Fiz feijão hoje. Um dia comum na cozinha brasileira. Mas talvez estivesse inspirada. Pode ser que meu sensorial estivesse mais alerta. Ou eu estou mais sentimental mesmo. Proteína, ferro, cálcio, vitaminas, carboidratos e fibras fazem parte da composição do feijão, mas não são elas que me atraem, é muito mais do que isso.

A semente virou símbolo e está na lista de compras do mais simples barraco à mansão mais grandiosa. Mas não se ganha tanta fama assim do dia para a noite. O Brasil é o maior produtor de feijão comum do mundo. Consumimos cerca de 16,6 kg de feijão per capita por ano! Não é só mais uma questão de nutrientes. O feijão virou cultura. Enche nossas terras, trabalha o agricultor.

E ele muda de cor em cada região do país. O famoso carioca, de cor bege e com rajadas mais escuras, tem este nome por conta das calçadas no Rio de Janeiro, mas na cidade maravilhosa não é ele a tomar conta dos pratos surfistas. No rio é o feijão preto, aquele conhecido mundo afora pela nossa feijoada, o comum. Rajado, Azuki, Vermelho, Fradinho e assim por diante, são nomes a serem provados e seguimos com a grande variedade que essa espécie de grão nos dá. Até salada de feijão se come.

Hoje eu fiz feijão preto mesmo. Joguei na bancada uma quantidade e comecei a escolher e tirar os mais judiados. Enquanto fazia essa seleção rigorosa, pensei em quanta gente faz isso todos os dias nas casas de todo o Brasil. Uma manualidade que nos conecta com as outras pessoas. Um gesto que alimenta a alma, cultivando a cultura que temos desde quando viramos sociedade. Colhemos, escolhemos, cozinhamos e alimentamos o mundo assim. Dia após dia.

Deixei o feijão de molho e fui fazer minhas coisas. Passado um tempo, voltei para a cozinha e comecei a fatiar a cebola. Triste? Não apenas aquelas lágrimas que correm no rosto de quem ousa, mesmo no choro, temperar a comida. Batendo com o lado da faca direto no dente de alho, tiro facilmente sua casca e faço aquele montinho do lado das cebolas bem picadinhas.

Panela de pressão vai pro fogo. Medo e conforto, sentimentos que eu tenho ao cozinhar com esse objeto tão importante. Vamos de novo para 10.000 anos atrás, quando cozinhávamos os grãos para facilitar a digestão. Tudo mudou depois que aprendemos a colocar as coisas no fogo. Panela apita que tá com pressão. Liga o cronômetro e aguarda o tempo necessário.

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Agora sim a coisa vai ficar interessante. Aquele bacon picadinho vai na frigideira quente.

Boom! O ar ficou pesado.

Respirar aquele cheiro da gordura subindo pelas narinas dá uma fome danada. Cada vez mais a carne do porco vai ganhando cores e sabores enquanto faz o assovio da fritura. Lá vai o alho e, em seguida, a cebola. Pronto. Não há trilogia de filme que ganhe desses três. O aroma conquista nosso coração barato. Aquele cheiro é de infância, é do vizinho, é o cheiro mais brasileiro, de casa, o mais lar doce lar que se pode ter.

Pííiíííí, e os grãos estão aptos para serem desligados. Espera sair a pressão, abre a panela, tira uma gorda concha e joga na frigideira quente. Tudo começa a fazer mais sentido. Aquela amassadinha marota para criar um caldo mais grosso. Tem visita a mais em casa hoje? Coloca água nesse feijão!

Uma pitada de sal na mistura, uma colherada de pimenta, aquela folha de louro e no tempero mais ousado, tem cominho. Sabor de casa. Aquele gosto que Europa nenhuma vai te dar em passeios. O rolê nos Estates não tem essa memória. Mas dá uma andada pelo bairro por volta das onze e tanto e vê se o mesmo aroma não ronda toda a calçada.

No dia a dia, o que a gente quer é conforto. Aquele arroz soltinho se banha na calda quente e saborosa que demorou horas para ficar pronta. O casamento entre dois grãos de diferentes espécies. Une a todos na garfada pela sobrevivência em tempos que não é mais preciso coletar na natureza a comida. Um agradecimento pelo alimento que temos, um Amém da ponta da mesa e pronto. Mais um dia.

Leitura complementar

Nota do editor: deu fome? Ah, deu.

Coloco aqui três artigos do PapodeHomem pra quem precisa perder a mania maluca de não saber feijão. Perde o medo e recupera a vergonha na cara e a vontade de viver comento melhor, comendo feijão do bom.

Como fazer feijão, passo-a-passo;

Como fazer feijão sem panela de pressão;

Como fazer feijão tropeiro (o segundo melhor do mundo), passo-a-passo;

Bia Amorim

Formada em Hotelaria e pós-graduada em Gastronomia, com especialização em Sommelier de Cervejas. Está no Twitter (<a>@biasamorim</a>) e Instagram (<a href="http://instagram.com/biasommelier">@biasommelier</a>)