Lá vamos nós, hasteando o bastião da sabedoria nas pilastras da galhofa outra vez! Depois de se embrenhar no mato, é chegada a hora de ver o que a cidade grande tem a nos oferecer.

O Evento escolhido foi a Comic Con, em São Paulo, e o objetivo principal foi dar mais visibilidade ao incrível cenário nacional de quadrinhos que tem se formado nos últimos anos. Borá lá.

O Rapper Frodo e a Treta das Maravilhas

Uma da tarde, dia chuvoso e cinza, uma fila de carros se forma na entrada, tudo como o esperado na terra da garoa.

Eis que após uma boa pernada chego nos portões do pavilhão, agacho para pegar a câmera na mochila, e então meus olhos dão de cara com um pequeno Flash de oito anos ele segura um arco sem flechas. Penso por um instante em questioná-lo a respeito do artefato, mas pago o preço da minha hesitação.

Um pequeno Barry faz jus ao nome e sai quicando como uma espoleta, e logo vejo que é seguido por passos apressados de um Arqueiro Verde adulto dizendo algo parecido com: “Filho, espera que a gente tem que pegar o lanche primeiro!”

E eu pensando que a DC tinha acabado com esses universos paralelos dos infernos.

Registro em homenagem ao pequeno flash que meu clique não conseguiu capturar a tempo

Sigo mais alguns metros e avisto Gandalf dando um agá com alguém. Imagine minha surpresa quando descubro que este alguém é ninguém menos do que Frodo, que parece ter se cansado das Batalhas na Terra Média e agora tenta vingar como Mc na Batalha do Santa Cruz.

Antes de entrar no Beco dos Artistas, cruzo com duas Mulheres Maravilha duelando e um repórter Sailor Moon. Vi todo o tipo de gente: gordo, bolado, magrelo, garotinhas coloridas em bando ou uma princesa Fiona que já passava dos 50. Foi o público mais diverso que já encontrei reunido – e isso foi o que me fez apaixonar por esse lugar.

Isso me faz lembrar o verdadeiro motivo de gostar de eventos como este: mais do que promover a cultura nerd, são o tipo de lugar onde as pessoas podem ser o que elas quiserem. E tá tudo bem. Simples assim.

Qual a diferença entre o charme e o funk?

A importância destes espaços é enorme trata-se de um grande exercício social onde adolescentes podem encontrar alguns ídolos dos quadrinhos e descobrir que são tão tímidos quanto eles próprios e que, ainda assim, tudo deu certo.

A menina se veste de Arlequina cheia de decotes e pode ser magra, gorda ou gostosona que ninguém irá incomodá-la a não ser que a fantasia esteja bacana, o que atrai um sem número de elogios e fotos. A dinâmica da Comic Con caminha como deveria funcionar uma sociedade sadia, com cada um cuidando da sua vida e tentando se divertir no processo.

Se tem babacas? Claro que tem, sempre vai ter o Zé Ruela que vai fotografar só a bunda da Viúva Negra ou o bacaca que ficará duas horas monopolizando o cadeirão de Game of Thrones. O mundo nunca será isento de imbecis, mas seguimos nossa luta para extingui-los.

Alguém falou em idiota?

Beco dos Artistas

Depois das tentativas frustradas de galgar uma cadeira na ONU, é hora de retornar à nossa missão principal: apresentar a você, digníssimo leitor, grandes quadrinistas brasileiros que merecem muito sua atenção na CCXP e fora dela.

O Artists’ Alley é um espaço que conta com 215 artistas, em sua imensa maioria brasileiros, muitos atuando de forma independente. Dá pra encontrar gibi existencial, autoral, treta pura, de sacanagem, romântico. De mangá à comics, mainstream a underground. Serão algumas dúzias de obras fantásticas, seja qual for o seu critério ou gosto.

Nunca tivemos um cenário nacional tão eclético e efervescente quanto o atual. A internet aproximou o público do autor e o cinema trouxe legiões de novos interessados, e ainda que viver exclusivamente de quadrinhos seja uma Odisséia, esta alternativa nunca esteve tão pulsante quanto agora.

Para você que ficou interessado em conhecer mais sobre esses caras, dou uma mão: separei os 31 artistas que mais me chamaram atenção junto da minha recomendação de obra de cada um deles. Pegue seu caderninho de anotação e vá ser feliz, truta:

João Azeitona – mesa 1

Além de colorista de mão cheia, João Azeitona manda muito nos desenhos, e apesar de utilizar bastante preto, consegue criar obras extremamente bem definidas e nada poluídas. Seus trabalhos lembram um pouco aquele Conan de raiz, aquele Conan muleque.

Recomendação: Porco Pirata

Mateus Santalouco – mesa 1

Mais um que manja muito do mainstream, Santalouco não só desenha, como também é um dos responsáveis por criar a origem do inimigo master das Tartarugas Ninja (!!!). Sim, senhor: ele mesmo, o Destruidor, parceragem!

