“O amor reativo protesta demais; é exagerado, extravagante, exibido, afetado. Não consegue se adaptar às circunstâncias transitórias como fazem as emoções genuínas; ao contrário, precisa sempre ser mostrado como se alguma falha em exibi-lo fosse trazer à tona o sentimento contrário.” – Calvin S. Hall

Sou especialista em começar as coisas de um jeito intenso e depois abandonar subitamente, como se um carro a 200 km/h morresse do nada. Relacionamentos, trabalhos, esportes, amizades, quase tudo cai nessa tendência.

Conversando com o Gitti, fui lembrado de algo que eu sempre digo para meus pacientes: “Se você está mesmo apaixonado, por que é necessário ficar manifestando isso de forma tão frenética?”. Nessa hora me dei conta de que quanto mais eu me esforço para mostrar algo, mais aquilo tende a se revelar vazio. Coloco intensidade e empolgação justamente onde, se relaxar, receio não encontrar nada.

Será que eu sentia mesmo aquilo tudo que eu mostrava ou queria fermentar o sentimento para que eu próprio acreditasse nele?

Adalberto, qual o tamanho do seu medo?

Contrafobia e formação reativa

Resolvi, então, experimentar um estilo mais comedido e constante na busca por qualidade de vida. Eu adotava comportamentos “cair de cabeça” como uma atitude contrafóbica, para mascarar meu medo de me revelar naquilo que eu tentava ocultar. Cair de cabeça é uma forma de entorpecimento dos sentidos. É como estar com medo na cena do filme de terror e imaginar que ao tapar os olhos aquilo fica menos assustador.

A atitude contrafóbica é uma estratégia defensiva para contornar o medo (com olhos fechados) ao se submeter ao impulso oposto e aparentar estar no controle da situação. Como alguém que tem medo de altura e resolve escalar montanhas. Qualquer um já segurou o choro ou tentou parecer corajoso na hora de pular do trampolim da piscina…

Pessoas que vivem sozinhas e se orgulham disso podem estar tentando subverter o seu pânico de intimidade amorosa. Alguém que se esbalda num relacionamento atrás do outro pode estar fugindo de um confronto com suas próprias vulnerabilidades.

Na psicanálise chamamos de formação reativa o processo que leva uma pessoa a adotar um comportamento aparente totalmente oposto ao impulso inconsciente. Freud percebeu que nem sempre agíamos de maneira coerente com nossos impulsos originais e notou que certas pessoas manifestavam um esforço exagerado em suas vidas que não condiziam com o que seus sonhos ou falas (na análise) revelavam. Pode-se perceber isso em mães extremamente zelosas que guardam muito ressentimento do filho por ter lhe roubado a juventude: como reação à culpa por sentirem raiva, exageram no cuidado.

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Quantas pessoas radicais você já não viu adotar atitudes extremamente opostas depois de um tempo? Assassinos que se tornam religiosos fanáticos, esquerdistas que se tornam aristocratas, bombados que viram obesos e apaixonados que, como eu, esfriam subitamente.

O alarde é proporcional à desconfiança no time

Viver apenas

A pressão por ter de ser sempre o melhor e o mais intenso como se não houvesse amanhã acabava me fazendo asfixiar de tanta cobrança interna.

Quando corri a prova da São Silvestre percebi que na largada havia muita gente disparando desgovernadamente como se fosse seguir um queniano de perto. Tive o mesmo impulso, até que me lembrei do meu treinador: “Mantenha o ritmo e constância”. No meio do percurso, pude ver aqueles afoitos da largada parando na região da Consolação. Na subida da Brigadeiro eu estava bem cansado até ouvir um tiozinho alegre: “Vem Brigadeiro que eu te como inteiro!”. Aquilo me fez rir e perceber que eu aguentaria a subida. Fiz isso e só isso, sem exageros ou sentimento de heroísmo, afinal era só uma rua íngrime. Completei a prova com tranquilidade.

Tenho observado essa nova postura e, por isso, levado o relacionamento amoroso num ritmo mais caloroso sem a necessidade de grandes fogueiras o tempo todo, a aula de dança sem me forçar a ser um exímio dançarino e o muay thai sem tentar virar o campeão regional de luta.

Hábitos como anunciar em outdoor meus sentimentos, pregar minhas ideias aos quatro cantos do mundo, impor minha vontade nos círculos sociais ou ser o mais esperto em tudo já estão deixando de fazer parte da minha rotina.

Tem sido bem proveitosa essa experiência de viver apenas. Quando fazemos demais, muitas vezes impedimos aquilo que aconteceria naturalmente, por si só: paixão e prazer com uma mulher, empolgação com um projeto, sincronização em um ritmo. O medo de que não aconteça nos deixa ansiosos, tentando antecipar, forçar, simular tudo.

E vocês? Também estão aprendendo a morder sem precisar latir tanto?

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Ilustradora, engenheira civil e mestranda em sustentabilidade do ambiente construído, atualmente pesquisa a mudança de paradigma necessária na indústria da construção civil rumo à regeneração e é co-fundadora do Futuro possível.