O maior sonho adolescente, depois que passamos da fase de querer ser jogadores de futebol, é ter uma banda de rock. A porta para conquistar as meninas mais danadinhas do colégio. Bebidas, numa época em que elas ainda não são permitidas. Na vida de um jovem, essa proposta já é, por si só, bastante tentadora. Porém, o rock pode significar bem mais do que um sonho hedonista.

As meninas na época de escola moldam o nosso caráter e os nossos anseios pro futuro

Para alguém disposto a viver os caminhos da música e formar uma banda, é possível ir muito além da mitologia típica. Existe toda uma realidade não revelada que foge de simplesmente ir lá, plugar os instrumentos, ligar os amplificadores e tocar o mais alto possível. E é sobre isso que vou falar: as lições para a vida que o rock pode dar.

Band On The Run

A maior parte do trabalho de se ter uma banda não é fazer música e nem tocar. Não sou o primeiro e provavelmente não serei o último a afirmar isso: a banda é como um casamento ou namoro. Só que, ao invés de apenas uma bela companheira, você tem um bando de marmanjos mal educados dividindo as experiências nem sempre tão divertidas do cotidiano. Claro, poderiam ser várias belas moças, mas no meu caso, não tive essa sorte.

E, numa situação tão dramática como essa, assim como ocorre em qualquer namoro, uma das melhores oportunidades para saber a qualidade da relação é quando ocorrem as discordâncias. Neste momento não muito raro na rotina de qualquer grupo de trabalho, é comum cada um defender suas idéias e pontos de vista com unhas e dentes, espinhos e esporas.

Se houver dentro do grupo a motivação de fazer um trabalho do caralho, é natural que surja uma inteligência de grupo que opera além dos indivíduos. Por isso, é importante perceber que uma crítica enquanto se constrói uma idéia não é uma crítica ao indivíduo. E, mesmo quando são direcionadas a uma determinada conduta que pode ser a causadora de algum prejuízo, isso se aplica ao contexto do trabalho e, não é, necessariamente algo que se relacione de maneira mortal e incorrigível com cada um. Faço questão de dizer isso pois só os deuses sabem a dor que sinto cada vez que alguém da banda diz que estou desafinando.

Happy Together

“A felicidade só existe se for compartilhada” (a foto é do trio “The Rat Pack”)

Foda-se. Não se pode aspirar ter uma banda se não houver uma ilusão, um sonho, de estar fazendo algo realmente divertido e isso simplesmente fazer sentido de uma maneira que não faz sentido para quem está fora. Algo literalmente infantil, adolescente, irracional. Como o bom sexo.

Sim, é preciso muita preparação. Sim, ensaios maçantes e discussões sem fim sobre se é melhor um Mi ou um Fá para encerrar aquela escalinha do final do riff da introdução. Mas, sem esse tesão cego em tocar e fazer o que se está fazendo, é muito difícil se divertir construindo o castelinho de lego que é uma música.

Então, se você possui algum projeto e enxerga uma pessoa que toque guitarra, mas que por algum motivo não consegue se desenvolver naquela função, você pode olhar para ela e reconhecer nele uma inteligência melódica mais adequada a outro instrumento, como o baixo. E criar meios, dar oportunidades àquela pessoa para se tornar um grande baixista e desenvolver suas potencialidades. Você deu a ele um sonho.

Digo isso pois é muito importante que todos vejam um sentido no trabalho, de qualquer natureza que seja. Tocar para ser famoso? Hm, não sei. Tocar para ganhar dinheiro? Não vejo muita gente satisfeita com isso por aí. Reconhecimento, de uma maneira geral, como fim em si mesmo? Não, parece que esse não é um bom motor.

Quando todos conseguem sentir essa mesma coisa, surge algo espontâneo e cheio de energia que se move por si só. Um sonho que surge na mente de uma pessoa pode ganhar vida própria e caminhar com autonomia. Pode simplesmente se desvincular desse cara que visualizou aquela cena futura e se transformar em algo coletivo e ao mesmo tempo independente. Excelente para quando surgem aqueles momentos de preguiça e você não está com muita vontade de ir ensaiar.

Communication Breakdown

Os motivos podem variar, seja por que a pessoa resolveu se dedicar mais aos estudos, a mulher não gosta da idéia de ter fãs enlouquecidas atrás do seu namorado ou por ele ter entrado numa nova religião onde o rock é o demônio, mas as chances são todas de que, mais cedo ou mais tarde, alguém decida deixar o grupo. Quando isso acontece, pode ser complicado dar continuidade ao trabalho e manter o mesmo pique.

