Esta é a continuação do artigo Como Baixar Torrent, Passo a Passo. O cliente já está funcionando e já se consegue baixar algumas coisas, como podemos usar ao máximo essa ferramenta de acesso à cultura?
Como otimizar buscas em sites de torrent, e como interpretar certas palavras-chave que aparecem junto ao título, como nomes de releasers, fonte e qualidade — em video, áudio, software e livros? Alguns detalhes técnicos e mais recomendações de aculturamento num modo de vida em que finalmente não há escassez de informação, pelo contrário.
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Dicas sobre busca
Algumas das coisas de que falarei nessa sessão podem, para a maioria dos leitores, parecer muito bobas. Porém já vi bastante gente enroscada com esse tipo de dificuldade básica, e não custa lembrar a todos.
Não interessa o que você busca em sites de torrent, aprenda a ordenar a lista. Algumas vezes é útil ordenar pelo número de semeadores (seeders, quantas pessoas possuem o arquivo completo), outras vezes, pela data – e algumas vezes pelo tamanho.
O tamanho é a principal indicação de quanto um download vai demorar. No caso de vídeos, ele também diz respeito a qualidade – um longa-metragem de duração normal (1h40) costuma ter, em qualidade próxima a de um DVD, entre 700mb e 1.4gb. Algumas vezes a resolução está indicada no nome do arquivo, 720p sendo HD e 1080p Full HD, isto é, de qualidade próxima (ou idêntica) a de um blu ray.
Porém, um filme de 720p (se é essa a resolução que você quer) pode ter versões em vários tamanhos, como escolher a melhor?
Se a resolução é a mesma e o tamanho varia bastante, então há diferenças na forma de compressão de dados, e, grosso modo, o arquivo maior terá maior qualidade. Então é possível pesar o número de semeadores, tamanho e qualidade e assim se consegue decidir, entre os vários arquivos, o que tenderá a vir mais rápido na qualidade que se deseja.
Arquivos muito recentes, com muitos sanguessugas (leechers, quem começou a baixar mas não terminou o arquivo inteiro) e poucos semeadores, sem indicação de virem de usuários “vip” (no caso do The Pirate Bay, caveirinhas de várias cores) são menos confiáveis – isto é, podem ter outro conteúdo que não o indicado no título.
Cabe lembrar que sempre é bom ler a área de comentário sobre qualidade e outros problemas que o arquivo possa vir a ter. Algumas pessoas reclamam, com ou sem razão, e com as respostas podemos tentar inferir algo sobre o arquivo também com esse tipo de depoimento.
Muitas vezes também há, no caso de vídeos, além do título e da resolução (e em alguns casos um codigo para o tipo de compactação utilizada) um nome (geralmente em maiúsculas) que é o nome do grupo que lançou aquele arquivo na rede. Algumas vezes é um membro do próprio grupo que fez o arquivo que o lança num site particular, mas nem sempre.
Então tanto a caveirinha (ou outro indicador de usuário “vip”), e o nome do usuário (se ele não é anônimo), quando o nome do grupo que fez o lançamento do arquivo na rede são também indicações de confiabilidade e qualidade. Com o tempo aprendemos a reconhecer esses nomes e desenvolvemos preferidos.
Mas mesmo sem preferidos, para quem depende de legenda, o nome dos grupos é muito útil. Uma dica importante (enfatizada também por um leitor nos comentários do texto anterior) é procurar pela legenda antes de buscar o torrent. Assim será boa a chance de que legenda e o arquivo do filme estarão sincronizados.
Embora eu ainda recomende um player como o XBMC mesmo, que baixa a legenda correta sem tanto esforço do usuário.
Estas dicas sobre tamanho e ordenação das listas são úteis também para outros conteúdos, como livros, música e software. Algumas vezes o grupo de lançamento também fica evidenciado nesses outros conteúdos, mas nem sempre – no caso de software são tantos os grupos que é difícil seguir essa pista. Mas as indicações de usuário vip, data de postagem, número de seeders e tamanho do arquivo (que precisa condizer, é claro, com o que se espera daquele conteúdo), seguem relevantes não importa o conteúdo.
Também é preciso lembrar que as regras de busca mais comuns funcionam nos sites de torrent, isto é, digamos que se queira ver o seriado Law and Order, mas não em sua versão Special Victims Unit (SVU). Adicionar um “-SVU” na busca elimina todos os títulos que possuam essa palavra-chave. Muitas vezes ajuda acrescentar o ano em que o filme foi lançado no cinema no país de origem.
