Um dos grandes clichês da nossa geração, possivelmente junto com “estou atualmente me dedicando ao trabalho”, “gostava mais deles quando eram independentes” e “Garden State é o filme da minha vida” é o clássico “a internet mudou a forma como vemos o mundo”.

Se todos esses clichês têm sua cota de verdade (eu mesmo estou atualmente me dedicando mais ao trabalho, gostava mais de várias bandas quando eram independentes e sim, “I’m okay with being unimpressive. I sleep better”), não tem como negar que ok, tudo bem, nós realmente vemos o mundo de uma forma diferente por causa da internet.

Ela mudou nossa forma de pensar o trabalho, fazer compras, fruir cultura, receber informações e várias outras pequenas coisas, que vão desde como comprar uma entrada para um filme até como fazer a sua lista de presentes de casamento, passando pela nossa relação com a pornografia (sim, pode fingir que não sabe do que eu estou falando) e o uso abusivo de emoticons (pergunte ao seu tio se ele usava smileys na Olivetti dele).

“Não liga pra essa cantada dele, querido, estamos num ambiente virtual.”

Claro, junto com todas essas mudanças técnicas e operacionais, com essa revolução tecnológica, ela trouxe uma certa quantidade de experiências e situações emocionais que ainda são novas pra muitos de nós e com as quais muitas vezes não sabemos como lidar. E não, não estou falando apenas do ódio dos provedores que deixam a gente na mão, do rancor que algumas pessoas guardam por causa de um unfollow no Twitter ou da frustração quando o servidor do Xvideos caiu mês passado. São coisas um pouco diferentes.

Na internet você pode fugir, mas não pode se esconder

Uma das grandes coisas da internet é que ela nos oferece “acesso”. Acesso ao saldo da nossa conta sem precisar ir ao banco, acesso à programação do teatro sem ter que ir até ele, acesso àquele episódio de Bored to Death sem esperar que ele passe na TV. Isso é ótimo, é genial, é sensacional (e no caso do seriado até meio ilegal), mas junto com esse acesso “bacana” existe também o acesso “não tão legal assim”, um nível de perda de privacidade que sempre surge com o aumento do volume de informações disponíveis.

Afinal, se a internet te dá acesso a coisas úteis sensacionais que você não veria sem ela (estão aí o gato-batman e o Twitter do Chewbacca que não me deixam mentir), ela também – quase sempre com a ajuda das redes sociais – acaba jogando na sua cara várias coisas que você definitivamente poderia passar sem saber.

Desde aquelas fotos da sua ex-namorada de biquíni na praia com o namorado novo, que você jamais veria sem o Facebook, até as correntes de emails religiosos das suas tias, passando pelas opiniões políticas bizarras dos seus amigos no Twitter e aquele Tumblr sobre coalas que a sua irmã insiste em te linkar todos os dias. Nada disso seria possível, ao menos não dessa forma, sem a internet.

Ao mesmo tempo em que você recebe informações que não precisaria (e não gostaria) de receber, você também oferece informações suas que não necessariamente são aquelas que deveriam entrar na sua biografia oficial.

“Usuários da internet são uma corja covarde e supersticiosa”, diz o Gato-Batman.

Desde as suas empolgadas participações naquele fórum sobre pokémons (“blastoooooiseeee”) até as suas resenhas de todos os filmes do Tinto Brass, passando por aquele papo que você teve bêbado com um amigo no Twitter (“Lembra aquele dia na república em que a gente comeu pedigree champ, Marcelo?”) e aquelas suas fotos de carnaval vestido de mulher em Cabo Frio, a internet armazena um verdadeiro arsenal de provas contra você que podem ser tranquilamente localizadas apenas digitando seu nome no Google, o que, ainda que não se compare com a tentativa do seu amigo de ser mayor de um motel no Foursquare, pode gerar grandes níveis de constrangimento.

Ou seja, a rede nos oferece a chance de saber bem mais sobre as pessoas e coisas que nós conhecemos (ou não conhecemos) do que costumava ser possível, num nível de informação do qual muitos de nós nem tem consciência, além de permitir que qualquer pessoa saiba mais sobre nós e nossas coisas do que muitas vezes gostaríamos. (E se vocês digitaram meu nome no Google eu quero dizer que não, eu não sou filho do João Baldi que atuou em Ganga Bruta, ainda que o título do filme soe mesmo muito foda).