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“O Rodolfo dos Raimundos morreu aos 27 anos” (Do ex-vocalista do Raimundos, contando à revista Rolling Stone sobre sua saída da banda)

Acho que não é muito difícil disso ocorrer em qualquer atividade de equipe. Simplesmente as coisas às vezes caminham por direções que nem sempre são aquelas que gostaríamos. E, nessas condições, é importante dar a devida liberdade a cada pessoa de sair e fazer o que achar melhor. Mesmo que seja chutar o pau da barraca e deixar o grupo.

A etapa seguinte, substituir a pessoa, pode ser mais complicada do que parece. Não é como encontrar uma pessoa que faça o que a outra fazia antes. Esse, aliás, é o primeiro passo para trazer grandes mágoas à dinâmica do trabalho. É melhor reconhecer logo de cara que ninguém vai substituir uma pessoa com quem se construiu uma história. Pessoas diferentes vão agir de maneiras diferentes, ter idéias diferentes, e eventualmente vão detestar saber que estão sendo o substituto.

Talvez, o melhor mesmo, seja trazer o substituto ao contexto da equipe com o seu mundo, suas experiências e aspirações próprias. Nada de substituições. Outra equipe, outra dinâmica. Outros resultados. Na pior das hipóteses, isso tira a responsabilidade das nossas costas quando não conseguimos executar uma linha criada por outro músico.

Do Right To Me Baby

É muito fácil cair numa busca eterna pelo perfeccionismo. É muito fácil buscar aprovação, ficar preso na necessidade de ser aceito e simplesmente não produzir coisa alguma. Muito mais importante do que ser perfeito é saber a hora de simplesmente deixar a coisa acontecer. Simplesmente agir.

Não é preciso que todos gostem da minha música, assim como eu não gosto da música de todos. A opinião de críticos, de outras bandas ou mesmo dos fãs não é o ponto central do trabalho. A unanimidade não deveria ser uma meta a ser perseguida.

Por isso, é bom evitar a obsessão por alguma tarefa. Mudar a paisagem quando começa a surgir raiva e frustração no meio do trabalho. Simplesmente deixar a coisa fluir ou não de uma maneira mais ou menos solta. Não a ponto de ser frouxa, mas o bastante para poder respirar. É melhor ter uma ação imperfeita do que uma perfeição que não passa de uma mera idéia.

Os Beatles em 68. Brigados e, ainda assim, fazendo músicas juntos

Resumindo: você nunca viu um pintor sem pintura, poeta sem poemas ou um ator que nunca encenou uma peça. Não existe músico sem música.

It’s a long way to the top if you wanna rock’n roll

Essa é a parte onde o conto de fadas deixa de existir. Não existe caminho fácil. Não existe atalho. Não existe nada daquelas baboseiras sobre groupies loucas correndo nuas pelos camarins. Até hoje, pra mim, sequer existiu um camarim!

Mas existem pequenas experiências que dão tesão. Aquelas situações aparentemente minúsculas que fazem todo o resto valer a pena. O resto a que me refiro é aquelas jornadas para buscar quilos e mais quilos de equipamento, horas e mais horas de trabalho, ouvindo a mesma música, o mesmo trecho específico até se conseguir um nível aceitável de qualidade. Quando você ouve, pela primeira vez, aquela faixa de três minutos com tudo nos respectivos lugares, é como ter um filho. Tá, eu nunca tive um filho. Mas eu imagino que seja isso.

Ainda lembro da primeira e única vez em que uma garota pediu para tirar uma foto comigo depois de um show, com brilho nos olhos, dizendo que tinha gostado muito. É impossível não pensar nesse momento, quando vê aquela felicidade se manisfestando: porra, isso vale a pena.

Hoje a Cama Vai Tremer

Eu poderia muito facilmente vir aqui, falar um monte de coisas sobre música e sair incólume. Acho que isso não seria muito honrado da minha parte. Então, talvez o mínimo que eu possa fazer é deixar uma faixa do que a minha banda, Tranze, está produzindo atualmente.

Essa é a primeira música que concluímos para o nosso disco. Foi a primeira que compusemos todos juntos, com a formação atual, utilizando esta dinâmica que descrevi acima. Ainda sem nome. Ainda uma faixa solitária. Ainda bem recente. Porém, uma canção honesta, gravada na raça, com aquele amor que reside nas pequenas coisas. Pra mim, ela é um símbolo que define boa parte do que comentei neste texto. Não poderia fazer outra coisa a não ser trazer esta demo ao conhecimento de vocês, assim, imperfeita como ela é.

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Luciano Ribeiro

Cantor, guitarrista, compositor e editor do PapodeHomem nas horas vagas. Você pode assistir no <a>Youtube</a>