Para apresentar Luiz Biajoni, basta citar os títulos de alguns de seus livros: Sexo anal e Buceta. Pois é.
Um dos últimos escritores verdadeiramente marginais e independentes, recusado por dezenas de editoras medrosas, ele agora finalmente virou mainstream. Acabou de lançar, pela editora Língua Geral, a adaptação literária do filme Elvis & Madona. Ou seja, mainstream ma non troppo: nada poderia ser mais biajônico do que contar a história do tórrido e insólito caso de amor entre uma lésbica e um travesti.
Luiz Biajoni, 40 anos, paulista de Americana, jornalista autodidata, já lançou os romances Sexo anal, Virgínia Berlim e Buceta, todos (auto)-publicados pela lendária mezzo-editora mezzo-ONG Os Vira-lata, do editor-de-guerrilha Albano Martins. Está na terceira esposa (a linda Karen Bassetti, que tirou a foto abaixo) e no terceiro filho. Além disso, comanda um programa de entrevistas na TV Jornal de Limeira, todo dia às 11:30h, ao vivo. Ou seja, estou entrevistando um entrevistador profissional. Medo. Muito medo.
Mais importante que tudo isso, o Biajoni é um das pessoas mais generosas e boas e lindas e grandes e surpreendentes que já encontrei na vida. Um mais-que-amigo que tenho orgulho de chamar de irmão.
Abaixo, um papo improvisado para apresentar os leitores do PapodeHomem a uma das maiores figuras da literatura brasileira.
O que há em um Sexo anal, ou uma teoria dos títulos
Alex Castro
A primeira pergunta é: por que escrever livros com títulos que ninguém publica?
Luiz Biajoni
Boa pergunta. Eu sempre respondo propondo um desafio: se você ler meus livros e encontrar títulos melhores, eu mudo. Os livros têm esses títulos pelo simples fato de serem os melhores para as tramas. Não é abuso, ou marketing. Eu mesmo fico constrangido quando tenho que falar deles. Pessoas acham que são livros pornôs, mas não são. Se eu escrevesse um livro eminentemente pornô o chamaria de Democracia, ou coisa parecida.
Alex Castro
Hmmm, se você colocaria Democracia como nome de livro eminentemente pornô e chama Sexo anal um livro que não é pornô mas tem sexo anal como elemento importante no enredo, isso levanta uma questão interessante: qual é a sua teoria de títulos? Ou seja, para que serve um título de livro, filme, de obra narrativa? Qual é a função?
Luiz Biajoni
Pô, o título é importantíssimo. Na verdade, o título de Sexo anal é Sexo anal – Uma novela marrom. A questão “anal” permeia e costura a trama, mas não é o mais importante. Mais importante é a violência, as relações entre os personagens, e a corrupção da imprensa… Novela marrom é porque o livro é uma tentativa de transpor para o romance os princípios do que se chama de jornalismo marrom. Imprensa marrom. Neste caso, fazendo alusão ao sexo anal, claro, a cu e merda, essa coisa toda. É por isso que eu acho o título, desculpe a falta de modéstia, genial. Mas troco se alguém que ler me sugerir um melhor.
Agora veja que legal um livro pornô chamado Democracia. Imagine uma trama e que quatro ou seis casais decidam fazer uma orgia mas desde que todos façam tudo o que todos votarem, num processo democrático. Pode ser tenso e dramático, vai dizer? Taí pra quem quiser escrever. Eu escrevo livros policiais.
Alex Castro
Mas então um título tem que resumir o livro? aludir ao livro? comentar o livro? ironizar o livro? complementar o livro?
Luiz Biajoni
Se der para ser tudo isso, pode ser perfeito. Não acha?
Alex Castro
A perfeição é inimiga não só da pressa mas de todo mundo.
Luiz Biajoni
Gosto dos títulos do Philip Roth, geralmente são perfeitos. O melhor título de livro brasileiro, para mim, é do Mirisola, Fátima fez os pés para mostrar na choperia. Veja que título maravilhoso.
Alex Castro
Quais foram os constrangimentos mais lindos que esses títulos já causaram?
Luiz Biajoni
Vários. Mas quando participei do For Rainbow, festival de filmes gays, em Pernambuco, acompanhando Elvis & Madona, a apresentadora me chamou ao palco e falou diversas vezes os títulos de meus livros e eu fui ficando roxo – e a platéia rindo. A apresentadora estava curtindo me constranger.
