Havia tempos que as pessoas me diziam para ler esse livro. Diziam que esse poderia ser o melhor autor brasileiro de uma nova geração que viria por aí. Mesmo assim, demorei para aceitar as sugestões e insisti em colocar outras leituras na frente.
Mas eis que algo curioso relacionado ao livro do Daniel Galera aconteceu comigo. Não sei se são as energias do cosmos que fizeram isso acontecer, mas, a história resumida é mais ou menos assim.
Estava eu trabalhando, quando minha esposa me liga, no meio da tarde, pedindo que a acompanhasse no lançamento de um livro sobre arquitetura sustentável, escrito por um professor dela. O evento seria na Livraria da Vila da Fradique Coutinho (Vila Madalena, São paulo), uma das mais antigas lojas da conhecida marca.
É claro que, prontamente, disse que, sim, iria com ela.
Ocorre que um grande amigo meu trabalhou em uma das lojas da Livraria da Vila e hoje é editor. Como conversamos bastante, assim que eu disse que iria ao lançamento de um livro lá, ele me avisou: “Procure essa minha amiga, ela é a mais antiga vendedora de livros de São Paulo. Peça a ela que lhe indique um. Você não vai se arrepender! Ela é a melhor!”.
Ao responder a ele que faria isso, na minha cabeça fiquei tentando adivinhar qual livro ela me indicaria. Passados alguns minutos, bati o martelo. Disse a mim mesmo que ela indicaria Barba ensopada de sangue.
Claro que esse foi apenas um palpite, já que nem ao menos conhecia a tal funcionária, e também não havia revelado para o meu amigo qual seria a minha escolha. Porém, assim que fiz o bendito pedido, ela olhou nos meus olhos e disse que sabia qual era o melhor livro para mim.
Ok, ok. Você deve estar pensando que o Filipe está pirando e que confundiu o texto dessa semana. Ele deveria falar de literatura e não contar uma história cujo final é altamente improvável. Onde já se viu adivinhar um livro no meio de tantos milhares? Pois é, caríssimos leitores, eu adivinhei, e ela me entregou exatamente o livro que havia pensado naquela mesma tarde.
Quando vi aquela situação, percebi que algo surreal estava acontecendo comigo. E o que fazer quando uma coisa dessas acontece? Não se pode contrariar, principalmente quando diz respeito a literatura. Então, peguei o livro nas mãos, agradeci, passei no caixa, comprei e comecei a ler no mesmo dia.
Agora vamos ao que interessa…
Realmente, o meu amigo acertou quando disse que eu não me arrependeria. Muito menos aqueles outros que passaram vários meses me indicando a leitura. O livro é muito bom.
Comparado aos grandes nomes da literatura brasileira contemporânea, Daniel Galera é relativamente novo. Com alguns títulos publicados – incluindo o álbum de quadrinhos Cachalote, que considero extraordinário, feito em parceria com Rafael Coutinho –, ele é um daqueles escritores que já conseguem produzir obras de excelente qualidade, mas que podem ser considerados ainda em formação, já que terão bastante tempo para aprimorar seu estilo e sua narrativa.
O livro conta a história de um professor de educação física, que, ao visitar seu pai, descobre as aventuras que o avô participou em Garopaba, um balneário de Santa Catarina. Lá, ele conquistou o coração de algumas donzelas e temor de quase toda a população. Gaudério era o seu nome e ele foi misteriosamente assassinado enquanto vivia na cidade.
Após contar ao filho essas e outras histórias, o pai revela que irá se matar e faz um último pedido. Que a querida cadela Beta seja sacrificada assim que ele morrer. Estranhamente, o protagonista prefere não interferir, e deixa o pai levar adiante o seu plano. Porém, uma coisa o incomoda. Ele precisa saber o que aconteceu com o avô.
Começa então uma busca para descobrir a verdade sobre as circunstâncias da morte do avô que nunca conheceu. Para isso, ele decide se mudar para Garopaba, uma localidade pouco frequentada durante o inverno. Uma vez lá, ele se estabelece, consegue um apartamento para alugar e um emprego para se sustentar. Começa a dar aula de natação na única academia das redondezas.
Barba ensopada de sangue é um livro difícil de definir. À primeira vista, parece ser de investigação, mas a complexidade da construção do personagem não permite esse simples rótulo. Além disso, é importante que seja citado o poder narrativo de Daniel Galera, que, na minha opinião, é a característica mais forte do livro.
Quando o autor pretende descrever um local ou uma situação, faz isso com muita habilidade. Dessa forma, é possível ao leitor identificar facilmente os detalhes da cena. É quase como se pudesse estar lá, vendo a cena com os próprios olhos.
Como falei alguns parágrafos atrás, Daniel Galera é um escritor novo. E prender o leitor com descrições, por vezes, longas, sem com isso tornar-se chato e tedioso, é muito difícil. Poucos autores arriscam seguir esse caminho, principalmente no atual contexto da literatura brasileira, que ou é rebuscada demais, tornando-se inacessível para o grande público, ou superficial demais. Sendo assim, os leitores brasileiros podem ficar tranquilos.
Se depender da nova geração de autores brasileiros, encabeçada pelo escritor gaúcho, muitos bons livros ainda virão por aí.
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