Parece fácil.
Para os conhecidos dessa nova “moda” de beber cerveja artesanal, a pergunta mais frequente é: “Qual sua cerveja favorita?”.
Para que eu responda tal pergunta preciso retrucar com várias outras até saber a resposta. Ainda assim, pode ser que o seu gosto mude com o tempo e, o que você vai preferir beber também.
Eu estou sempre em busca da minha cerveja perfeita, ao mesmo tempo que estou sempre com ela. A do presente.
Mesmo que eu liste algumas de minhas preferências, é preciso entender como nos relacionamos com nossas escolhas. Temos “gostos” diferentes, cada um de nós é único. Para entender isso, vou explicar de um modo bem sucinto, um assunto tão vasto.
Pelo menos, três itens são muito importantes de serem compreendidos:
Aroma
É o cheiro. Nosso nariz capta os aromas que estão no ar, – o perfume de uma pessoa, uma flor, a comida assando, a grama cortada, terra molhada, um caminhão de lixo, uma comida estragada, um bebê, um animal, madeira cortada, fruta amassada… Cada uma dessas coisas deixa uma mensagem em nosso cérebro. Pense só nos aromas e como podem ser complexos em suas tão maravilhosas diversidades.
Gosto
Tratamos o gosto como se ele fosse sabor. “Tem gosto de quê, isso?” E alguém responde: “Tem gosto de morango”. Desculpa eu ser a chata que vai te contar isso, mas a expressão não é correta. Gosto é quando pensamos em doce, salgado, ácido, torrado e o quase desconhecido umami. É isso que nossas papilas sentem, – o gosto.
Hoje, muito estudadas, há uma ciência que tem muito a crescer e está ganhando importância com suas descobertas. Então, por exemplo, quando você fica doente e seu nariz entope, você não sente aroma/cheiro de nada, mas você sente o gosto das coisas. Prove um limão quando estiver assim e depois me diga se não sentiu o azedo dele em sua boca.
Sabor
O resultado matemático da conta aroma + gosto = sabor. Ele é a mágica que acontece dentro de nós. Transforma e soma duas coisas distintas em uma só e nos presenteia com sensações muito diferentes, que cada um de nós encara com sua visão própria.
Tem gente que não gosta de alguns aromas, mas quando come, gosta do sabor, isso já aconteceu com você? Sabor é a harmonização daquilo que foi preparado – ou pela natureza, ou com uma ajudinha humana. Para que haja sabor, precisa haver, mais do que qualquer coisa, equilíbrio.
* * *
Então, além de pensarmos nesses itens, ainda vou adicionar mais algumas coisas a essa conversa de cerveja ideal.
A temperatura do local onde você vai beber a cerveja pode mudar sua escolha. Se é verão ou inverno, se você está na montanha ou no mar. Já disse lá no começo da conversa, somos únicos.
Todo mundo teve uma avó, uma tia, uma mãe, uma vizinha, um conhecido, um colega, um empregado ou alguém que cozinhou para você estar aqui, crescido e com memórias afetivas com o sabor da comida e tudo aquilo que nos remete ao sentir o aroma do frango girando em uma “TV” de domingo (melhor que a lembrança do programa do Faustão).
Onde você cresceu tinha plantação de quê? O queijo da sua região qual é? Tomou leite cru ou só de caixinha? Conhece as frutas da estação que tem na sua região? Viajou para fora? Teve desde criança alguma restrição alimentar? Subia em árvores para roubar fruta verde ou super madura?
Formamos nosso estômago de acordo com nossa vida e como nos alimentamos. Tem gente que a mãe nunca obrigou a comer jiló e nem pimentão cru. Tem gente que sempre só comeu orgânicos e pessoas que vivem de fast-food. A gastronomia é um dos itens que caracteriza uma pessoa e nos conta muito sobre ela. Somos fisicamente resultado daquilo que ingerimos.
A cerveja é complexa porque os ingredientes nos dão variáveis incríveis. A cerveja artesanal tem como seu maior trunfo ser livre. Os maltes não precisam ser só claros, nem só maltados, ou todos defumados. Nem só de cevada vive a cerveja, temos trigo, aveia, sorgo, centeio, milho, arroz e outros cereais que compõem o hall de possibilidades e sabores. Além das centenas de variedades de lúpulos que vão desde florais a mais herbáceos, secos, frescos, envelhecidos, cítricos.
As leveduras que se comportam de acordo com o que você dá a elas de alimento e produzem os mais diversos tipos de subprodutos do álcool também. Acrescente a madeira sendo usada de maneiras variadas e com aspectos diversos. E todos os possíveis adjuntos que hoje adicionam nas receitas.
Nem mesmo com essas informações podemos ainda escolher a cerveja perfeita. Diria que me falta falar sobre os sentidos além do paladar e do olfato. O que escolher pelo tato? A temperatura estupidamente gelada e textura do corpo de boca podem, sim, influenciar uma escolha. Mais carbonatada pode ser preferência quase unânime, mas quantidade de álcool pode mudar uma opinião. Digo isso, mas sem querer parecer que tudo isso é extremamente técnico. Você faz essas escolhas em um piscar de olhos. Perfeito seria se as cervejas que a gente mais gosta não precisassem viajar, pasteurizar, filtrar, que tivessem ingredientes frescos, feitas com alta técnica e com muita alma no preparo. Procure ao seu redor.
Ainda sim, e agora de forma mais subjetiva, gostaria de falar sobre a cerveja perfeita em outras condições. Aquela garrafa que será aberta entre os amigos, a tampinha que vai ao chão com pessoas felizes e sem se importar com os detalhes de estilo ou preço ou sabor, pois ela é a melhor cerveja que tinha para comemorar algo importante. A cerveja que é fabricada em casa pelo seu melhor amigo. A melhor cerveja pode ser aquela que podemos comprar com o trocado que tem no bolso. Um dia difícil com tudo dando errado, às vezes, transforma a última latinha da geladeira em perfeita. Algumas horas gastas no domingo olhando as panelas, transforma o seu sonho na melhor cerveja que você já fez e bebeu, mesmo que ela não seja tecnicamente vencedora de alguma medalha oficial. Não deixe que o momento que faz a sua cerveja não seja o ideal, as variáveis são a somatória do que você escolhe.
A melhor cerveja é aquela que no primeiro gole você fecha os olhos.
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