Tem vários constrangimentos que leitores me contam… De pais e mães que descobrem os livros e tal… Semana passada o prefeito daqui, de Limeira, onde moro, veio me dizer que comprou o Elvis & Madona, mas quando viu os títulos dos meus outros livros na orelha do E&M, botou na gaveta.
Teve um constrangimento interessante de uma amiga que, por displicência, expôs a capa de Sexo anal enquanto andava num elevador e havia cinco homens dentro e todos começaram a se olhar ameaçadoramente. Hahahahaha! Ela disse que nunca se sentiu tanto na iminência de um estupro. Mas acho exagero.
Alex Castro
Awwww, coitadinho do escritor que fica constrangido de ouvir os títulos dos próprios livros!!! Que dó!
Luiz Biajoni
Ei, eu fico mesmo constrangido, especialmente se estiver são, sem ter bebido nada… No fundo, sou pudico.
Link YouTube | Trailer oficial do filme Elvis & Madona, com Igor Cotrim e Simone Spoladore. Em cartaz em cinemas por todo Brasil.
Elvis & Madona, o livro: a vingança da literatura contra o cinema
Alex Castro
Bem, agora, vamos ao evento principal. Elvis & Madona. Como surgiu esse projeto aí nessa sua vida bandida? E porque o seu livro é “a vingança da literatura contra o cinema”, como você disse?
Luiz Biajoni
Pois é… Estava travado com Boquete, o final da minha trilogia suja. Já tinha recebido o e-mail do diretor do filme, dizendo que tinha gostado do meu livro, o Sexo anal. Uma tarde, toca o telefone e é ele, perguntando se eu não achava que a história de Elvis e Madona, que ele estava acabando de filmar, não dava um romance… Disse que ia pensar na idéia – e pensei. E achei que, de várias maneiras, aquela trama cabia no meu universo… Aceitei e comecei a trabalhar. Foram vários começos e desistências… Só quando tive a idéia de ampliar a trama policial e contar a gênese dos personagens e mudar o final, retorcer a história afinal, é que o livro andou. O cenário do filme era bem diferente do cenário dos meus outros livros, mas, para isso, contei com a ajuda de alguns amigos. E ele deu carta branca para que eu escrevesse como quisesse.
Alex Castro
Eu confesso que acho interessante essa coisa da diferença. Os livros baseados em filmes são sempre muito bem comportados. Seguem o roteiro a risca. E você mudou tudo. Tem alguma mudança que você possa falar sem spoilar muito o filme e o livro? Você me disse uma vez no MSN: “vinguei todos os autores que reclamam que os diretores mudam os livros!” Me fala dessa sua “vingança”.
Luiz Biajoni
Na verdade, roteiros costumam mudar filmes, especialmente os finais. Um exemplo: tem uma cena em Animal agonizante do Roth, que o protagonista lambe o sangue da menstruação da sua aluninha. No filme, com Penelope Cruz e o Ben Kingsley, não tem essa cena… Eu entendo: é uma cena que funciona bem no livro, mas no filme ia ficar estranha, repulsiva… Bom, cinema, livro, quadrinhos… são suportes diferentes, cada um tem sua característica. Quando a gente olha no filme o Igor Cotrim e a Simone Spoladore fazendo os personagens, a gente já imagina a história da vida pregressa deles. O jeito que a Simone olha o Igor (ou Elvis olha Madona) diz muito e, no livro, fica difícil contar isso, esse “jeito” – porque é um trabalho de ator. Então, para dar mais veracidade para os personagens, eu decidi criar uma vida para eles “antes do filme começar”… Infância, adolescência, juventude… Tudo eu que criei… “Arrumei uma cama” para os personagens, antes de iniciar a trama que filme mostra.
Alex Castro
Bem, nao vamos presumir que os leitores saibam do que estamos falando. Conta aí em linhas gerais a historia do filme.
