“Zuikan” é a quarta tira de Daniel Gisé para sua série de ilustrações inspirada pelo livro Mente zen, mente de principiante, obra-prima de Shunryu Suzuki.
É minha preferida. Está tudo aí. De acordo com muitas tradições de sabedoria, a origem de todas as complicações é o esquecimento de quem nós somos e onde realmente estamos. Essa ignorância da realidade é mantida por um processo contínuo de distração ou devaneio, o famoso daydreaming. Não por acaso boa parte das práticas que mais transformam são exatamente modos de repetir micro processos de acordar e lembrar (significado original de mindfulness) onde estamos, momento a momento — cortar a distração e voltar ao presente, de novo e de novo. Depois fica mais fácil investigar até que a grande lembrança aconteça. Primeiro paramos, depois abrimos os olhos e reconhecemos, nos damos conta: “Ah, sim!”.
Pequenos despertares no cotidiano
A história de Zuikan nos oferece um meio hábil para cortarmos o falatório mental e ficarmos mais presentes em cada uma de nossas ações. Quando andamos, andamos. Caso contrário, alimentamos ruminações inúteis, como discussões internas com a esposa e lembranças de um trabalho pendente — desse modo, o que menos fazemos é andar, sentir o próprio corpo andando, respirar e contemplar os arredores.
Além de chamar a si mesmo, o que mais podemos experimentar para nos acordarmos?
Você pode criar sua própria âncora, uma espécie de chamado que o traga de volta quando percebe estar esvoaçando. É como se acendessem as luzes do cinema repentinamente e você lembrasse: “Sim, estou vendo um filme!”. Ou removessem seu fone de ouvido bem no ápice aflitivo de uma música do Radiohead. Você lembra da própria existência, do próprio corpo, do que está fazendo, de onde está.
Assim como nas práticas meditativas, o importante não é lutar contra os pensamentos e as emoções, apenas perceber o processo todo: “Uau, estou sentado aqui, as outras pessoas estão ali, eu passei os últimos minutos sem noção alguma do que está acontecendo”.
Exemplos de âncoras e despertadores:
- Estalar os dedos ou bater uma palma bem alta (esse é o que uso, especialmente em momentos de muita aflição)
- Respirar bem fundo e alinhar a coluna.
- Sentir e relaxar cada parte do corpo (para mim o que mais funciona é relaxar o maxilar e língua, abrindo um pouco os lábios).
- Procurar algum detalhe nunca antes visto no ambiente no qual se encontra.
- Bocejar de propósito e soltar o corpo inteiro.
- Abrir um pouco mais os olhos, talvez ampliar o olhar para 180 graus e não focar em nada específico.
- Olhar bem nos olhos da pessoa que está falando com você e perceber a si mesmo percebendo o outro, ouvindo sua própria voz enquanto fala, como se você enviasse parte de sua mente para observar a situação inteira, como um microfone instalado no teto para captar o som da sala.
- Contemplar o céu ou apenas olhar um pouco mais para cima ou para baixo da altura a que está acostumado.
- Relembrar uma grande pessoa, professora ou exemplo vivo de equilíbrio, sabedoria, destemor, alegria, generosidade…
- Olhar com calma para as palmas das mãos (técnica usada também para estimular os sonhos lúcidos, prática que também detalhamos dentro do lugar).
- Olhar para um objeto ou situação de modo bem cru, sem comentários, algo assim: “Mangueira. Molhada. Dois galhos quebrados ali.”
- Tirar o olho da tela (do computador ou celular) e atirar o foco para além do horizonte, como se estivesse mirando algo muito distante.
- Lembrar que em breve estaremos todos mortos.
- Contratar o Kramer para entrar todo dia assim na sua casa e na sua mente:
E vocês?
Vocês costumam praticar algo desse tipo? Como fazem? Quais âncores e despertadores funcionam para vocês?
Seguimos o papo nos comentários.
* Texto inspirado pela tirinha do Daniel Gisé e escrito em colaboração com Luciano Ribeiro, com base em uma antiga prática da Cabana que é explorada de outras formas dentro do lugar.
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