Magenta King – mesa 2

Moebius nasce no Oriente e encontra Paul Pope no Tekkon Kinkkreet. Boa viagem!

Recomendação:  9 horas

Alcimar Frazão – mesa 3

Taí um cara que faz amor com o nanquim. Lembra o Jae Lee, só que mais orgânico e fã de blues. Não tinha como dar errado.

Recomendação: Me and the Devil.

Magno Costa – mesa 4

Econômico e assertivo, Magno Costa consegue utilizar a fantasia para tornar a realidade mais tangível. Confuso? Acredite, não é. Falar mais estragaria parte da surpresa que é se deparar com um trabalho seu pela primeira vez.

Recomendação: A Vida de Jonas.

Leandro Melite – mesa 6

Melite tem uma característica e tanto: seu trabalho no roteiro e na arte se equivalem, além de ter um cuidado claro na utilização de referências. Com certeza um dos autores com mais fôlego que vem surgindo nesta nova onda.

Recomendação: Dupin

Bianca Pinheiro – mesa 10

Ritmo narrativo apurado e versatilidade temática tornam Bianca uma máquina de hits. Não a toa fará a próxima HQ do elogiado projeto das MSP, do Maurício de Souza.Recomendação: Meu pai é uma montanha

Eduardo Damasceno  – mesa 14

Damasceno, juntamente com seu parceiro Garrocho, cria histórias permeadas de realismo fantástico para nos mostrar como até a vida comum pode ser extraordinária.

Recomendação: Cosmo

Shiko – mesa 15

De um realismo comedido, Shiko utiliza sua arte em prol do roteiro e não o contrário (como seria de se esperar de um cara que tem esta capacidade artística). Me lembra um virtuoso sem ego, taí algo raro.

Recomendação: Lavagem

Cristina Eiko – mesa 17

Juntamente com Paulo Crubim, Cristina vem criando quadrinhos leves e aconchegantes, num ambiente onde todos querem criar a nova melhor obra do mundo, é um alento ver que existe diversão despretensiosa de qualidade.

Recomendação: A2

Marcello Quintanilha – mesa 24

Apenas o melhor artista de quadrinhos nacional da atualidade.

Sem medo de experimentação, transita entre estilos (estéticos ou temáticos) sem perder a personalidade>Um ótimo autor de narrativa gráfica e roteiro, com a raríssima característica de conseguir direcionar toda sua excelência a serviço da história que está sendo contada.Tá perdendo seu tempo me lendo aqui, corre comprar algo desse cara!

Leia também  Quarto Negro | Eu ouvi pra você #3

Recomendação: Tungstênio

Dharilya – mesa 29

Um caso de aposta pessoal minha: me chamou a atenção no Catarse pelo traço simplificado, mas extremamente preciso. Única autora de quem ainda não li nada. (Por favor, peço que escreva tão bem quanto desenha, tô aguardando chegar o meu gibi!)

Recomendação: Relicário

Ichirou – mesa 30

(Ichirou, ajuda a gente parceiro! Encontrei seu trabalho no painel do Artists Alley, mas penei que nem o cão pra achar mais sobre você na web. Não faça como avós na internet, aprenda a divulgar seu trampo.)

Voltando aos gibis, esse entra para o hall de apostas pessoais, muito curioso pra ver algo em mãos, me lembrou muito Inio Asano.Recomendação:  espero que o autor me ajude com essa nos comentários.

Luciano Salles – mesa 47

Sua obras não são de fácil assimilação, mas nem por isso são menos interessantes. Distorções anatômicas e experimentalismos gráficos são muito bem vindos, além de combinarem perfeitamente com seus quadrinhos.

Recomendação:  Dark Matter

Camilo Solano – mesa 48

Eu gostaria de falar umas palavras inteligentes sobre o trabalho de Solano, mas seu último gibi tem prefácio de ninguém menos do que Robert Crumb. Creio que ele não vá precisar de mais credibilidade do que isso.

Recomendação: Captar

Mika Takahashi – mesa 53

Do tipo de arte que você olha e fica pensando como pode alguém criar algo tão simples e ao mesmo tempo tão bom? O traço de Mika tem fluidez e firmeza, a mulher é o Bruce Lee dos quadrinhos, meu deus.

Recomendação: A Samurai

Cárcamo – mesa  59

Apenas o melhor aquarelista do Brasil, ao menos na opinião deste humilde que vos fala. Arte no seu estado puro.

Recomendação: compre um original, um print, um livro, um chaveiro, tudo que estiver disponível.

Davi Calil – mesa 60

De traço particular e conciso, usa as cores de maneira harmônica e crível. Retrata um cotidiano ordinário e ao mesmo tempo mágico, e consegue valorizar seus personagens sem que ofusquem a história principal.

