Nunca foi tão fácil encontrar receitas e guias de culinária na internet. Aqui mesmo no PapodeHomem temos textos bem práticos como este, este e este aqui, só para citar alguns. Mas não encontrei um relato modesto sobre os percalços de aprender a cozinhar.
Resolvi, então, me arriscar na missão de partilhar um gostinho da experiência como mestre cuca ocasional mas, antes de tudo, um homem livre quando o assunto é preparar um rango – não um grude, mas um prato.
Antes de começar, você realmente precisa querer cruzar a barreira que existe entre:
“Não sei fazer nada no fogão e tenho grana para pedir alguma coisa ou sair para comer”
e
“Quero conseguir chegar em casa depois do trabalho – ou aproveitar o final de semana – e preparar uma refeição gostosa, barata, que faça bem a mim e a quem quer que seja.”
É um pouco dramático, mas partir da premissa de que você – você mesmo – precisa cozinhar para se manter íntegro, saudável, aguentando o tranco do dia a dia, é um bom exercício motivacional.
Se tiver família, mulher, filho é ainda mais apoteótico o momento em que você se vê servindo quem ama. Na falta de qualquer desses motivadores, convide alguns amigos e exercite sua hospitalidade com eles.
Começando pelo básico
Vamos lá, você não é chef. Não é o Alex Atala, nem o Olivier Anquier, nem o Claude Troisgrois. Para se lançar nessa jornada, tem que ser “na humildade”. Possivelmente você não vai estar preparado e vai ter de se virar com uma faquinha serrilhada, uma tábua meio mofada e torta, uma panela velha onde gruda até pensamento e, bom… uma cerveja gelada. Já está ótimo, pra começar.
Há uma infinidade de blogs, sites, fanpages e, muito melhor, vídeos, que mostram o passo a passo de qualquer coisa que se queira inventar na cozinha. Claro, dicas de amigos, da sua mãe, vovó, esposa e sogra vão ter papel importantíssimo na sua formação, mas aprender a cortar uma cebola com caras como o Jamie Oliver é algo que você precisa aproveitar.
Não precisa entender inglês, basta observar.
Uma coisa que eu fiz muito, mas muito mesmo, foi descascar e cortar legumes para fazer papinha pro meu filhote. Foi um ótimo exercício contra a preguiça – a única coisa que realmente me impedia de cozinhar antes do processo aqui descrito – e eu me senti importante, fazendo algo que fosse refletir diretamente na saúde, no desenvolvimento dele. O corte pode ser tosco, mas pelo menos eu estava ali, lidando com aquele monte de vegetais, despindo-os, um a um.
Já para cortes mais refinados e bastante usados, tem os caras do Sorted Food, moleques ingleses apadrinhados pelo Jamie que fazem um merecido sucesso na rede. O jovem mestre Ben Ebbrell ensina várias técnicas.
Tá bom, é muito fácil quando você tem facas afiadíssimas – e ainda por cima aquela panela tinindo de nova com sua camada antiaderente intacta, um processador de alimentos esperando que se aperte o botão – algo que se vê bastante nesses vídeos instrutivos.
Esses kits são caros e talvez você não tenha grana para comprar de uma vez um pacote “tudo o que você precisa na cozinha”. Eu não tenho até hoje, mas o mesmo princípio dessas técnicas aí serve com praticamente qualquer utensílio que estiver à mão. A sensação de descobrir como cortar algo bem picadinho com uma faca porcaria é a mesma que aprender a dirigir com um Fusca 69. A técnica é igual, mas é muito mais roots dominar a pilotagem na fuqueta, né?
Não se intimide. Depois, quando quiser e puder, você dá uma tunada nas ferramentas.
Aproveite para exercitar seus sentidos
O primeiro sentido que a prática recém-adquirida vai exercitar é o olfato. Pelo cheiro, só não dá pra testar o sal, o resto está todo ali.
Lembro bem de pensar:
“Esse cheiro magnífico, não é possível. Sou eu que estou fazendo!”
Você pode até ser daqueles com “paladar infantil”, e só gostar hambúrguer, batata frita e comida de microondas – aliás, esse tipo de alimentação é prejudicial principalmente às crianças –, mas vai dizer que nunca ficou inebriado com o aroma da comida da sua mãe? Pois tenho quase certeza que na maioria dos casos essa delícia que invadiu suas narinas era só cebola e alho fritando no azeite.
