A cada novo ato birrento de um homem, papai Eastwood chora uma lágrima de desgosto.
Perdi a conta das vezes em que escutei ou disse algo parecido.
Por mais que seja bastante durão em seus filmes western spaghetti, a imagem que fazemos de Clint Eastwood é apenas isso, uma imagem. Ele não chora quando você age como um mimado e nenhum de nós sabe dizer se sua mulher não está lhe dando um torra daqueles nesse exato momento.
Dar lições baseadas em personagens de cinema é divertido pra um caralho, mas quando não surge momento em que somos retos, isso só reforça ideais fictícios de masculinidade.
Me lembro até hoje de um de um tio distante, o Gusmão. Eu tinha meus quinze anos e ele estava pra lá dos quarenta. Era, como se diz por aí, homem feito.
Gusmão havia acumulado considerável conforto ao longo da vida. Tinha “grana, filhos, esposa, amigos queridos, uma bela casa, um bom negócio e pouco do que reclamar”, palavras dele. Só tinha um problema: agia conforme seus caprichos e, se aos outros não lhe aprouvessem colaborar, que os outros se danassem e tratassem de satisfazer seus desejos.
Era sinhôzinho do mundo.
Andava no bolso com um dicionário próprio, de lá tinha riscado os verbos pedir, sugerir, esperar, ajudar, considerar, desculpar e escutar. Em seu lugar havia escrito mandar, ordenar, acelerar, delegar, impor, ensinar e repetir. Conviver com ele fazia até o mais astuto se sentir desconfortavelmente subalterno, acuado; ou sucumbia às suas vontades ou saia de perto pra evitar desgosto.
Gusmão parecia feliz assim, ponderava que tinha a seu lado somente as pessoas de real valor. Mas quem restava era somente os que não tinham saída a não ser suportá-lo, detalhe que parecia lhe escapar a exame mais atento: família, empregados e puxa-sacos com segundas intenções.
Falante e por demais articulado, tinha crença forte em si mesmo. Chegava a se convencer de que os outros se convenciam a fazer tal coisa de tal jeito, sempre demanda sua, é lógico, por livre e espontânea vontade.
Agradecia aos desejos atendidos com sorriso sereno como o de um bebê que mama às tetas da mãe.
Ao ser contrariado, agia com a naturalidade de um monarca diante de um súdito enganado com as obrigações naturalmente esperadas de sua posição, fazia calmo silêncio, aguardando como que desculpas seguidas de pronta mudança de ideia; quando não era assim, repetia seu ponto em outros termos, em tom pouco disposto a seguir na contenda.
Se por fim não fosse atendido, fechava o tempo e assim permanecia, sem jamais assumir haver conexão entre seu mal humor e o pedido negado, por longuíssimo tempo. Na maioria das vezes até que mãe, esposa ou filho lhe cortejasse com agrados.
O problema de homem feito agindo como um bezerro desmamado, seja com quinze ou sessenta e cinco anos, são os eufemismos: excêntrico, genioso, dengoso, meticuloso, sistemático.
Se a gente realmente quisesse o bem de quem gostamos invocaríamos, em poucas e necessárias ocasiões, o recurso “senta e escuta”, exatamente como fazemos com as crianças. Falar o que precisa ser dito, sem camadas de raiva, inveja, ansiedade ou receio, apenas um belíssimo filé mignon de compassiva honestidade – diante do qual qualquer sujeito minimamente interessado em ser uma pessoa melhor não faria algo diferente de escutar, agradecer e devorar as palavras endereçadas a si.
Nunca me esqueci do dia em que assisti Gusmão se debatendo com seu primeiro e adorado netinho, Astolfo. O pequeno ansiava por mais um brigadeiro e danou a espernear em frente à padaria, se jogando no chão e jurando pragas terríveis contra o avarento pai de seu pai, que logo tratou de arrematar a manha pela raiz:
“Tome jeito, moleque, que te gosto muito pra vê-lo em tamanho papelão, e aprenda algo pra carregar consigo por toda a vida: nada nesse mundo é mais triste que homem fazendo birra!”
Boa, tio Gusmão.
Puxe uma cadeira e comente, a casa é sua. Cultivamos diálogos não-violentos, significativos e bem humorados há mais de dez anos. Para saber como fazemos, leianossa política de comentários.