Recomendação: o vindouro “Uma noite em L´Enfer”

Julia Bax – mesa 60

Julia é daquelas que tem tanta técnica que se torna segura o bastante para simplificar suas formas e tornar todos os gestos intensos, mesmo quando são contidos.

Recomendação: Remy

Greg Tocchini  – mesa 61

A palavra aqui é fluidez. É difícil explicar, mas seu traço fino e ligeiro consegue deixar qualquer cena acelerada. Nossos olhos parecem querer percorrer tudo na maior velocidade possível – arte divertida e ritmada é isso aí.

Recomendação: Low

Rafael Coutinho – mesa 70

Talvez eu esteja falando uma bobagem, mas Coutinho chega a ser tão bom que prejudica a maioria dos quadrinhos que ilustra seus desenhos costumam ser tão hipnóticos que é difícil entrar na história sem se perder em um rosto, uma composição ou um gesto. Às vezes me pergunto se os quadrinhos conseguirão realmente canalizar todo o potencial desse cara.

Recomendação: Cachalote

Rafael Albuquerque – mesa 72

Discretamente sujo, Albuquerque tem a qualidade de deixar as histórias se sobressaírem aos seus desenhos. Poderia ser um defeito, mas o que ele cria está além da imagem, são atmosferas em quadrinhos.

Recomendação: Huck

Gustavo Duarte – mesa 73

Diversão é a palavra que melhor define o trabalho desse cara. Independente do personagem, é impossível não adentrar nos universos particulares que Duarte cria. Confesso que sonho com uma animação desse cara. Não fosse ele de Bauru, diria que não tem defeitos (marilienses entenderão).

Recomendação: Monstros

Felipe Nunes – mesa 83

Gosta de Pixar? Então, boa leitura! Felipe cria contos incríveis dentro do universo das crianças, sem nunca soar infantil. Além de estar passando por uma evolução monstruosa de seu traço e narrativa gráfica (o cara tem vinte anos). Olho nele!

Recomendação: Dodô

Fabio Cobiaco – mesa 86

Taí um cara que merecia ser trocentas vezes mais conhecido. Seu traço pesado, mas ao mesmo tempo extremamente sintético é um show à parte, das coisas que só a experiência e centenas de litros de nanquim podem fazer por você.

Recomendação: Mayo

Pedro Cobiaco – mesa 86

Em minha humilde opinião, o futuro melhor quadrinista do Brasil. Ousado, sem pudor e extremamente racional. Explora profundamente narrativa gráfica, estética e roteiro, todos com a mesma intensidade.

Recomendação: Aventuras na Ilha do Tesouro

Mike Deodato –mesa 104

Chover no molhado? Vamos sim! Um “velho de guerra” dos quadrinhos que abriu muitas portas para os brasileiros no mercado americano. Poucos caras trabalham ambientes escuros coloridos com tanta qualidade e harmonia. Monstro.

Recomendação: Quadros

Felipe Massafera – mesa 108

Embora comparado constantemente a Alex Ross (o que não seria demérito para artista algum), Massafera consegue ser menos literal no uso de referências fotográficas e aplica seu excelente realismo com uma dinâmica mais cartunesca.

Recomendação: Light of Thy Countenance

Jack Herbert – mesa 119

Mostrando que também existe mainstream novo e de qualidade feito por brazucas lá fora, Jack Herbert, além de desenhar bem, tem um trabalho primoroso de arte final.

Recomendação: Acorda

Marcatti – mesa 136

Legenda

O melhor do pior! O quadrinista mais escatológico de todos os tempos é brasileiro, meu amigo, prepare-se para tudo que a total ausência de pudor e o bom senso abaixo de zero podem gerar.

Recomendação: Frauzio

André Diniz: mesa 147

Antes de tudo, podemos dizer que André Diniz nasceu para contar histórias a leitura sutil dos sentimentos humanos permeia todo seu trabalho sem nunca soar piegas ou datado (mesmo quando o tema é “histórico”). André me lembra uma leitura de cordel moderna.

Recomendação: Morro da Favela

* * *

E por enquanto é só, pessoal.

Tem muita gente boa que ficou de fora, indicações serão bem vindas nos comentários só peço que se mantenham nos nacionais, já que o estímulo ao mercado interno nada tem a ver com patriotismo irracional, mas sim com o estímulo à manutenção e fortalecimento deste setor cada vez mais importante na formação de caráter.

E se você achou que quadrinhos eram coisa de criança, você está certo! Só errou achando que isto excluiria todo o resto do pessoal (inclusive este que vos fala do alto dos quase 31).

Quadrinho é cultura, parça. Divulgue, produza e leia! Por um mundo com mais Cobiacos e menos Cunhas.Como sempre, espero que tenha sido útil ou, ao menos, divertido!

Bruno Passos

Pintor. Ama livros, filmes, sol e bacon. Planeja virar um grande artista assim que tiver um quintal. Dá para fuçar no <a>Instagram</a> dele para mais informações."