Pode parecer bobo, mas é preciso enfatizar que você procure pelos conteúdos com os títulos na língua original em que foram feitos. Particularmente no caso do próprio inglês – no caso de outras línguas, devemos procurar tanto em inglês quanto na língua específica. O conteúdo com títulos em português e português brasileiro é bem mais raro, e geralmente de qualidade inferior (em termos de codificação e resolução). O IMDb é o melhor site de cinema, e lá encontramos os nomes originais (e em inglês) da maioria absoluta dos filmes, bem como os anos de lançamento.
Com relação a software, “pt-br” funciona como palavra-chave. “Dublado”, se você deseja filmes dublados também é comum. Há poucos livros em português em torrent, mas os que há estão em pacotes nomeados com as palavras “português”, “livros”, etc.
Em alguns casos funciona procurar o torrent diretamente pelo Google, adicionando-se a palavra-chave “torrent” ou “+torrent”, ou “filetype:torrent”. No caso de livros isso é particularmente importante, porque o Google muitas vezes informa sobre um livro dentro de um pacote, coisa que a busca dentro do próprio site de torrent algumas vezes não faz.
Há também as máquinas de busca especializadas em torrent, como a torrentz.eu, mas a minha experiência é, se não encontrar diretamente no The Pirate Bay ou Kickass Torrents, procurar via Google mesmo. Mas há quem as ache imprescindíveis; a torrentz.eu, por exemplo, faz também a busca nos arquivos dentro de um torrent que tenha um pacote de livros ou vários vídeos, ou música dentro de um disco, etc.
Palavras-chave ligadas a lançamentos de cinema
Com filmes novos, há algumas palavras-chave que se deve cuidar.
CAM é um filme que um sujeito capturou com uma câmera dentro do cinema, em geral com baixíssima qualidade de som e vídeo, câmera instável, tela meio cortada ou em ângulo, pessoas passando em frente à tela, risadas da plateia, etc. A não ser que a vontade de ver um lançamento seja absurda, se deve evitar ao máximo CAMs.
TS é ligeiramente superior, é uma captura com câmera em situação controlada, mais profissional — tripé, sala vazia. Em alguns casos, tanto CAM como TS podem ter versões com AUDIOSYNC, em que pelo menos o áudio vem de uma saída de fone de ouvido, e não é capturada com um microfone – e o som tende a ser razoável.
SCREENER é um DVD enviado para avaliação de um crítico ou profissional do cinema e que acabou vazando. Este tem qualidade variável, mas são em geral bastante assistíveis, contendo apenas, algumas vezes, avisos chatos na forma de uma legenda “este filme é propriedade de tal distribuidora”, etc.
WORKPRINT é um filme com algum grau de sua pós-produção incompleta (certos efeitos especiais, ou mesmo todos, faltando), que vazou. São em geral curiosidades para fãs mais radicais. (Como também há certos FANEDIT, que são filmes editados por fãs, incluindo cenas extras, ou rearranjando o material original).
R5 significa que alguma cópia asiática em boa qualidade, tão boa ou melhor que DVD, vazou. Estes são geralmente tão bons quanto o lançamento em DVD, ou até melhor do que isso, em HD e Full HD, variando de caso em caso. Por algum motivo, certos filmes são distribuídos antes no mercado asiático. Algumas vezes eles contém legendas em línguas asiáticas (HARDSUBBED, isto é, impossíveis de remover, coladas nos frames do filme), mas isso é raro.
Enfim, há lançamentos DVDRIP, WEBRIP (ou apenas DVD e WEB), e BLURAY que são as versões comerciais de distribuição do filme. As versões em disco geralmente estão recompactadas, mas em alguns casos é possível baixar o disco “como original”, embora o tamanho do arquivo seja bem maior.
Se várias destas versões estão disponíveis, é claro que as preferíveis são as últimas listadas, isto é os rips de discos e web, depois R5, SCREENERS e versões alternativas, e enfim TSs e CAMs, caso a pessoa realmente esteja desesperada por assistir esse conteúdo recém lançado.
Dicas sobre o Cliente
Algumas pessoas reclamaram de eu indicar o utorrent como cliente – porque ele contém adware, e tem aqueles poréns para instalar mencionados no artigo anterior, e também porque é meio poluído visualmente.
