Era uma tal cadeia de aulas sobre beleza, maquiagem natural, alimentação alternativa. Ela ia colocando uns nomes sobre nomes para poder complicar mais e não deixar fixar na cabeça do marido. Dessa maneira, com pleno apoio dele, ela passaria os próximos meses sem poder se comunicar duas vezes por semana no horário noturno, coisinha de três ou quatro horas, sempre mandando mensagens quando estivesse saindo do curso para não deixá-lo preocupado.

Só que, nessa horas, ela estaria com o amante em algum dos motéis da Marginal, desfrutando de pecados e salivas, fluidos, líquidos em abundância que culminariam em gozo e banho, afinal, precisava lavar a cara depois dos testes de cosméticos e produtos de cabelo nas lições em sala de aula. Se conheceram esperando o mesmo ônibus na saída do trabalho, aquele papinho de que sempre demora pro coletivo chegar, de que toda hora alguém sem educação fuma no meio de todo mundo, reclamando das velhinhas que entram na frente da visão da rua e não dá mais para ver quando a condução está chegando. Pegavam trajetos diferentes, então aqueles minutos começaram a valer ouro. 

Encostavam na esquina, só os dois, e por vinte minutos aproximadamente se pegavam aproveitando a intensa novidade. Há anos ela não sentia a boca de outra pessoa que não a do marido, não ouvia de perto ofensas tão deliciosas do tesão. Sentia-o, mas na rua não poderia experimentá-lo. Decidiu que precisava de mais tempo e conseguiu, depois de uns dias matutando, esquematizar a história do curso, algo bem distante da curiosidade do parceiro, algo que tivesse prazo de validade, afinal, não vale a vida dupla de esposa e amante. Mas precisava de alguns dias despregada da realidade para viver aquelas vontades todas com o gostoso do ponto de ônibus.

E foram terças e quintas de fodas, encaixes, pés e dentes. Ela transava, se mostrava zanzando pelo quartinho alugado, trocavam histórias de vida com aquela voz rugosa que só o cansaço do orgasmo proporciona. Ele era respeitoso, não fazia graça do relacionamento dela, do parceiro que estava em casa com a convicção de que sua companheira estava aprendendo sobre as últimas descobertas da estética. Ela se sentia confortável pra se abrir por completo, falar da própria relação, como ela era interessante e saudável, que não tinha o intuito de traí-lo por desleixo com o casamento, mas porque se viu necessitada de sentir tudo o que sentia só que em novos ares, em cima de outra pessoa. Ele riu e disse que entendia bem, que estava embarcando em algo novo e que sabia o quão interessante era para o corpo essa sensação de novidade. "Ah, é? Tá gostando de sair comigo?", ela perguntou encostando mais a cabeça no peito dele. E ele disse que sim, que estava tudo ótimo, mas que ele estava falando de um quase namoro que estava se envolvendo, da garota que estava se encontrando há algumas semanas e que aquilo poderia avançar em algo mais sério. Ele pegou o celular e abriu o Instagram, mostrando a foto do final de semana na praia, abraçado com uma garota de biquíni clarinho. O rosto dela ficou quente na hora. Não disse nada, só reduziu a quantidade de palavras no resto da noite.

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Na semana seguinte não conseguiu se soltar, a boca seca, alguns pudores. Não gozou. Nem tentou, na verdade. O clima no quarto foi sentido. "Tá tudo bem com você hoje? Quer que eu te ajude em algo?", ele perguntou.

"Eu tenho ciúmes de você com ela. Não gostei de ver. Me leva pro ponto de ônibus? Ele vai passar daqui há pouco e eu quero chegar mais cedo em casa. Acho que ainda consigo jantar com meu marido".

O amor. Ele aparece em cada momento…

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Jader Pires

É escritor e colunista do Papo de Homem. Escreve, a cada quinze dias, a coluna <a>Do Amor</a>. Tem dois livros publicados