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Relacionamentos 2.0 e derivados

Assim como mudou o nosso nível de informação sobre quase tudo, a internet também mudou a forma como mediamos a nossa relação com as outras pessoas. Se antes o seu círculo de amizades era limitado pela geografia e você só podia ter contato com pessoas que moravam em outro país se entrasse no Penpal Club (e quem garante que aquelas fotos que a garota ucraniana mandou eram dela mesmo, certo?), hoje é possível conhecer e manter contato pela internet com pessoas de praticamente toda e qualquer parte do mundo com uma velocidade e praticidade impressionantes, seja com fins profissionais ou pessoais. O que é sempre ótimo, claro. Ou não necessariamente.

Desde a sensação de que, num mundo interconectado e povoado por milhões de pessoas interessantes e inter-relacionadas, até um fake do Justin Bieber tem 8000 amigos mas você continua sozinho num sábado à noite, passando por questões de etiqueta virtual básica (“Devo limpar os pés pra entrar na fazenda feliz de alguém?”) até a possibilidade de se apaixonar por uma garota vietnamita que você só conhece através de uma foto de resolução baixa, tirada de lado e na sombra (“E será que aquilo é um pomo de adão?”), são muitas as possibilidades de situações emocionalmente confusas na internet, seja num Facebook, num Twitter ou num MSN da vida e várias vezes dá pra notar que muitas pessoas não sabem lidar muito bem com isso.

“Se não fosse pela eletricidade, nós estaríamos vendo TV à luz de velas.” | Pra algumas pessoas a internet pode ser algo bem confuso de vez em quando.

Talvez porque mais do que uma simulação do mundo real com algumas opções legais a mais (pense num mundo com ctrl+z ou em que você pudesse favoritar aquela frase de começo de namoro sobre sua ela “achar absurdo mulheres que impedem o cara de sair com os amigos”, por exemplo) o mundo “virtual” se tornou um lugar com tipos próprios de relacionamentos e ligações entre as pessoas, que vão desde aquele amigo virtual com quem você fala todo dia, mas que pode na verdade ser um cachorro treinado, até aquele blog que você lê toda semana e por isso acha que conhece o autor, mas se você topar com esse cara algum dia e tratá-lo com essa intimidade toda vai parecer um maníaco.

Relações próprias, com regras próprias e que não existem no mundo externo – a não ser que você realmente ache que algum amigo seu é na verdade um cachorro treinado, o que seria bacana mas complicaria sua vida na hora de tentar um double date.

It’s the end of the world as we know it (ou são apenas bebês dançarinos?)

Ainda que isso seja outro clichê (e dos grandes), podemos ver toda essa questão da web como um mundo novo que se abre, tal qual uma chegada à Lua, só que sem andar daquele jeito engraçado.

Questões de solidão real na multidão virtual, problemas de identidade num universo em que você pode ser qualquer coisa, mudanças na dinâmica dos relacionamentos, sejam eles reais ou não, limites e filtros para as informações que queremos ter (ou queremos que as pessoas tenham), tudo isso são ajustes menos técnicos do que emocionais que vamos precisar fazer com o tempo para viver num universo tão alterado pela tecnologia. Vamos aprender novas formas de nos relacionar com as pessoas e com as informações, vamos nos adaptar a novos sentimentos e novos contextos, vamos aproveitar o potencial da tecnologia para aproximar e não distanciar mais ainda as pessoas.

Ou então, é claro, eu posso estar exagerando totalmente e a internet, ao invés de representar uma mudança no nosso modo de viver e sentir, tenha servido apenas para nos trazer esses vídeos engraçadinhos de bebês dizendo coisas bonitinhas. Não podemos descartar nenhuma possibilidade, certo?

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João Baldi Jr.

João Baldi Jr. é jornalista, roteirista iniciante e o cara que separa as brigas da turma do deixa disso. Gosta de pão de queijo, futebol, comédia romântica. Não gosta de falsidade, gente que fica parada na porta do metrô, quando molha a barra da calça na poça d'água. Escreve no (<a>www.justwrapped.me/</a>) e discute diariamente os grandes temas - pagode