Deluge e qBittorrent foram os mais indicados por leitores. Eu pessoalmente uso a feature do utorrent que me permite, ao configurar senha e usuário, logar e baixar conteúdo remotamente, sem precisar saber o ip (dinâmico) da minha máquina, o remote.utorrent.com – mas também por comodismo e inércia. Nem pensei em examinar essas duas outras possibilidades. Mas para quem está começando, podem ser interessantes realmente.
O fato é que o utorrent já é, não sei bem, talvez a quinta geração de clientes de torrent cujos grupos de desenvolvedor cansam de trabalhar sem recompensa financeira e caem num esquema pouco saudável de publicidade invasiva. Então é muito provável que para evitar isso, seja preciso trocar de cliente de tempos em tempos, ou aprender a tolerar (ou desativar) a publicidade nos softwares que já se vêm usando.
Trackers privados
A estrutura do download por torrent é bastante descentralizada, mas ela se embasa em 3 elementos bastante distintos: os clientes, o tracker e o site de torrent, ou máquina de busca de torrents.
É essa separação que essencialmente impede que os torrents sejam derrubados por governos dominados pelo lobby da propriedade intelectual. No caso do Napster, que começou a avalanche do p2p, e foi derrubado pela legislação americana, busca e tracker estavam no cliente – era tudo uma coisa só.
Mas o que é o tracker?
O tracker é o servidor que registra os usuários, e calcula semeadores e sanguessugas. Assim, os números informados no site de busca são obtidos pelo tracker. Por vários motivos, eles são apenas uma indicação grosseira do que realmente acontece na rede.
Em primeiro lugar, esses números são atualizados em quantias discretas de tempo, questão de minutos, até horas. Essa é uma das causas pelas quais quando você coloca para baixar o seu arquivo no cliente, o número de semeadores e sanguessugas é bastante diferente do mostrado no site de busca de torrentes.
A outra causa é que os torrents muitas vezes vem com indicação de vários trackers públicos, e o seu cliente se conecta a um deles de acordo com várias imponderabilidades, como haver vaga, e assim por diante. Mas, além disso, como os trackers são a parte mais frágil (legalmente) desse aparato todo, eles aos poucos estão sendo substituídos por outra tecnologia descentralizada, que usa peers para localizar peers. Assim parte da sua lista de semeadores vem de trackers, parte vem de outros peers.
Mas, você pode se perguntar, por que já não abandonar os trackers de uma vez?
A vantagem é velocidade, particularmente de início de download. Com um servidor dedicado, a informação sobre os peers vem mais rápido do que apenas “trocando figurinhas” com outros peers. Mas isso varia também de acordo com a sua razão de download e upload no sistema todo – que é atualizada nos trackers e nos peers com que você tem contato (e não em seu próprio computador, onde seria fácil para alguém com conhecimento falsificar essa informação e obter vantagens na rede).
E se a vantagem de usar um tracker é a velocidade, há diferenças entre os trackers. Há trackers melhores e piores por duas razões: os trackers mais liberais ou totalmente públicos, possuem muitos sanguessugas, o que torna tudo mais lento para todos, também porque seus recursos computacionais (banda, processamento) são divididos indiscriminadamente com mais gente do que em trackers mais restritos ou totalmente privados.
Mas como entrar em um tracker privado?
Alguns deles abrem as portas por curtos períodos de tempo, como “épocas promocionais”, e em outros casos, ganhando o convite de algum conhecido seu. O download é bem mais rápido e totalmente confiável, mas, por outro lado, se nos portamos como sanguessugas nesses ambientes, somos simplesmente expulsos.
No meu próprio caso, para conteúdos que quero ou preciso com certa urgência, uso o tracker privado – dependendo do arquivo, difere até em 20 ou 30 minutos o tempo de download, tempo que exceto em raros casos é absolutamente irrelevante para mim. Para a maior parte do conteúdo, portanto, sigo usando os trackers públicos. Já distribuí dezenas de convites para o tracker privado que utilizo, mas mesmo aí sou cuidadoso: ao que parece também o comportamento dos meus convidados, se muito abusivo, conta contra mim.
Link YouTube| Ainda muito abstrato? Assiste esse vídeo
Torrents recentes, Top Torrents
De forma geral os sites de torrent possuem uma lista de “torrentes recentes”. Ali podemos entrar em contato com o conteúdo fresquinho que vem, por exemplo, da TV, minutos depois que passou nos canais originais na Europa ou nos Estados Unidos.
