No Vietnã, um soldado americano disse:

“Tivemos que destruir a vila para salvar a vila.”

Hoje, na Itália, estão se queimando obras de arte para salvar a arte.

* * *

Já aconteceu de famosas obras de arte serem sequestradas por ladrões que pedem resgate.

(Em 1961, um ladrão roubou o “Retrato do Duque de Wellington”, de Goya, e exigiu em troca que o governo parasse de pagar um imposto anual por aparelho de televisão! Ele queria que velhinhos pudessem assistir TV de graça.)

"Retrato do Duque de Wellington", de Goya
“Retrato do Duque de Wellington”, de Goya

Já aconteceu de, em épocas de crise econômica, países queimarem justo o que tem de mais precioso, em um esforço desesperado de aumentar seu valor de mercado.

(Em 1931, o Brasil, que respondia por 60% da produção de café do mundo, queimou 18 milhões de sacas do produto.)

1931: 18 milhões de sacas de café queimadas em Santos
1931: 18 milhões de sacas de café queimadas em Santos

Agora, por causa da crise européia, um museu italiano fez suas próprias obras de arte reféns… e, como não pagaram o “resgate”, elas estão sendo queimadas.

A história começa com Antonio Manfredi, diretor do Museu de Arte Contemporânea de Casoria, um subúrbio de Nápoles. Por todo país, as novas medidas de austeridade estão tendo impacto desproporcional na área de cultura, especialmente museus, especialmente museus pequenos.

Desesperado por verba, Manfredi enviou fotos do acervo do museu para diversas autoridades, entre elas o Ministro da Cultura italiano e o presidente da comissão de educação e cultura do Parlamento Europeu, com um bilhete: se não recebesse verbas, queimaria as peças uma por uma:

Isso é uma guerra. É uma revolução. É uma guerra artística para impedir a destruição da cultura.

Antonio Manfredi, diretor do museu, queimando uma pintura da artista francesa Séverine Bourguignon, em frente ao Museu de Arte Contemporânea de Casoria
Antonio Manfredi, diretor do museu, queimando uma pintura da artista francesa Séverine Bourguignon, em frente ao Museu de Arte Contemporânea de Casoria

Primeiro, o diretor queimou uma de suas próprias obras. Depois, uma pintura da francesa Séverine Bourguignon, na foto acima. Várias outras já foram queimadas. Sempre com a permissão dos artistas, que geralmente assistem tudo via Skype. Os restos carbonizados são expostos de novo museu, como um lembrete do que teve que ser feito em nome da arte.

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A pintora francesa afirmou que estava de luto. Foi muito triste ver seu trabalho ser queimado e ela esperou até o último instante que alguém interviesse.

“E agora tenho que me conformar com a ideia de nunca mais ver esse quadro de novo. Mas, pelo menos, valeu a pena para chamar atenção para o que está havendo na Itália.”

André Dahmer explica a arte moderna.
André Dahmer explica a arte moderna.

O auto-da-fé de fato chamou atenção de artistas de toda a Europa, muitos dos quais queimaram suas próprias obras em solidariedade ao museu italiano. O escultor John Brown, do País de Gales, foi um deles e disse não ter se perturbado por isso:

“Na arte contemporânea, o processo de fazer arte e a interação com o público são muito mais importantes do que salvaguardar essa arte como se fosse um objeto precioso.”

Naturalmente, performance faz parte da essência da arte moderna. O simples ato de tirar um quadro do museu, queimá-lo e então colocá-lo de volta já é em si uma obra de arte. Provavelmente, melhor e mais impactante do que os quadros originais.

Link YouTube | “Isso é guerra!” Museu italiano queima arte para se defender de cortes de verba mortais.

Alex Castro

alex castro é. por enquanto. em breve, nem isso. // esse é um texto de ficção. // veja minha <a title=quem sou eu