Luiz Biajoni
Elvis é, na verdade, Elvira, que quer ser fotógrafa mas entrega pizzas em Copacabana. Ela é mineira e gay, a família a mandou para o Rio quando descobriu a orientação sexual da filha. Madona é Adailton, travesti vindo de Marechal Hermes, que sonha em montar um show de Teatro de Revista. Já fez programas, já fez pornô, trabalha num salão de beleza e guarda dinheiro obsessivamente. Até que é roubado pelo ex-cafetão, João Tripé, um funcionário do mundo do crime. Elvis vai entregar uma pizza e conhece Madona. Ficam amigas e vivem uma história de amor improvável. Basicamente, isso. O filme é uma comédia romântica que subverte o gênero, conforme alguém escreveu. O meu livro tem mais sangue e morte, está mais para o policial, embora exista o amor ali.
Alex Castro
Você disse há pouco que a trama do Elvis & Madona “cabia no seu universo” e esse é um ponto interessante: o que é o seu universo? O que define um livro, uma trama biajônica? Já existe esse estilo, essa assinatura?
Luiz Biajoni
Elvis & Madona cabia no meu “universo até agora”. Meus livros anteriores têm crime, sexo, perversões, homossexuais, travestis. Em Buceta, meu terceiro livro, o herói – ou heroína – é um travesti (acho que o primeiro senão o único da literatura brasileira). Então a trama tinha uma vibração que tinha a ver com meus outros livros. Estou escrevendo Boquete, que ainda vai por esse caminho. Mas não sei se será sempre o mesmo caminho – “meu universo” está em mutação.
Alex Castro
Gracas a deus! Se fosse um universo petrificado, calcificado, cabaçado, seria tudo muito chato! Ó, tem uma pergunta no twitter, olha só como somos mudernos. Do Darlon Silva (@candydarlon): “Por que o filme Elvis & Madona demorou tanto a entrar em cartaz comercialmente?”
Luiz Biajoni
O cinema tem esse problema, da distribuição. Tem que ter várias cópias, o exibidor tem que querer passar o seu filme, é tudo complicado… O dono do cinema vai querer passar um blockbuster americano ou um filme de amor entre um travesti e uma lésbica? Então o filme fez uma carreira de festivais para preparar o terreno. Ganhou vários prêmios, muita gente viu nos festivais do Brasil, criou um boca-a-boca que proporciou uma boa entrada do filme agora. Parece que está indo bem nas salas. Alex, todo mundo tá falando relativamente bem do filme. O direitor não quis fazer uma obra de arte, quis fazer um filme que dialoga com o público, um filme com bilheteria e tal…
“As esquinas da Barra da Tijuca”: Uma nota pessoal do Alex Castro
Como o Biajoni é um caipira do interior de São Paulo e a história se passa em Copacabana, ajudei o homem a cariocar um pouco o enredo.
Um dia, se o mundo for um lugar justo, assim como publicaram recentemente os manuscritos originais do On the road, também publicarão o primeiro rascunho do romance Elvis & Madona escrito em um hilário paulistês e minhas anotações sacaneando o Bia e trocando coxinhas por joelhos, sucarias por casas de suco, periferias por baixadas, minas por gatas (“no rio, dá pena de morte falar mina sem ser no contexto estrito de mineração”), um motel no Leblon por outro em Botafogo e, mais importante, eliminando uma hilária menção às “esquinas da Barra da Tijuca”.
Devíamos publicar uma edição limitada pela Os Vira-lata e vender por uma fortuna. Valeria a pena.
De volta à entrevista.
Boquete, a próxima obra-prima do pudico Biajoni
Alex Castro
Entao fala mais sobre o Boquete. O que pode contar? Se te conheço bem, deve ser a história de um homem sem pau.
Luiz Biajoni
Não, não. Boquete é mais pretensioso que Sexo anal e Buceta. A trama de Sexo anal se desenvolve por três meses e tem 22 personagens. O Tiago Casagrande, do extinto Verbeats, tinha escrito que eu havia reinventando a prosa rápida – achei interessante isso, aí cortei o número de personagens pela metade e botei a trama de Buceta em 3 únicos dias. A trama de Boquete, porém, vai abranger 30 anos na vida de meia dúzia de pessoas, os relacionamentos delas… É difícil escrever algo assim, você sabe…
Alex Castro
Pode ter até subtitulo: Boquete, a história de uma família! Boquete, a trajetória de uma geração!
