No poema “air and light and time and space“, Charles Bukowski apunhala todos que dizem que vão criar agora, pois finalmente a situação permite. Antes havia família, trabalho – agora tenho um escritório e manhãs livres, aquele romance que sempre quis escrever vai sair. Agora vai dar. Tenho tempo e espaço. Estou pronto.
Não funciona bem assim. Bukowski explica que, independente das condições, com ou sem tempo e espaço, se você quer criar, você criará.
É fatalmente simples.
Aaron Sorkin sabe muito bem disso. Notório ex-junkie hollywoodiano, Sorkin já teve toda a sorte de sucessos e fracassos em sua carreira. Com o tempo, tornou-se um roteirista ímpar, dono de frases e diálogos que parecem impossíveis de sequer imitar. É exaltado como um dos poucos verdadeiros autores da TV americana. Pode não ser o roteirista perfeito, muito menos o melhor, mas é mestre de sua criação.
Desde a sua primeira série, Sports Night, Sorkin cria um universo onde as pessoas trabalham, falam e erram demais. Conceitualmente, não há quase diferença alguma entre seus trabalhos. De Sports Night, passando por The West Wing e filmes como A Rede Social, até chegar em The Newsroom — que iniciou sua segunda temporada no último domingo.
É a mesma história, de pessoas que realizam um trabalho sensível e complicado em um ritmo absurdo, não raro em situações que não permitem equívocos. Pessoas que, por mais que aparentem nascidas para realizar aquelas funções, tropeçam em problemas, colegas e — principalmente — em si mesmas.
Toda a obra de Sorkin é sobre estas pessoas, é basicamente a mesma narrativa sendo escrita e re-escrita. A narrativa de como somos inteligentes e brilhantes, mas, mesmo assim, fazemos tudo errado.
Pode-se afirmar que a inteligência dos personagens de Sorkin é falsa, verborrágica e idealista. A primeira temporada de The Newsroom está cheia de momentos que corroboram esta afirmação. É difícil defender montagens musicais cafonas com Coldplay, como já aconteceu em um episódio. E qualquer jornalista vai dizer que uma redação não é nada parecida com o que a série mostra.
Ninguém discute com colegas daquele jeito, ninguém fala com o chefe daquele jeito.
Sorkin tem falhas. Enormes.
Só em The Newsroom, não consegue escrever um personagem feminino decente. Não sabe conter-se em seu idealismo exacerbado, mascarado com verborragismo desenfreado. Possui mão pesada demais na hora de defender suas posições políticas, o que sacrifica muito da qualidade emocional dos seus roteiros. Aproveita a sua criação para reescrever a história do jornalismo, um capricho megalomaníaco.
Tudo isto faz de The Newsroom uma série regular, apesar de tudo. É da HBO, é de Aaron Sorkin, tem Jeff Daniels e Jane Fonda. Mas não se resolve bem como obra. Quando assisto episódios dela, só consigo pensar em seu criador, pois somente assim consigo assistir o próximo episódio.
Não acompanho a série, acompanho o criador.
Sorkin escreve sobre uma espécie de busca, e todos os seus personagens encontram-se dentro desta procura. Muita coisa se acumula, muito se registra e muito se perde nessa maldita caça. Ele deixa claro que o importante, no final do dia, é continuar. Haverão vários empregos, amores e cidades. A única constante nisso tudo será você, e há uma escolha muito consciente a ser feita: seja cínico ou autêntico. No caso de Sorkin, sua autenticidade vem junto com falhas. Talvez na sua também.
Fadado a escrever a mesma narrativa sempre, ele é dos roteiristas e criadores que precisamos hoje em dia. Não é sobre ser o mais genial, é sobre estar pronto para criar exatamente aquilo que eu quero, da forma como eu quero. Pode dar tudo certo agora, pode dar tudo errado. Apenas continue. Cada episódio de The Newsroom te diz isso. Continue fazendo o que você acredita que tem que ser feito, da forma que você acredita.
Se é bom, ruim, genial ou qualquer outro adjetivo desses, talvez nem importe.
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