Vale mesmo a pena fazer mais um filme sobre a origem do Homem-Aranha?, pensei, entrando no cinema.

Resposta, duas horas e meia depois: ô se vale. Filmaço.

Mitos universais de ontem e de hoje

Não existe a verdadeira história de Aquiles, ou da Guerra de Tróia, ou de Hércules. Esses mitos, e todos os outros mitos heroicos antigos, vivem em dezenas de versões diferentes, quase sempre conflitantes. Foram pensados, sonhados e retrabalhados por diversas sociedades ao longo de vários séculos. E só se mantiveram vivos porque são importantes para nós, porque se comunicam conosco, porque nos ensinam lições importantes.

Em um editorial recentemente publicado no jornal inglês The Guardian, Tom Hiddleston (o Loki do filme “Os Vingadores“) faz uma comparação muito feliz entre os mitos antigos e nossos mitos atuais, ou seja, os super-herois:

“Os filmes de super-heróis oferecem uma mitologia moderna compartilhada e destituída de religião, por meio da qual as verdades podem ser exploradas. Em nossa sociedade cada vez mais secular, com tantos deuses e diferentes fés, os filmes de super-heróis apresentam um retrato único em que nossas esperanças, nossos sonhos e pesadelos apocalípticos compartilhados podem ser projetados.”

Então, visto por esse prisma, por que não mais uma origem do Homem-Aranha, mais uma origem do Batman?

Ele se veste como uma drag queen, mas escreve bem.
Ele se veste como uma drag queen, mas escreve bem.

A maldição da origem frouxa

Confesso: não gosto de contos de origem. Não é à toa que o segundo filme das franquias de heroi é quase sempre melhor que o primeiro: uma vez eliminada a necessidade de recontar a origem, o segundo filme pode partir direto pra aventura.

No caso de ambas as franquias do Batman e do Superhomem, do Homem de Ferro, do Aranha, pra não falar de bombas como Lanterna Verde e Demolidor, os filmes de origem são sempre muito fracos. Enquanto o primeiro Batman de Christopher Nolan tem um vilão com um plano ridículo de destruir Gotham a troco de nada, o segundo é talvez o melhor filme de super-herói. E assim por diante.

Apesar disso, o novo Aranha é o melhor conto de origem que já vi. Pela primeira vez, vemos um Peter Parker adolescente de fato, como tinha de ser. Inseguro, bobão, imaturo. (O diálogo em que marca de sair com a Gwen é simplesmente perfeito.) Aqui, o conto de origem é não apenas excelente, como também mais interessante que a parte heroica.

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O nome do filme é “O Espetacular Homem-Aranha”, mas esse certamente é o menos espetacular filme de heroi de todos os tempos — e daí sua atração. Um nome melhor teria sido “O Ordinário Peter Parker, Um Moleque como Nós”.

Peter Parker, e seus dilemas e inseguranças, sempre foi mais rico do que o Homem-Aranha em si.

O Espetacular Homem-Aranha, ilustração de Felipe Franco, exclusiva para o PapodeHomem.
O Espetacular Homem-Aranha, ilustração de Felipe Franco, exclusiva para o PapodeHomem.

Catarse e predestinação

O filme traz em si outro elemento do mito: o fato de sabermos o destino final de alguns dos personagens. Quando os antigos consumiam seus mitos, o destino dos seus heróis era conhecido: ninguém ouvia a “Ilíada” sem saber se Tróia cairia ou não. Ninguém assistia “Édipo” sem saber se ele tinha matado o pai ou não. O fato de a platéia saber mais que os personagens era parte integrante da catarse.

Para fãs dos quadrinhos, é impossível assistir esse filme sem ter sempre em mente o futuro tanto do Capitão Stacy quanto de sua filha, Gwen. Até mesmo a última frase do filme, tão marota e tão fofa, adquire um tom funesto graças a esse nosso conhecimento prévio. É a catarse já acontecendo.

Se o filme fosse exatamente igual, mas com Mary Jane ao invés de Gwen Stacy, ele seria infinitamente mais ralo, menos trágico, menos catártico.

A força do mito

Antes do novo filme do Aranha, eu achava que as franquias deviam simplesmente pular as origens e partir direto pra ação. Afinal, quem não sabe a origem do Aranha, do Batman, do Super-Homem?

Mas, agora, estou convencido: quando bem feita, a origem é onde mora todo o pathos, toda a força do mito.

Link YouTube | Trailer do filme “O Espetacular Homem-Aranha”

Alex Castro

alex castro é. por enquanto. em breve, nem isso. // esse é um texto de ficção. // veja minha <a title=quem sou eu