Luiz Biajoni
Boquete – Uma novela vermelha. Vermelha por conta do sangue e de um dos protagonistas, que é ruivo… Mas… basicamente, vai tratar de um pastor evangélico gay que precisa se casar com uma virgem e escolhe a garota… Mas ela não é mais virgem e tem que fazer uma reconstituição de hímen… E ele diz que só vai transar com ela depois de casados, antes disso NADA… E ela vira a rainha do boquete na cidade. Bem, essas são as três primeiras páginas, a coisa é bem mais complexa. Tou me esforçando. e me divertindo pra caralho.
Luiz Biajoni, fale agora ou cale-se para sempre
Alex Castro
Entao vamos encerrando… O que você diria pra alguém que ainda está em duvida se vai ler ou nao seus livros?
Luiz Biajoni
Diria que meus livros são para pessoas que não são hipócritas. Se você é adulto, vacinado, sabe que existe sexo e crime e sangue e corrupção e perversão e tudo o mais, pode se divertir com meus livros. Sim, acho que os livros são divertidos mas também acho que podem fazer pensar sobre algumas coisas. E, porra, porque perder tempo lendo A cabana? Hein? Me diz?
Elvis & Madona, de Luiz Biajoni: o day after da primeira transa
Elvis & Madona, o filme, está em cartaz em cinemas por todo o Brasil. Elvis & Madona, o livro, por Luiz Biajoni, com um começo e um final totalmente diferentes, está à venda em livrarias idem.
Com vocês, meu trecho preferido, sobre o day after da primeira transa. Começa com o travesti Madona:
Madona acordou com uma sensação de nunca. Respirou fundo primeiro, quase antes de abrir os olhos. Invocou alguns santos, vasculhou a mente atrás de alguma reza braba, fez figa cerebral para que tudo aquilo que estava ali bem vívido na memória não passasse de sonho. Sim, em breve tudo se desvaneceria, aquele sonho que lhe fizera o terror e o deleite durante a madrugada. Sonho ou pesadelo? Deleite ou delírio cruel? Abriu os olhos, temor fugidio, segundo suspiro, era real! Ela estava no sofá, sem roupas e com o pau melado. O pau! Ela pensou assim mesmo: “estou com o pau melado”. Teve um susto arrepiante quando usou a palavra “pau” para tratar de seu próprio membro – há trinta anos só o chamava de “pirulitinho”!
E, agora, a lésbica Elvis:
Enquanto trotava; a câmera pendurada no pescoço, balançando; o sol batendo já na cara; os olhos ainda meio remelentos; a boca seca, sem café ou escova; os cabelos desgrenhados; os pensamentos indesejados brotando rápido, era aquilo que tinha na mente, aquilo tudo que tinha acontecido.
Ela tinha transado. Com. Um. Homem. Quer dizer, não era exatamente um homem, mas… era! Tecnicamente, era. Ela gostava de mulheres, sempre gostou, desde os doze anos quando beijou um menino e vomitou. Desde o dia quando deu carona para a Julinha, a menina mais bonita do colégio, elas tinham catorze ou quinze anos e bastou o contato dos peitos da menina nas suas costas, as pernas abertas raspando o sexo na calcinha, enquanto a mobilete trepidava pelas ruas de paralelepípedos de Poços, para que ela gozasse e quase levasse as duas para o asfalto.
E, agora, resolvida e trintona, ela tinha tido uma relação sexual com um homem. Ela tinha sido penetrada por um pau de verdade! Não era um consolo, não era um vibrador manipulado por uma gata peituda e gostosa: era um pau com um saco e um cara junto.
Para ler na casa da sua avózinha
Alguns dos livros mais clássicos e transgressores do Biajoni, como Sexo anal e Buceta, já podem ser encontrados gratuitamente pelas interwebs da vida. O homem é tão desprendido que não quer nem ganhar dinheiro. Mas não deixem de conferir Elvis & Madona nas livrarias e nos cinemas.
Falando no filme, Igor Cotrim, intérprete da Madona, um cara gente boa toda vida, também tem um blog e escreve livros.
Pra terminar, o Biajoni também tem site, blog e twitter, onde os mais afoitos (“quem tem pressa chupa cru”, já dizia minha avó) podem acompanhar o desenrolar, em tempo real, do Boquete.
Leia as obras-primas do Biajoni, de graça, agora: Sexo anal e Buceta.
Puxe uma cadeira e comente, a casa é sua. Cultivamos diálogos não-violentos, significativos e bem humorados há mais de dez anos. Para saber como fazemos, leianossa política de comentários.