O Itaim Bibi é um bairro na zona sul da cidade de São Paulo que costuma a ter suas ruas enfileiradas por carrões no sábado a noite. Algumas das vias de acesso ao bairro são gigantescos rios de gasolina que cruzam a cidade de São Paulo rumo à Zona Oeste e à Zona Norte. Estou falando das avenidas Faria Lima e 9 de Julho, respectivamente.
Frequento pouco o bairro para não ter me dado conta antes de que sair de um restaurante no Itaim Bibi em sábado, tarde da noite, e tentar pegar um táxi na Avenida 9 de Julho é expor seu corpo ao risco de uma tragédia. Não era nem domingo ainda quando os pneus urravam, as acelerações ensurdeciam e as cortadas perigosas dos motoristas em uma das principais avenidas de São Paulo rodavam na minha cabeça o filme da minha morte. Entrei no táxi ileso e, racional, constatei que devia ainda ser cedo para que as manobras que eu vi fossem coroadas com um desfecho trágico potencializado pelo álcool que os “motoristas” ainda iriam consumir pelas próximas horas.
Caminho segunda-feira em direção ao trabalho naquela região e, semana a semana, o cenário é o mesmo: espelhos de automóveis pelas calçadas, estilhaços de faróis e vidros de carros a cada esquina. Placas de sinalização de rua envergadas. Mas foi só no último mês que a mídia voltou a fazer vigília sobre barbaridades de motoristas embriagados. A cada fim de semana, um fato que sempre foi recorrente na história do país ganha os noticiários: jovens – às vezes, nem tanto – provocam desastres no volante, tiram vidas e machucam pessoas. O motivo é sempre o mesmo: direção perigosa e álcool.
Quando implementaram a Lei Seca, houve chiadeira. Vi debates de pessoas que exacerbavam seu individualismo quando expressavam sua preocupação em serem pegas dirigindo depois de terem bebido uma única taça de vinho. Eram incapazes de tentar imaginar a mudança positiva de cultura que uma lei radical pode causar na nossa sociedade. Hoje, por mais que exista a sensibilidade de que a Lei Seca afrouxou ou que ainda assim os números de morte no trânsito permaneçam os mesmos após mais de três anos de sua implementação, ela ainda rega a semente que, na época de sua promulgação, foi plantada na cabeça de todos nós: não dirija se beber, de verdade.
Fiquei com a esperança de que de uma vez por todas os brasileiros iriam pelo menos saber que beber e dirigir é errado por ser perigoso para o motorista e para a sociedade. É claro que ainda falta muito para nutrir a esperança de que, de fato, o brasileiro vai definitivamente parar de beber se for dirigir. Afinal, no nosso universo masculino, carro ainda é sinônimo de poder para muitos. Com baixa capacidade de elaborar um desenho sobre si próprio que tenha equivalência ao status do automóvel no meio social – muito pela falta de educação e cultura na nossa sociedade –, o homem brasileiro vê no carro seu passaporte instantâneo para a virilidade e robustez que quer ostentar. Por isso, deixar o carro em casa quando vai para uma balada é quase impossível: ele faz parte da conquista.
Mas me surpreendo ao me deparar com o depoimento de um jovem de 22 anos cujo raciocínio quebra a lógica antropológica da nossa sociedade:
Luan Rocha faz até pose para dizer que é importante evitar blitz, polícia, multa, apreensão e, enfim, assim poder continuar dirigindo na balada por mais ou menos embriagado que esteja. Ainda quero continuar a acreditar que esse desprezo pela vida do outro seja apenas uma exceção e que a direção embriagada seja ainda fruto do machismo e da prepotência que permanecem arraigados em nossa sociedade. Esperamos que não por muito tempo.
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