É importante experimentar. Com isso você vai adquirindo mais repertório e sensibilidade aos sabores. As receitas que citei estão aí para apoiar.
Claro, tem as variações no procedimento, como: “Colocar água na panela, sal e óleo, deixar ferver e despejar o macarrão. Retirar a água depois de oito minutos.” Ou “Untar uma travessa, colocar as coisas em cima, pré-aquecer o forno, por lá dentro e retirar depois de 40 minutos”.
Você vai errar, claro. Vai deixar queimar, salgar demais, de menos, deixar empelotar, grudar, murchar, vazar. Tente de novo.
É possível que o último upgrade de sentidos, e talvez ele nem venha, seja o da visão. O paladar você vai aprimorando conforme prova o que faz; o tato ganha bastante conforme você apalpa os vegetais no mercado, parte importante desse processo; a audição, que deleite é deixar a panela bem quente e, quando joga os ingredientes no óleo: “tsss” – você vai começar a saber se um prato vai dar certo já pelo som.
Provavelmente seus primeiros rangos não vão ficar muito vistosos, e eu não me preocuparia se eles nunca chegarem a ficar, sabe? nessa primeira etapa, é o sabor que importa.
Claro, para chamar a atenção e abrir o apetite das pessoas, é bom caprichar no visual. Isso você pode manjar depois de dominar o básico. Mas se você já se esforçou para chegar aqui, põe dois raminhos de salsa em cima que já vai dar todo um charme.
Cuidado com os falsos fáceis (e vá fundo nos falsos difíceis)
Omelete, só para citar um exemplo de falso fácil. Ovo frito também pode entrar nessa categoria. Para ambos, faz-se absolutamente necessário o uso de uma boa frigideira antiaderente ou uma chapa daquelas do “prato feito” sujão da esquina, coisas da quais você pode não dispor.
Então, eu ficaria menos constrangido se falassem que não sei fritar um ovo do que se falassem que não sei fazer macarrão. A consistência, o tempero na medida, a cor. É muita sutileza.
Por isso, o omelete costuma ser o grande teste dos chefs.
O risoto foi o difícil mais fácil da minha vida. Esse prato italiano de arroz e queijo precisa apenas de ingredientes com uma qualidade melhorzinha, então talvez você já comece desembolsando uma nota em bom arroz arbório e num parmesão fera.
Uns dizem que o vinho também precisa ser do bom. Aí é só ir atrás de uma receita que te agrade e segui-la.
No vídeo abaixo é uma cozinheira profissa, mas poderia ser eu, de tão fácil.
O básico é o básico. O que vai nele, palmito, açafrão, manjericão, cogumelos, linguiça, bacon… Pire o cabeção e faça quantos testes quiser! As medidas também são muito relativas: depois do segundo risoto, eu já desencanei da receita original e passei a usar o “a olho” que funciona muito bem. Reforço: é só ir provando.
Fazer risoto é gostoso pois você tem que cuidar dele, pra valer. Não tem como não ser com carinho, entende? Se você parar de mexer, começa a grudar. Mas você começa a gostar de mexer, e vai tomando um vinho, e adicionando caldo, e provando. Aquele aroma absurdo vai subindo. Vá por mim: faça!
Neste vídeo, o hilário chef John, do foodwishes.com, faz uma versão hackeada do negócio. Mais uma vez, basta acompanhar o vídeo se não souber inglês. As receitas dele são lindas.
Cozinhar é uma habilidade adquirida que te deixa muito mais livre para tomar conta da sua própria alimentação. “Só” isso? Isso já é muita coisa. Mas também é mais do que isso.
O prazer de comer é elevado à vigésima potência quando você se diverte cozinhando alguma coisa do zero. E saber se virar na cozinha é também presentear alguém com a sua criatividade, seu bom gosto, sua própria combinação de temperos, sabores, texturas. É algo que só pode vir de você: seu esforço e paixão aplicados em um ato tão simples e tão indispensável quanto comer – isso une casais, famílias e amigos, vira mais uma liga nos seus relacionamentos. É uma forma de comunicação e expressão de amor.
O papo continua nos comentários.
E você, têm mais algumas boas ideias para quem não manja, mas quer se arriscar na cozinha?
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