“Estamos fartos de comprar coisas, não estamos? Milhões de pessoas já se desfizeram de metade das suas coisas depois de assistir “Ordem na Casa: com Marie Kondo”. Materialista virou insulto. Minimalista é elogio”
—Dawn Teh
Esta semana me deparei com um texto no Medium de Dawn Teh, que fazia o seguinte questionamento: estamos parando de valorizar o consumismo material, deixando de gastar dinheiro em coisas, pra investir em experiências. No entanto, isso faz de nós menos consumistas? Ou estaríamos apenas substituindo a forma de consumo?
Atualmente, a ideia de felicidade e realização tem mudado de cara. Se no século passado, colocava-se como prioridade a conquista de bens como carro e casa própria — símbolos de estabilidade — hoje a prioridade tem se transferido para experiências como viajar pelo mundo, ir a shows, comer em restaurantes variados.
“Viver experiências” tornou-se o caminho e o equivalente a felicidade. E, como aponta Teh, estudos mostram as pessoas tendem a fazer mais conexões interpessoais quando estão vivendo experiência, do que quando estão comprando.
Além disso, as experiências produzem mais sensação de satisfação a longo prazo, afinal, nós somos capazes de ligar nossas experiências à formação da nossa identidade de uma maneira mais significativa. Acontece que, no mundo de hoje, a valorização das experiências pode se misturar com atitudes consumistas.
A vida acelerada, somada a necessidade mostrar os momentos pelas redes sociais, dá forma a uma atitude que, assim como o consumo de bens materiais, busca um certo status através de algo que pode ser exibido.
Eu vi isso acontecer comigo de maneira muito intensa em 2015, quando passei um semestre na Universidad de Málaga — cidade natal do Picasso e do Antônio Banderas, no Sul da Espanha.
Os finais de semana lá era incríveis: Caminhar pela cidade, correr na praia, tomar café na frente do antigo teatro romano… nada me fazia mais feliz. No entanto, a pressão pelo consumismo de experiências passou a apertar meu calo (como se o sonho de privilégios que eu vivia naquele lugar não fosse o suficiente).
“Você não vai viajar pela Europa? Vai desperdiçar a oportunidade de conhecer as outras capitais? O que vai dizer quando te perguntarem porque você não foi a Berlim?”.
Ao ver inúmeros colegas fazendo mochilões, juntei um dinheiro e comprei umas promoções. Passaria 15 dias “conhecendo a Europa”, depois voltaria pra Espanha só para pegar a mala e o vôo de volta para o Brasil.
Quando eu cheguei na primeira cidade, eu corri pra tentar encontrar um voo barato de volta para Málaga. Eu não queria viajar, me arrependi de ter gasto vôos e albergues. No fundo, tudo o que eu queria era passar os últimos dias no meu quarto alugado, travando conversas rápidas e profundas com o moço da quitanda, fazendo meu próprio almoço, tomando cerveja com aqueles que eu não veria de novo.
Quando nos prestamos a viver uma experiência, em que medida as viagens, por exemplo, de fato permitem uma troca com aquele local? Será que este modo acelerado de passar de um canto a outro, correndo pra registrar clique após clique, não é também uma forma de consumo descartável?
Em outro texto do PdH, Luisa Ferreira inclusive aponta como o turismo pode ter impactos negativos no mundo.
Usei a viagem como exemplo, mas a discussão vai além. Vamos à show, festas, exposições, restaurantes, eventos culturais, comércio sustentáveis, mas, muitas vezes, fazemos tudo isso dentro da lógica de consumo. Passamos apressadamente por estas vivências, registramos, postamos e às guardamos no bolso.
Transformamos o que poderia ser experiências íntimas e pessoais em momentos "instagramáveis". O filósofo francês Gilles Lipovetsky olha para estes fenômenos recentes e diz que nós vivemos a era do “Capitalismo Artista”, da “estetização da vida”.
O consumismo de bens passa a ser visto com maus olhos, como algo que tem trazido prejuízos ao mundo. Deixamos de valorizar o consumo de massa — não se quer mais aquilo que “todos” têm — para valorizar o consumo individual — desejamos coisas que nos façam sentir “únicos”, proporcionar sensações e nos tornar pessoas melhores.
Não quero com isso criticar o gosto pelo cultural, pelo gastronômico ou pelo que é estético e, sim, convidar a refletir sobre o como estamos absorvendo estas experiências.
Teh, em seu texto, usa o psicólogo clínico Mark B. Borg Jr., para explicar que qualquer forma de satisfação que buscamos vinda de fora de nós mesmos — seja material ou experiencial — ainda é materialismo.
Estamos ostentando aquela “experiência incrível”, da mesma maneira que ostenta-se uma bolsa. —Dawn Teh
Se fui muito pessimista até aqui, me perdoem. Não foi esta minha intenção. Eu, inclusive, vejo com bons olhos todas estas mudanças: estamos mais preocupados e conscientes, queremos ser críticos e reflexivos em relação a nós mesmo.
Um caminho que pode ser trilhado, e que busca equilibrar esta relação, trazendo as experiências para um significado mais pessoal e menos materialista é se fazer algumas perguntas. Antes de ir para a nova exposição do momento, ou para o restaurante que viu nas redes sociais, pense:
- Por quê estou indo?
- Por que esta experiência é importante para mim?
- Se eu não puder postar nada sobre isso nas redes sociais, eu ainda iria?
- Sem poder postar, eu aproveitaria da mesma maneira ou de um jeito diferente?
E você? Andou pensando sobre como tem vivido ou consumido suas experiências de lazer? Quer compartilhar alguma história conosco? Nos vemos nos comentários!
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