E lá estava eu na festa da Playboy. Sim, a festa de 35 anos da revista, aquela que teve a Cléo Pires, aquela que estava cheia de mulheres famosas, aquela que rendeu dois dias de notícias no Ego e coisas do tipo.
Eu, um jornalista de 25 anos, que há pouco mais de um ano ainda estava morando na casa dos pais no interior de Minas, estava lá, em plena Hípica no Rio de Janeiro, usando pulseirinha vip numa festa em que gente que eu só conhecia da televisão estava tendo que se estapear por um copo de espumante, batendo papo numa rodinha ao lado do grupinho de uma atriz global e sendo confundido por um fotógrafo (provavelmente dos mais confusos) com o filho de alguém famoso que poderia merecer uma nota na próxima edição de Caras.
Não vou me alongar muito em como eu fui parar lá (acho que ninguém pedia pro Buzz Aldrin explicar exatamente como ele chegou na Lua, certo?), mas eu consegui um convite pra festa e chegando lá fiz todas aquelas coisas que um cara não habituado ao ambiente faria: tirei fotos, bebi um pouco mais de vodka do que o recomendável, bati papo com um repórter do CQC e fiquei realmente chocado quando o Ziraldo xingou uma das meninas da recepção. Sério, saber que o cara que escreveu “O Menino Maluquinho” mandou uma garota “tomar no cu” soa tão errado quanto, não sei, Ursinhos Carinhosos comandando um pelotão nazista ou algo assim.
E eu estava lá na minha rotina de garoto deslumbrado do interior quando a minha amiga responsável pela minha ida à festa me chamou de lado e disse que queria me apresentar alguém. Não apenas alguém, uma garota. Não apenas uma garota, uma garota linda. Não apenas uma garota linda, uma garota linda vestida de coelhinha. Sim, insira aqui um momento de suspense e uma música ambiente com tambores, por favor.
A coelhinha
Não é preciso muito pra explicar o conceito de coelhinha. Nascidas da mente vagamente pervertida de Hugh Hefner, as coelhinhas são basicamente a identidade da Playboy e por tabela um dos grandes ícones de feminilidade do século XX, habitando o imaginário masculino como um dos poucos pontos pacíficos num universo fragmentado e cheio de opiniões díspares, junto possivelmente com futebol, monoteísmo e os Beatles. Ainda que tenha gente que não gosta dos Beatles, de futebol ou de monoteísmo, claro.
Ou seja, mais do que parado de frente pra uma garota linda usando um maiô mínimo com orelhinhas felpudas e um rabinho de pompom (e por favor, não pense que isso é pouco), eu estava, de uma certa forma, parado de frente pra uma representação icônica de algo que, durante toda minha vida, meu subconsciente mitificou como sendo o meu ideal de atração física pelo sexo oposto.
Quer dizer, na verdade o meu ideal de atração física pelo sexo oposto seria a Ellen Page usando a mesma roupa, mas aquele era um momento em que meu subconsciente estava disposto a abrir uma exceção e tudo mais. E como todo mundo que já tentou conversar com uma representação icônica de algo mitificado pelo seu subconsciente (ou apenas era gago quando criança) sabe, é complicado falar nessas horas.
Mas depois dos minutos iniciais em que tudo que eu conseguia fazer era olhar pra ela de forma abismada e falar como se eu fosse Dom Lázaro pedindo um mamão, consegui conversar com ela e aprender uma coisa importante sobre mulheres em geral que, ainda que já devesse ter aprendido há algum tempo, foi essa garota com rabinho de pompom que me fez entender. Sim, música de iluminação espiritual pra mim, obrigado. E não, eu realmente nunca achei que algum dia ia dizer uma frase que terminasse com “foi essa garota com rabinho de pompom que me fez entender”.
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trilha de iluminação…
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Sobre coelhinhas e não-coelhinhas
Nessa noite eu aprendi que mulheres são… mulheres. E que todas elas são, de uma certa forma, coelhinhas e também não-coelhinhas Eu sei, não parece uma grande lição, não soa nada épico e você deve estar pensando que todos nós desperdiçamos uma bela música de iluminação espiritual com uma coisa boba assim, mas me deixa explicar direito, ok?
Enquanto estava ali, conversando com aquela garota e ouvindo ela falar sobre a faculdade que ela fez, o convívio dela com os pais, os problemas com horário e trabalho, entre um monte de outras coisas, eu vi que mais do que alguém numa posição simbólica, ela era uma garota, ela era real. Não que ser uma garota ou ser real seja pouca coisa, mas pra quem estava no meio de um processo hardcore de idealização freestyle, foi uma descoberta um tanto quanto significativa ver que ela era uma garota normal, com problemas normais, preocupações normais.
Basicamente como são todas as garotas, mas a gente às vezes deixa de notar por diversas razões que vão desde imaturidade até excesso de idealização passando por olhar demais pro próprio umbigo ou se preocupar demais com o próprio ego.
Ou seja, naquele momento ela passou de coelhinha a não-coelhinha, a uma garota real.
Mas ao mesmo tempo, vendo como uma garota real era também uma coelhinha, eu percebi que toda garota é uma coelhinha em potencial. Não apenas na prática óbvia (vá na loja, compre as orelhinhas, pronto), mas também no campo simbólico e conceitual.
Uma garota pode ser aquela representação, pode te causar aquela reação, pode te deixar daquele jeito, se ela quiser e se você deixar. Esse potencial pra sedução, pra ser algo mais do que apenas “uma garota”, pra te deixar com o queixo mais no chão do que a cotação da rúpia de banco imobiliário, pra te deixar confuso e sem ar, está em cada garota com quem você topa por aí, todos os dias. Sim, amigos, dezenas, centenas, milhares, milhões de coelhinhas. Sério, pode acreditar em mim. Eu não mentiria sobre uma coisa dessas.
O dia seguinte
E possivelmente essa é a moral da história: mulheres são mulheres, coelhinhas e não-coelhinhas. Mais do que a idealização adolescente, do que a pagação de pau gratuita e da idéia instintivamente masculina de mulheres bonitas não vão ao banheiro, elas conseguem na realidade nos surpreender de formas totalmente diferentes dessas, pelo que elas são e não pelo que nós imaginamos delas. Nos surpreender de formas reais, eu diria. Talvez eu tenha demorado um bocado pra sacar isso – 25 anos nas costas e tal -, mas acho que antes tarde do que nunca, certo?
E Ziraldo, por favor, não fale mais palavrões, cara. Você fode com a minha infância quando faz uma coisa dessas.
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