Há uns dias a Maria Popova publicou um pequeno artigo no seu Brain Pickings com um antigo vídeo em que Andrei Tarkovsky responde uma pergunta: “O que você gostaria de dizer às pessoas?”

É o tipo de artigo que gosto bastante – despretensioso, sem muita enrolação, recheado de boas referências. Aliás, o Brain Pickings inteiro é assim. Se você ainda não conhece, recomendo demais.

Pois bem, achei que valia a pena compartilhar este vídeo por aqui também, facilitar um pouco a vida do pessoal que não se dá tão bem com o inglês. A transcrição completa e mais fiel está abaixo:


Link YouTube

O que você gostaria de dizer às pessoas?
Eu não sei… Acho que eu gostaria de dizer apenas que as pessoas deveriam aprender a ficar sozinhas, tentar ficar com elas mesmas tanto tempo quanto possível. Acho que um dos descuidos dos jovens, hoje, é que eles tentam se encontrar em eventos que são ruidosos, quase agressivo às vezes. Este desejo de se reunirem para não ficarem sozinhos é um sintoma triste, na minha opinião. Todo mundo precisa aprender desde a infância como passar tempo consigo mesmo.
Isto não significa que deveríamos ser solitários, mas que não deveveríamos ficar entediados com nós mesmos, porque as pessoas que se entediam com sua própria companhia me parecem estar em perigo, no que diz respeito à sua auto-estima.

Gênio do cinema e russo – dois motivos de respeito

Um perigo

Pra mim, fico com esta mesma impressão. Me parece que grande parte das nossas aflições e ansiedade vem de deixarmos nosso ânimo depender tanto da presença e comportamento das circunstâncias, eventos, pessoas e coisas ao nosso redor – seja o que for: relacionamentos, emprego, família, dinheiro, religião, filosofias, visões de mundo, farofa, sexo, um e-mail, um sms, a festa de sábado, qualquer coisa vale.

Leia também  Bandido bom é bandido morto (é assim mesmo que se diz?)

É como se tivéssemos sempre algum nível, maior ou menor, de preocupação ou avidez por alguma coisa. Como se estivéssemos sempre nos engajando em relações de rebote com as coisas ao redor, uma após a outra, às voltas com medidas variadas de medo, expectativa e esperança. Porque não sabemos muito bem como relaxar e ter maior autonomia de ânimo, não suportamos a ausência de estímulos. Um perigo, uma vulnerabilidade grande demais pra deixarmos passar, penso.

E minha aposta é que, se ficamos capazes de estar bem, alegres, relaxados, sozinhos e sem depender tanto de como o mundo e as pessoas se comportam, então mesmo as nossas relações acabam ficando mais espontâneas e saudáveis, menos motivadas por carência e controle.

Um pouco de inspiração

No seu artigo, Maria Popova indica ainda este vídeo feito pela Tanya Davis e Andrea Dorfman. É um material bem bonito, poético, e, quem sabe, pode servir como um pouco de inspiração para quem achar muito difícil de engolir a ideia de ficar sozinho e bem. Quem sabe podemos fazer um teste, qualquer dia, reservar um tempo pra ficar com tudo que temos de exclusivo.

Link YouTube | Fone e tela cheia vêm bem a calhar

Em tempo, os dois temas – Tarkovsky e nossa inquietude – mereceriam artigos à parte. Este post é mais como uma menção, en passant. Se você não conhece o diretor e escritor russo, recomendo muito (Solaris talvez seja um começo menos árduo). O documentário completo, de onde foi tirado o trecho do vídeo, está aqui.

Fábio Rodrigues

<a>Artista visual</a>