Double date com um casal de amigos, queria fazer um jantar especial. Tinha recebido de uma amiga uma receita de geleia de pimenta (agora sem acento, segundo a nova ortografia) que queria experimentar.

O menu seria um risoto de tomate seco com rúcula e um filé mignon com três molhos: Chocolate amargo, pimenta e pimentão amarelo. Tudo harmonizado com um bom Carmenère ligeiramente gelado porque o calor aqui anda cruel e com uma levada hard rock. Incluí no repertório Led Zeppelin, Alice Cooper, Deep Purple e Rush.

Noites com amigos deixam as melhores lembranças

Enquanto providenciava algumas coisas do jantar, e já que pimenta no dos outros é refresco, pedi que minha esposa retirasse as sementes das pimentas. Sugeri que usasse luvas, mas, ao que parece, não com a ênfase necessária. Ela não usou. Até o final do jantar estava sentindo um ardor nas pontas dos dedos.

Ter suas sementes destruídas é o correspondente vegetal de perder um bebê durante a gestação. É por isso que muitas plantas investem pesado em proteger as sementes de diversas maneiras. Tente abrir um fruto de castanheira que você entenderá do que estou falando. Já no ramo das armas químicas, muitas plantas desenvolveram defesas violentas contra predadores e patógenos de sementes.

Uma delas é a capsaicina.

A capsaicina é um composto vegetal solúvel em óleo produzido principalmente nos tecidos que envolvem as sementes de pimentas do gênero Capsicum, Família Solanaceae (diferente da piperina produzida pela pimenta do reino, uma Piperaceae). Essa substância atua sobre células especializadas em perceber dor que, através de uma proteína de membrana, dispara um sinal nervoso através de canais de sódio.

Esse sinal será interpretado como dor pelo cérebro, que reage para preservar a integridade do corpo. A Capsaicina se liga a esses sensores de dor, o que proporciona a sensação de ardência característica da pimenta às vezes desejada, como num filé com geleia de pimenta, às vezes detestável, como nos dedos da minha esposa.

Quatro da manhã. Estamos no Pronto Socorro da cidade. Passamos a noite entre analgésicos, lavagem da mão com óleo de soja (esses dias escrevi sobre a inutilidade de alguns conhecimentos básicos, mas saber que a capsaicina é lipossolúvel dessa vez ajudou).

Ainda assim, o efeito tóxico é duradouro e a dor, cada vez mais intensa. As mãos da minha mulher foram besuntadas de pomada de vaselina com lidocaína. A lidocaína retarda a ação dos canais de sódio que transmitem o sinal de dor para o cérebro. Para continuar o tratamento, levamos para casa uma bisnaga da pomada disponível nas melhores farmácias e sex shops, sendo também útil em exames de próstata, endoscopias e outras introduções dolorosas de objetos através de orifícios.

Ela tomou ainda um forte analgésico. A ardência só cessou completamente após 30 horas.

Você nunca imaginou que essas belezinhas poderiam ser as vilãs de uma história, né?

Mas do jeito certo, pimenta é bom demais. Dá uma olhada nisso aqui:

Risoto de tomate seco com rúcula

Refogue numa panela meia cebola em duas colheres de azeite retiradas do frasco de tomate seco.

Depois de dourada a cebola, acrescente três xícaras de arroz arbóreo (não custa lembrar que arroz de risoto não deve ser lavado) por alguns minutos, quando deverá ser adicionada uma taça de vinho branco seco. Escolher um vinho vagabundo porque é para cozinhar irá resultar num risoto ruim, fica por sua conta e risco.

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Quando quase todo o vinho tiver secado, coloque duas colheres de sopa de catchup e cubra tudo com uma solução quente de 2 caldos de galinha dissolvidos em 1 L de água. Vá repondo a água até que o arroz esteja al dente. Não duro, mas mais consistente do que arroz branco.

Ao final inclua 50 g de parmesão ralado, o tomate seco cortado e metade da rúcula picada. Aqueça e misture até a rúcula murchar. Guardei a outra metade da rúcula ainda fresca para colocar sobre o risoto no prato.

Geleia de pimenta

Abra 300 g de pimenta dedo de moça ao meio e retire as sementes (Acredite, você vai querer usar luvas para esse procedimento).

No copo do liquidificador, junte as pimentas a ½ copo (150 ml) de água e bata até ficar homogêneo. Leve ao fogo alto numa panela com mais um copo de açúcar, assim que levantar fervura abaixe o fogo e vá retirando a espuma branca que se formar com uma escumadeira.

Mantenha aí até obter o ponto desejado.

Geleia de pimentão amarelo

Usei exatamente o mesmo procedimento acima, mas peneirei após o liquidificador para ficar mais homogêneo, o que resultou num tempo maior até engrossar.

Molho de chocolate

Coloque em banho-maria quatro pedaços daqueles que já vêm marcados no tablete de chocolate amargo (usei o 65% cacau) e uma colher de sopa de manteiga com sal. Assim que ambos estiverem dissolvidos acrescente ¼ de tablete de caldo de carne e misture até dissolver bem.

Se você não disser, tem gente que nem percebe que é chocolate.

Filé mignon

Corte medalhões de filé mignon com cerca de 4 cm de altura. Tempere-os com sal apenas uns 20 minutos antes de fritar. Numa frigideira bem quente coloque 1 colher de sopa de manteiga e frite os medalhões. Eu e meus convidados adoramos carne mal passada, por isso usei a frigideira muito quente e a carne alta.

Tendo os molhos prontos e os filés fritos pouco antes da chegada dos convidados, você pode guardar os filés numa travessa no forno pré-aquecido por meia hora enquanto faz o risoto com os convidados sem que eles esfriem muito, antes de servir pode acender um pouco o forno para reaquecer os filés sem passa-los demais.

Montei os pratos com três fios de molhos coloridos formando arcos paralelos, o de chocolate, o de pimenta e o de pimentão. Sobre os fios coloquei três peças de filé, cada uma com um molho.

Na outra metade do prato coloquei o risoto com a rúcula fresca sobre ele.

Bom apetite, conquiste e, claro, cuidado com os dedos.

Eduardo Bessa

Eduardo Bessa seduz através de ideias os alunos de Zoologia na Universidade do Estado de Mato Grosso. Também enxerga em tudo ao redor um pouquinho de Biologia, o que acaba integrando seu blog, <a>Ciência à Bessa</a>."