Nota do editor: esse texto foi originalmente publicado como “A triste balada de Rust Cohle“, do amigo Renmero e conta um pouco da nova série da HBO, True Detective. Esse texto provavelmente possui algum tipo de spoiler — em maior ou menor medida –, mas nada que comprometa a imersão na série, uma ótima pedida após o final de Breaking Bad.

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Faz um bom tempo desde Sopranos. Já faz um bom tempo desde The Wire. As séries pareciam que não iam mais vir nesse nível. Breaking Bad foi divertido – mas não se engane: nunca foi uma grande série. Com todas aquelas cores “Dick Tracy” e roteiro bastante direto que nunca conseguiu explorar com cuidado todas as nuances da sua temática, a série nunca chegou aos pés de uma obra-prima como Sopranos. Teve suas qualidades: atuações incríveis, era acessível para um grande público apesar do tema e principalmente: era uma série contada como se fosse uma lenda urbana.

Era deliciosa, entretanto nunca foi grande série. Talvez não fosse para ser. Pois ao comparar com suas antecessoras e principalmente com uma de suas sucessoras, True Detective, Breaking Bad não tinha tutano.

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A HBO parece ser a única emissora que entende de tutano, ou pelo menos possui como objetivo demonstrar isso. Não confundir com violência desregrada e nudez desenfreada. Isso a FX consegue ter em quase todas suas séries de crime (salvo ) e mesmo assim elas continuam uma bosta. É outra coisa.

No primeiro episódio de True Detective, sente-se por algo que desde aquela fatal primeira assistida de Se7en não se sentia: uma atmosfera pesada, como se o serial killer estivesse com a intenção de te incomodar por meio da ficção. O serial killer, se é que ele é serial, estava querendo incomodar e atingir algo além dos personagens naquela história. Ele queria mexer contigo, que estava ali assistindo.

Tutano.

Acompanhar uma série é uma tarefa ingrata. Não é como um livro, que se estiver bom, pode-se sentar e avançar dezenas de páginas por vez. O modelo do Netflix de soltar uma temporada inteira de uma vez é interessante, mas mesmo assim ainda consegue ser ingrato: separe um dia inteiro e avance hora após hora naquela história. Seja consumido.

Uma série é algo longo de se acompanhar por natureza. No modelo de um episódio por semana, é simplesmente algo ingrato. Ainda mais no caso de True Detective.

Semana a semana acompanhamos os detetives Rust Cohle (Matthew McConaughey) e Marty Hart (Woody Harrelson) atravessando Louisiana em busca de um assassino ritualístico e particularmente tenebroso.

Rust é um policial assombrado, ex-undercover, ex-junkie (talvez ainda junkie?) e incrivelmente solitário. Mora em uma casa branca sem móveis, com algumas pilhas de livros espalhados e é atordoado por flashbacks de ácido e outras drogas que não são nada românticos como o Lebowski fazia eles soarem. Marty é pai de família, tem um caso com uma garota mais nova, é policial durão e bebe bastante.

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À primeira vista, parece que Marty ficará enchendo o saco de Rust a série inteira – mas poucos diálogos são tão menos óbvios como os entre a dupla. Episódio após episódio, as camadas vão rachando, Rust vai ficando mais nilista e profundamente assustador enquanto Marty simplesmente explode e deixa de ser aquilo tudo que pensava que era.

Ou que dizia a si mesmo que era.

A dinâmica entre os dois personagens resgata a tradição de duplas de detetives clássicas, todavia metendo o pé em quase nenhuma convenção fácil pelo caminho. Em algumas cenas, Rust mostra os dentes. Em outras, é Marty.

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Há uma relação que consegue ser amigável e corrosiva ao mesmo tempo. Não é uma série sobre o assassino em série (embora em algum momento acabe sendo), é uma série sobre homens que lidam diariamente com os crimes de um serial killer, homens que vieram de lugares distintos e carregam cicatrizes aparentes ou difíceis de se notar. Tutano é difícil de explicar:

RUST: Acho que a consciência humana foi um erro trágico na evolução. Nos tornamos muito autoconscientes. A natureza criou um aspecto seu separado de si. Não deveríamos existir pela lei natural.
MARTY: Isso parece ruim pra porra, Rust.
RUST: Somos coisas que operam sob a ilusão de ter um eu-próprio, essa acreção de experiência sensorial, e fomos programados para pensar que somos alguém quando, na verdade, todos são ninguém.
MARTY: Eu não espalharia essa bobagem.Ninguém aqui pensa assim. Eu não penso assim.
RUST: A coisa mais honrável para nossa espécie é negar nossa programação. Parar de se reproduzir. Caminhar, de mãos dadas, até a extinção, uma última meia-noite, irmãos e irmãs deixando tudo para trás.
MARTY: Então qual é o sentido de acordar toda manhã?
RUST: Digo para mim que é para testemunhar isso, mas a verdadeira resposta é minha programação. E eu não tenho estrutura para cometer suicídio.
(créditos da tradução: Arcadia/Legendas.tv)

A narrativa é contada em forma de flashback. Vê-se em dias atuais Marty e Rust sendo entrevistados sobre o caso que investigam junto na década de 90. Não sabe-se o que aconteceu de fato. Apenas pode-se presumir: os dois capturaram o assassino, Rust virou alcóolatra irreparável e Marty um segurança privado que usa ternos caros. Mais de uma década se passou, quase duas.

Estamos no quarto episódio e pouco foi revelado sobre o porque dos dois estarem contando sobre o caso que investigaram junto.

A sobreposição dos personagens, ora em atividade na década de 90 — ora dando entrevistas que aparentemente não queriam dar em dias atuais — possui efeito devastador: nota-se que pequenos atos que aconteceram há muito afetaram de forma diferente cada personagem.

Vê-se um Rust que não parece possuir nada além de uma casca seca, mas que ainda mantém fagulhas daquela inteligência incrível que possuía quando ainda era detetive. Marty demonstra cuidado com as palavras, sinal de quem passou por muita coisa justamente por não saber como manuseá-las.

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Sons of Anarchy

Neste exato momento, após o monólogo final do terceiro episódio que me aterrorizou por semanas, após a brutal e agonizante cena de um take só do assalto que Rust participa (cena essa que anulou toda a existência de ) no quarto episódio, posso dizer apenas uma coisa: é a melhor e maior série que estou acompanhando.

Pode dar tudo errado até o final da temporada — a segunda temporada pode destruir tudo e assim por diante. Entretanto, é inegável que os quatro episódios que passaram até agora foram nada menos do que destruidores.

O vazio que talvez Breaking Bad tenha deixado nos começos da minha semana já foi preenchido completamente – e muito além do esperado.

Talvez seja o momento de começar a assistir True Detective antes que a tua timeline encha de gente falando sobre ela — e tu cries uma antipatia natural e compreensível. Pegue a história sendo escrita desde o começo e compartilhe semanas e mais semanas desconfortáveis na presença de Rust Cohle.

Este artigo é a favor do hype.

“O que dizer sobre a vida, né? Você tem se recompor, dixer para você mesmo histórias que violam todas as leis do universo apenas para suportar o maldito dia”
— Rust Cohle

Renmero R.

Renmero R. é artista marcial acidental e também pode ser encontrado ocasionalmente em <a>http://renme.ro</a>."