E lá vamos nós, agora desbravando os confins da etiqueta, esse temível quesito em que a tradição acaricia a desinformação e a dúvida flerta com o conservadorismo. 

Não tema, jovem rufião, seguiremos firmes e fortes, mais uma vez, hasteando o bastião da sabedoria nas pilastras da galhofa. Do começo, antes de entrarmos no mérito do que é mal visto e do que pega bem, se faz necessário entender o porque de nos vestirmos de maneira diferente de acordo com cada ocasião. 

Ouço muitas pessoas dizendo: “Odeio ternos, meu estilo é mais despojado” ou “Sou uma cara clássico, gosto de estar sempre bem alinhado, não vou sair de chinelo, né?”.

Embora as duas afirmações não sejam mentirosas, se tratam de uma distorção de raciocínio devido a falta de compreensão sobre o assunto. 

Uma analogia simples nos ajudará: pense nas peças de roupa como se fossem palavras e seu estilo será a maneira com que você utiliza este vocabulário. Lembre-se que, normalmente, você não fala da mesma maneira que digita e, mesmo quando o veículo (a fala ou o texto) é o mesmo, você o adapta ao interlocutor – ou você fala com os amigos do futebol de terça igual conversa com a sua mulher?

A maneira com que se comunica (estilo) pode ser engraçada, séria, efusiva, leve, didática e mais uma infinidade de gêneros e combinações. Pois saiba: estilo é o modo como você utiliza seu veículo, não o veículo em si. Portanto, é possível ser social e se manter despojado, ser clássico e usar chinelos, ser roqueiro e usar black tie. Basta ter um vocabulário amplo e saber aplicá-lo dentro de cada situação. Fazer este exercício irá ajudá-lo não só a se vestir melhor, mas a ter um reflexo analítico mais rápido que aperfeiçoará sua adaptação em qualquer situação, permitindo que as pessoas o leiam exatamente como você deseja ser percebido. Esta é a importância de se dominar o vestuário.

Ninguém é alguma coisa de maneira isolada. um roqueiro em um mundo sem pessoas não é um roqueiro, mas  apenas um humano, assim como um humano num mundo sem seres vivos não é um humano, mas apenas um ser vivo.

“Uau, que massa, Brunão! Muito reflexivo, cabeça, panz. Tô sentindo a evolução entrar pelos meus poros! Imagina que loco se agora você também explicar como raios eu aplico este cacete de lógica na prática?”.

Sim senhor, camarada. Vamos a três exemplos básicos para ilustrar o que foi dito e tornar tátil a aplicação destes pensamentos:

1. O dia que o deus do rock recebeu um convite de casamento em Campinas 

Sim, você, aquele cara revoltz, mas de bem com a vida, o ouvido mais apurado da zona sul, o aspirante a engenheiro que não deixou a profissão matar o espírito arisco que há em seu interior, acabou de ser chamado para a cerimônia do seu primo com uma mulher que mal conhece, numa cidade que não é a sua. Você sabe que precisa seguir sua missão, onde quer que seja – manter viva a chama do rock´n´roll. O que você faz na hora de se vestir?

A ( ) Segue o Keith, nada de sapatos, talvez um lenço no lugar da gravata, camisa aberta deixando a mostra uma camiseta desgastada pela vida loka e um cabelo piradão:

B ( ) Segue o camarada que manteve peças clássicas do traje social, mas que usou um cabelo alinhado pra exaltar a barba rebelde. Que deixou a camisa vermelha aberta em evidência e, antes que pudesse soar desleixado, colocou um colete para compensar a falta da gravata.

Um pouco de realidade para nos situarmos. A opção B utilizou os signos convencionais da situação, mas de maneira contrastada para subvertê-los, trazendo novos significados a peças que, isoladas ou em um contexto habitual, não diriam muita coisa. Ele conseguiu manter a atitude rocker sem que para isso se descaracterizasse do vestuário tradicional do evento. 

Já a opção A ignorou a maior parte dos signos convencionais e optou por peças que não faziam parte do contexto. O resultado é que, se não se tratasse do Keith Richards vestindo, você provavelmente acharia que está diante daquele primo craqueiro que nunca quis conhecer. Duvida? Então lhe apresento, com carinho, eu, na versão deus rock da pedra:

Dae irmão, minha colher ficou com você?

“Ahmeudeuseratudoverdadeparça!”

Sim. E não para por aqui. 

Vamos ao segundo exemplo:

2. O cara comédia da festa da firma

Obs: Lembrando que ser engraçado não é demérito, mas ser o bobo da corte, sim. 

Lá está você, se preparando pra ir à confraternização da empresa, as pessoas do seu setor te adoram, você é espontâneo, ligeiro, conta coisas engraçadas de um jeito que te torna até mais atraente. Fazer os outros rirem é parte do seu charme.

Ufa, finalmente vai conseguir encontrar com todos fora do ambiente corporativo, até um pessoal que você só conhecia de vista vai estar lá, ótima oportunidade para demonstrar que sua imagem fica ainda mais coerente e bacana quando você sai daquele terno preto de sempre. Você é uma cara um pouco gordo, então o que você faz na hora de se vestir?

A ( ) Aproveita o momento mais descontraído pra usar aquele camiseta com uma estampa engraçada, coloca um boné pra deixar mais casual e o resto, ah, o resto nem importa, você é meio gordo e não deve atrair atenção para sua imagem, afinal, você não é o cara do estilo, você é o cara da diversão.

