faz seu pensamento pegar no tranco, e começa a preencher branco após branco com pensamento após pensamento. Os monstros do bloqueio criativo pararam de rosnar e se afastaram, você está correndo pelos pensamentos, e suas sinapses estão se se agarrando a uma explosão sinfônica de ideias.
Se você não estiver assim, abra outro livro. Pegue outra frase. Pondere misturas de ideias fora de contexto até que a sua mente caminhe sem perceber até um lugar novo, em que ninguém nunca esteve.
Maravilha.”
Prático e filosófico ao mesmo tempo, Breakthrough! promete ajudar você a ultrapassar seus limites criativos. Mesmo se não funcionar para isso, ao menos você tem a garantia de se sentir menos sozinho em seus esforços mentais – e que tipo de percepção poderia ser melhor que isso?
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