Muitas vezes essa lista é bastante poluída, então podemos descobrir alguns dos usuários confiáveis que lançam apenas TV, e assim podemos não só acompanhar os shows que gostamos, mas descobrir outros, e novidades mesmo.
Além disso, temos as listas por áreas, filmes em alta resolução, TV ou software por exemplo – mostrando os 100 mais baixados em cada área, e algumas vezes os 100 mais baixados nas últimas 48 horas. Estas listas são bastante úteis.
Quanto baixar
De forma geral, é adequado deixar de 5 a 20 torrents baixando – e eu pessoalmente também costumo deixar até 10 apenas semeando para cada tracker privado que uso, mais alguns para os trackers públicos.
Com o tempo, se deixamos o computador ligado sempre, nos descobrimos baixando coisas apenas para experimentar, e não nos importamos de deletar quase imediatamente – porque é ruim – algo que levou dias para baixar. E essa disciplina no trato com os arquivos é necessária para não encher demais o dispositivo de armazenamento do seu computador.
Como descobrir o que baixar
É perturbador quando alguém comenta que gosta da interface do Netflix para escolher o conteúdo que quer baixar. Sinceramente, só pode se tratar de algum tipo de pobreza cultural.
Ora, as recomendações estão por todo o lado, e basta copiar e colar um título numa caixa de busca para em breve assistir ao conteúdo. Podemos ter apego à “experiência de locadora” (ou livraria), de simplesmente descobrir algo por sorte (ou mais provavelmente azar) ao olhar capas, mas hoje – sejamos francos – isso é uma experiência total e imersiva, em todo conteúdo que consumimos.
Com qualquer 100gb livres de espaço (que custam hoje cerca de 22 reais em mídia física, isto é, 1/10 de um disco rígido de um terabyte que custa 220 reais), você guarda dezenas de filmes e episódios de série, mais dezenas de discos e centenas de livros. Não que você precise se restringir a isso, mas em 100gb cabe recomendação cultural para sem dúvida um mês de tempo livre que você disponha a assistir, se é que vai assistir tudo. E um mês, em qualquer internet de mais de um mega por aí, é suficiente para baixar mais de 100gb de conteúdo.
E esse conteúdo foi escolhido e filtrado pelo melhor curador: você mesmo. Quando você leu aquele artigo, ou quando seu amigo recomendou algo, ou você viu aquela atriz fazendo propaganda de seu filme novo no talk show, você imediatamente ou botou para baixar, ou colocou na sua lista. E daí, quando você tem tempo livre, você lida com as melhores opções que você deixou para si mesmo, e não para um passeio semi-aleatório entre capas, metafórico ou real – que até pode ter seu apelo eventual, mas bem eventual mesmo, porque afinal de contas, o melhor é mesmo desenvolver critérios sobre como usar o tempo, e tender a consumir algo melhor do que qualquer coisa, não é mesmo?
E mesmo o passeio eventual você pode fazer com vários critérios, desde buscas no Google por, como fiz recentemente, melhores thrillers dos anos 80 (assisti uns 4 de uma lista de 25), até esgotar a carreira de um ator ou diretor, ou ver aqueles film noir que quem entende de cinema sempre menciona.
Disclaimer (o mesmo do primeiro artigo)
Baixar e fazer upload (lembre-se que o p2p obrigatoriamente envolve fazer upload) de conteúdos protegidos por leis de propriedade intelectual é ilegal em algumas jurisdições, embora hoje em dia — com exceção da Inglaterra e Japão — nem mesmo táticas de medo e exemplos de punição por esses motivos sequer ainda existem (isto é, você não vai receber uma cartinha de seu provedor).
De qualquer modo, todas as tecnologias p2p podem ser usadas para baixar conteúdo no domínio público, e, portanto, nada disso que descrevi é inerentemente ilegal, e nem eu recomendo que se cometa ações ilegais de acordo com a sua jurisdição. Porém, como já disse em outro texto, não considero essa ação imoral. Pelo contrário.
É imoral, por uma série de razões (lobby contra neutralidade da rede e outros nefastos, cartéis de corporações, conteúdo que tende ao menor denominador comum cultural — a tendência da produção cultural patrocinada por corporações a privilegiar o que agrada os bocós das massas), isto sim, assinar serviços de streaming. Assim, você pode se considerar um ativista ao participar da derrocada da cultura enquanto produto.
Occupy information.
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