Muitos acreditam que o Afrofuturismo é uma subdivisão do Futurismo, movimento artístico e literário que surgiu em 1909, porém estão enganados. O Futurismo surgiu com a publicação do Manifesto Futurista e uma das suas principais características é a ruptura radical com o passado e a exaltação ao progresso e a revolução tecnológica, enquanto no Afrofuturismo a conexão com a ancestralidades e um traço marcante da estética cultural.

Neste texto vamos apresentar um pouco do movimento no geral e dar recomendações de diversas áreas. 

Índice do artigo:

1. O que é o Afrofuturismo
2. Afrofuturismo na Literatura
3. Afrofuturismo nas Artes Visuais

4. Afrofuturismo na Música

1. O que é o Afrofuturismo

Para identificar uma narrativa afrofuturista, o Fábio Kabral criou uma lista simplificada de 4 características necessárias: 

1.Protagonismo de personagem Negro; 
2. Narrativa negra de ficção especulativa;
3. Afrocentricidade;
4.Protagonismo de autor negro.

Sun Rá – "O espaço é o Lugar"

O Afrofuturismo surgiu na década de 60, em paralelo a cultura Beatnik, que era forte admiradora de ritmos afro-americanos. Um dos pioneiros do movimento afrofuturista foi o compositor de jazz, poeta e “filósofo cósmico” Sun Ra, apelido usado por Herman Poole Blount que mostra um dos principais tópicos do movimento: a conexão com o passado, com o místico e primitivo pois o “Sun” nada mais é do que o regente, o poder, a luz, na tradução literal “Sol” e “Rá” é o Deus da mitologia egípcia que representa o astro rei. O artista faleceu em 1993.

"Afrofuturismo é sonhar um futuro em que as pessoas negras estejam vivas" – Quando der, coloca o fone e assista esse TedX da Nátaly Neri.

Apenas em 1994 o Afrofuturismo tornou-se de fato um movimento cultural, graças ao escritor americano Mark Dery, que trouxe para um ensaio batizado ”Black To The Future: ficção científica e cybercultura do século XX a serviço de uma apropriação imaginária da experiência e da identidade negra” a definição da estética futurista afro. 

Este fato é considerado como o início do Afrofuturismo como conhecemos hoje, e daí datam tantos outros acontecimentos, pois além de ser um movimento artístico e estético também é um movimento cultural, social e político, cuja produção promove o encontro entre ficção científica, tecnologia, realismo fantástico, ancestralidade, mitologia e diáspora africana negra.

Suas narrativas podem ser encontradas na música, nas artes plásticas, na literatura, nos quadrinhos, na moda, no cinema e dizem respeito a uma visão de valorização para a população negra.

Para recuperar valores dos povos africanos e dos filhos da diáspora historicamente deturpados, esquecidos ou roubados como a ancestralidade, a mitologia, os conhecimentos tecnológicos e científicos, projetando futuros para a população afrodescendente no contexto dos avanços tecnológicos e inserir a estética negra no que é considerado moderno, belo e desejável.

Segundo o Dossiê publicado pelo Géledes, a estética do afrofuturismo envolvem estes elementos:

– Referências ao misticismo, primitivo e a mitologia africana:
– Roupas sobrepostas, alongadas e com várias camadas:
– Elementos com mood Sci-Fi:
– Cabelos descoloridos (e coloridos)
– Metais acoplados ao visual

E aqui no Brasil?

No Brasil, o movimento ganhou força nos últimos cinco anos, sua visibilidade ocorreu por meio da arte e aos poucos está se popularizando e ganhando adeptos na construção de novas vertentes com o olhar afrocentrado não só nas artes mas também na produção acadêmica. 

O álbum da cantora Ellen Oléria, Afrofuturista (2016), leva o movimento no nome e une instrumentos eletrônicos à ancestralidade do samba, dos atabaques e do forró.

O ator Ícaro Silva levou a estética sci-fi para os palcos no musical Ícaro and the Black Stars, o espetáculo, é uma viagem temporal onde numa nave espacial o comandante Ícaro aterrissa em diferentes cantos e épocas da História, apresentando ao público grandes estrelas negras.

 

Os livros O Caçador Cibernético da Rua Treze (2017) e A Cientista Guerreira do Facão Furioso (2019), do escritor Fábio Kabral, tornaram-se referência da literatura afrofuturista brasileira. 

O primeiro conta a história de João Arolê, um ciborgue caçador de espíritos malignos em uma cidade repleta de carros voadores e elementos da mitologia iorubá. 

E no segundo livro, Jamila Olabamiji é uma jovem cientista que passa a ser perseguida após descobrir superpoderes e desenvolver uma invenção revolucionária, as ilustrações das obras de Kabral ficam por conta de Rodrigo Candido (@Candido_art) transforma em arte visual o imaginário do autor. 

