Gosto de contar histórias desde que me entendo por gente. Lembro que criei meu primeiro personagem com uns 7 anos de idade, obviamente, bem infantil, com aquela ingenuidade de criança. Desenhei quadrinhos boa parte da minha infância e adolescência. Eu fazia meus gibis manualmente, grampeava, plastificava capa e contracapa, desenhava e coloria à mão.
Revirei coisas antigas um dia desses quando fui à casa dos meus pais e até tirei foto de uma dessas revistinhas – talvez a única que tenha sobrado. Eu tinha uns 12 ou 13 anos de idade e lembro que era um “projeto”, se é que posso assim chamar, em dupla com o Pedro, meu amigo e colega de escola na época, que hoje, coincidência ou não, é meu sócio.
Um tempo depois, empolguei com cinema. Queria muito estudar cinema, mas acabei fazendo Publicidade e Propaganda por falta de coragem mesmo. Confesso que tive medo de morrer de fome. Imagina! Cinema? No Brasil? Não, não, melhor não.
Só alguns anos depois de formado e com a situação profissional razoavelmente estável é que finalmente consegui fazer cinema. Talvez eu tivesse mesmo que ter feito isso antes, talvez não. Pelo menos agora eu estava fazendo.
E a sensação era a de que havia perdido muito tempo: havia muitos filmes para serem vistos, autores e diretores clássicos que eu nem conhecia, mestres dos quais sabia muito pouco ou quase nada. Fiquei um bom tempo (e ainda estou correndo atrás do prejuízo) vendo filmes e lendo livros de cinema desesperadamente. Terminei o curso, fiz meu primeiro curta.
Assim, depois de ler muito, conversar com gente do mercado e analisar o cenário atual, principalmente no Brasil, que várias questões vieram à tona.
Uma coisa leva à outra
Imagine que, ao chegar à praça de alimentação de um shopping, você percebe que metade dos restaurantes são da mesma cadeia de fast food. Isso seria praticamente uma forma de obrigar os clientes a consumirem aquela marca: comam hambúrgueres. Podemos até gostar de hambúrgueres, mas se há outras opções, é bem provável que a gente queira comer outras coisas de vez em quando.
O ato de assistir a produções estadunidenses é cultural, está consolidado na nossa rotina. E, para os Estados Unidos, esse é um produto extremamente valioso e faz parte, inclusive, da política internacional do país. É inegável a importância do audiovisual para o fortalecimento de uma nação.
Filmes, novelas e seriados de TV têm o poder de influenciar pessoas, lançar tendências, ditar comportamentos, criar moda, representar uma região, fortalecer o turismo, aumentar a autoestima de um determinado lugar e por aí vai. Nova Iorque já foi cenário de tantos filmes que assistimos, tantos seriados que gostamos de acompanhar, que é praticamente impossível não ficarmos, no mínimo, curiosos em conhecer a cidade. A admiração é quase inevitável. Muita gente já foi aos Estados Unidos dezenas de vezes, sem sequer ter passaporte.
Muitos pessimistas preferem dizer que o brasileiro não gosta de produções nacionais e ponto. Os brasileiros querem, sim, ver sua língua sendo falada nas telas e sua cultura sendo retratada. Bobagem pensar o contrário. O espectador médio até já se acostumou a ver filmes nacionais, mas boa parte do grande público ainda vê a produção brasileira como algo de baixa qualidade, de “imagem feia”. Talvez, vestígios das antigas pornochanchadas e do cinema boca do lixo.
Para atrair o grande público, precisamos diversificar nossas produções, até porque a percepção geral ainda é de que nossas temáticas giram muito entre miséria/história de bandido.
Ao contrário dos produtores, que captam recursos por meio de incentivo fiscal, os exibidores não possuem apoio do governo. E como são instituições com fins lucrativos, obviamente, preferem exibir produtos com grande potencial comercial. Por conta disso, é praticamente impossível, no atual modelo, concorrer com o produto estrangeiro, principalmente o estadunidense.
É uma discussão antiga. Já ensaiaram alternativas para mudar isso, mas nada muito relevante. O fato é que, de 2001 pra cá, a participação do mercado de produções nacionais só foi maior que 20% em 2003. Em 2012, não chegamos nem a 15%.
E qual seria a melhor alternativa para mudar essa realidade? Criar incentivos para exibidores? Criar uma lei de cota também nas salas de cinema como fizeram com a TV fechada? Me parece estranha essa questão. Não deveria ser o contrário? Em vez de brigarmos por uma participação mínima, não são os estrangeiros que deveriam brigar por uma fatia nossa?
Vamos fazer um filme?
Acredito que quanto melhor a qualidade do conteúdo audiovisual nacional (seja ele filme de ficção ou documentário, série, novela etc), mais os brasileiros vão querer ver conteúdo nacional. Quanto mais o brasileiro quiser ver conteúdo nacional, mais eles se tornarão comercialmente atrativos e, como consequência disso, estarão presentes em salas de cinema, na programação da nossa TV por assinatura e na internet, atraindo, assim, maior atenção das marcas.
Com o atual modelo de fomento, baseado em leis de incentivo fiscal e editais, os autores ficam extremamente dependentes do Estado para filmar no Brasil. Os processos não favorecem aqueles que estão começando e são complexos até para autores/produtores experientes.
Em suma, quem escolhe quais projetos serão produzidos no Brasil são os departamentos de marketing de grandes empresas.
O único jeito que conheço de evoluir é com a prática. Quanto mais filmes a gente fizer, melhor vamos ficar. Quanto mais gente tiver se dedicando ao audiovisual, mais chances teremos de revelar talentos, produzir coisas legais. Quanto mais coisas legais fizermos, mais jovens vão querer ser cineastas e vão se dedicar ao estudo do cinema. Quanto mais gente interessada em estudar, mais escolas e cursos serão criados.
Seria uma revolução real no cenário, não é verdade? É nisso que eu acredito.
E é sob esse contexto que criamos o Cineasta.cc. O site utiliza o crowdfuding e a colaboração coletiva para ajudar criadores a captar recursos para filmarem seus projetos no Brasil. Trata-se de uma tentativa de democratizar o mercado e permitir que mais pessoas consigam desenvolver e produzir suas ideias.
Tem um roteiro e precisa de ajuda para tirá-lo do papel? Gostou de um projeto e quer participar ou quer apoiar? Quer ver sua marca nas telas? Assista ao vídeo explicativo e entenda como funciona. Acredito que ele resume bem a proposta. E acho importante mencionar aqui (e aproveitar para agradecer novamente) o pessoal do Clint Studio de Floripa, que criou o vídeo.
Enfim, o fato é que um mercado autossustentável, com apoio de pessoas e da iniciativa privada, certamente contribuiria para o desenvolvimento do audiovisual brasileiro e do próprio país.
Quem quiser mandar dúvidas, comentários, sugestões ou entrar em contato conosco, o e-mail é contato@cineasta.cc.
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