 

B ( ) Se lembra que é um cara extrovertido e isso lhe dá confiança pra deixar à mostra aquelas meias vermelhas que você tanto gosta, então harmoniza as meias com um combinação quase monocromática entre calça e camisa, ambas claras, deste modo você continua alinhado pois está usando algo mais formal, mas não fica com aquela cara de “saí do escritório” que o tornaria bem sem graça. 

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Você não tem nenhuma vergonha de ser quem é e obtém destaque sem ser tornar um cara chamativo, sua combinação é inusitada e, ao mesmo tempo, leve.

Creio que, neste caso, nem preciso dizer qual das alternativas é a mais interessante, correto?

Enquanto na primeira você representa alguém estereotipado, fazendo piada de si próprio para reforçar uma característica que era tida como positiva, na segunda opção você segue ressaltando sua personalidade, sem deixar de lado a oportunidade de mostrar uma boa presença física. Nessa nova situação, a primeira opção seguiu sendo a tradução literal dos seus anseios – um cara engraçado se vestindo de maneira engraçada – enquanto a resposta B soube se utilizar, de maneira sutil, da combinação dos signos clássicos de uma roupa casual para ampliar assertivamente suas qualidades.

“Hm, to começando a sacar…”

E é nessa hora que o último exemplo irá sacramentar nossa análise sobre o assunto.

3. O Gênio da entrevista de emprego

Uma mente brilhante é pouco para você. Estamos falando, quiçá, com um possível Nobel. Você soluciona tudo de maneira lógica e veloz, suas qualidades não se resumem ao simples raciocínio, a quantidade de conteúdo que seu cérebro absorve e disponibiliza é enorme. Hoje é o grande dia, a entrevista na empresa mais importante do ramo, você precisa botar pra quebrar, então o que você faz na hora de se vestir?

A ( ) Certifica-se de pegar um roupa clara que esteja limpa, que não seja velha e nem chamativa, o foco desta conversa não deve ser sua aparência, mas sim, seu conteúdo. 

Você está limpo e discreto. É isto que importa.

B ( ) Certifica-se de pegar uma roupa que esteja limpa, que não seja velha e nem chamativa. Opta por uma combinação discreta, porém escura, fazendo com que a atenção se volte para a sua face. Você sabe que seu rosto funciona bem quando está com a cabeça raspada, então decide deixá-la lisa, muito provavelmente torna-se o único careca da seleção, este fato não torna seu visual chamativo, mas com certeza o diferencia dos demais, além de deixar seu rosto mais marcante.

Nos dois casos, sua personalidade foi respeitada. Não resta dúvida que o entrevistador perceberá a sua discrição. 

Acontece que, no primeiro caso, com receio de atrair a atenção para o lugar errado, as escolhas o tornaram um personagem provavelmente insosso e desinteressante. Este preconceito muitas vezes não poderá ser contornado num espaço restrito de tempo, como, por exemplo, numa entrevista. Já a decisão pela segunda alternativa o manteria alinhado com a sua personalidade discreta e ainda faria o entrevistador notar rapidamente e com mais ênfase a sua presença, ampliando a possibilidade dele prestar atenção no seu discurso. 

É importante salientar que sempre falharemos quando não quisermos passar nenhuma informação por meio de nossa imagem, pois, como dito inicialmente, nossas características visuais funcionam do mesmo modo que palavras, com a diferença que elas são ditas ao interlocutor assim que ele coloca os olhos sobre nós. 

Chegamos ao fim dos exemplos e com deles pudemos perceber que não existe decoreba para o sucesso (por mais que os manuais e revistas insistam em dizer o contrário). Tudo o que você precisa saber para estar bem vestido é o contexto de onde se está adentrando e qual a mensagem que deseja transmitir neste ambiente.

É muito mais simples e eficaz do que tentar aprender todas as decadentes regras de dress code, mas irá exigir uma qualidade cada vez mais rara nos dias de hoje: a reflexão.

A última dica: não sei se deus realmente está nos detalhes, mas posso te garantir que é lá que se encontra o estilo. 

Por hoje é só pessoal. Como sempre, espero que tenha sido útil ou, ao menos, divertido.

Epílogo

 Fala aí muleque! Textão longo, hein. E o casamento do Marcião, vai ser muito firmeza. Cê vai?

 Puta, não vi. Casório certeza, né, Jão. Praiona panz, pôr do sol, várias amiga da Tati. Vou só agilizar a beca.

 Vai como?

 Ah, camisa, pá, calça preta, cinto e sapato e você?

— Ah, da hora, eu vou de relógio marrom, camisa musgo, de linho, um pouco mais solta, uma calça bege e um chinelo branco. Além do óculos escuros, claro!

— Ah, que isso hein, muleque cabuloso, vai tacá a mala. Como cê pensa nisso tudo?

— Ah, eu penso né.

— Pode crê. E o Beto? Cê sabe se ele vai?

Mecenas: Dafiti

O cuidado está sempre nos detalhes das nossas atitudes, posturas e também nos detalhes do nosso guarda-roupas. Para isso, a Dafiti pode te dar uma mãozinha: são mais de 100.000 produtos a venda na loja deles, para o seu visual dialogar em qualquer meio, do mais quadrado ao mais descolado.

A cada quinze dias, pelos próximos seis meses, Dafiti vai ser mecenas de conversas sobre estilo e moda sem frescuras. Com artigos práticos e conceituais vamos explorar a fundo esse território.

Bruno Passos

Pintor. Ama livros, filmes, sol e bacon. Planeja virar um grande artista assim que tiver um quintal. Dá para fuçar no <a>Instagram</a> dele para mais informações."