Em 2019 publiquei de forma independente o livro Alágbára: o sonho, a história trata da criação de um mundo fantástico, onde um ser supremo chamado AGBÁIYE faz o universo junto de seu filho ÀIYÉ. Este, por sua vez, se expande e cria o mundo como conhecemos: homens, mulheres, sol, mar, ar, enfim… a nossa concepção de vida. Todos os nomes próprios deste livro são em iorubá, esse é um livro ilustrado por Isaac Santos (@isaacsantosilustra), que com muita sensibilidade deu vida aos personagens desse mundo de fantasia. 

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Outros artistas desse movimentos que devem ser citados são: Vanessa Ferreira (@pretailustra), com desenhos bem humorados, ela ilustra o cotidiano das mulheres pretas e cria ilustrações de mulheres fortes, autossuficientes, delicadas e poderosas.

Lucas Lima (@lucas1limas) e Lucas Oliveira (@luketa_luketa) tem trabalhos marcantes e icônicos com cores fortes e representatividade como marca, ambos mostraram seus trabalhos na Perifacon 2019, evento de comic con itinerante que acontece em São Paulo.

Também em São Paulo, no Bairro da Brasilândia, no ano passado foi criada a editora Kitembo – Edições Literárias do Futuro (@kitembo_literatura), os criadores Israel Neto, Anderson Lima e Aisameque Nguengue, afim de estimular a leitura na região, iniciaram o projeto e escolheram o afrofuturismo como atrativo para alcançar seus objetivos.

A editora começa com dois títulos publicados, "Os planos secretos do regime" que traz uma trama vivida no Brasil do final dos anos 1960 e "Amor banto em terras brasileiras" que é uma romance que se passa na época da escravatura.

O afrofuturismo no Brasil ainda causa divergência, uns defendem que para uma obra ser considerada Afrofuturista existe a necessidade de conter elementos da ficção científica, tendo em vista que Sun Ra teve como maior motivação nesta criação dar uma resposta de forma artística, política e cultural aos criadores de ficção científica dos anos 1960 que criavam futuros com ausência total de negros. 

Outros defendem a presença das 4 características do movimento, também argumentando com base na ideologia original, porém não se apegam à obrigatoriedade do elemento Sci-Fi numa obra que vislumbra um futuro com estética, ancestralidade e presença viva negra, levando em consideração o encontro, a sobrevivência, as estratégias para existência de um futurologia como tecnologias.

O certo é que o afrofuturismo é uma realidade, que está crescendo e tomando grandes proporções, seja com blockbusters como Pantera Negra (Herói Marvel), seja personificada em artistas de alcance Global como Beyoncé em sua atitude e posicionamento políticos, vestuário, músicas e militância pelas causas negras, ou em plataformas como Afropunk, a valorização da estética negra e o vislumbre de um futuro próspero é real, palpável e próximo.

Beyoncé vestida de Robô numa super representação de Afrofuturismo.

Como escreve Fabio Kabral “Muito mais que uma estética da moda, Afrofuturismo é, acima de tudo, o poder nas nossas próprias mãos” (dahora de mais). 

2. Referências na Literatura

A página LasPretas juntou os grandes nomes da literatuda afrofuturista. Lá eles contam um pouco da história de cada escritor e aqui a gente traz o compilado de nomes para vocês:

3. Referências nas Artes Visuais

Cantora Janelle Moáne que incorpora o visual afrofuturismo em muitos dos seus trabalhos

4. Afrofuturismo na Música

As manifestações do afrofuturismo na música brasileira já começam a despontar ainda que discretamente. Ele é caracterizado por mesclar os ritmos tradicionais africanos com alguns recursos da música eletrônica e sintetizada. 

O Social Shortland fez um texto trazendo os músicos brasileiros que tem aderido ao movimento.

Como já falamos lá em cima no texto, a Ellen Oléria é uma delas. Outro nome é Naná Vasconcelos. O músico que faleceu em 2016, contribuiu para o movimento desde os anos 1970 e chegou a ganhar 8 Grammys.

 

O site ainda cita o BNegão como um militante do Afrofuturismo e ainda vale acrescentar os trabalhos mais recentes de Elza Soares.

 

Gostaram das indicações? Quem vocês acrescentariam ao nosso dossiê afrofuturista?

 

Henrique André

Nascido em SP, Henrique, passou sua infância e juventude em Petrolina, PE. Retornou a SP em 1990, onde reside até hoje. É pesquisador musical, fomentador e consumidor de artes. Henrique é um contador de histórias, das que viveu e das que sonha viver. Em 2014 publicou Memórias de Lembranças esquecidas: Poesias