Quando as luzes se acenderam as pessoas já haviam parado de aplaudir, e os créditos já haviam subido.
Estávamos na exibição de A Suprema Felicidade, de Arnaldo Jabor, que abria o Festival do Rio e marcava a volta do diretor às telas depois de vinte anos.
Infiltrado entre os fodões do cinema brasileiro
Jabor estava sentado na terceira fileira. Na hora em que as luzes se acenderam, ele olhou pra trás e viu o mesmo que eu: algumas pessoas chorando – não de tristeza, mas de emoção. Casais se abraçando e centenas de sorrisos sinceros, de alegria. Pela expressão dele, ele estava satisfeito com o resultado.
A clara impressão que tive pela sua reação foi que ele não quis fazer um filme que fizesse as pessoas saírem do cinema comentando o quanto ele é bom e o quanto o filme é genial, como algumas pessoas achavam que faria, mas sim um filme que fizesse as pessoas saírem do cinema pensando nas suas próprias vidas, nas suas escolhas, na felicidade.
E posso garantir sem titubear: ele conseguiu.
Quando um especialista em uma arte realiza uma obra, todos esperamos uma obra prima. Quando ouvi que Arnaldo Jabor ia voltar à direção depois de vinte anos e centenas de colunas sobre cinema, pensei logo que estava por vir mais uma obra que iria pelo menos tentar revolucionar. Tentar mostrar pra todos que ele não sabe só falar como é, mas que ele sabe fazer, que subvertesse como que conhecemos como cinema. Nada mais distante da verdade.
O que vi foi um filme sincero, cuja maior pretensão era nos fazer pensar na felicidade e – ao melhor estilo dos textos que ele não escreveu mas que vivemos recebendo por email – nos fazer acreditar que podemos, sim, ser felizes afinal de contas.
Realidades paralelas, vampiros, animações 3D?
O filme conta a história de uma família que tenta ser feliz. Longa sinopse, né? Simplesmente isso. Numa época de filmes com sonhos, realidades paralelas, vampiros, anjos e guerras, Jabor nos mostra simplesmente uma família que tenta ser feliz.
É impossível não notar, pelas referências tão particulares, que o filme tem algo de autobiográfico. Assuntos pesados como homossexualismo, padres atraídos por meninos e prostituição são mostrados sem afetação e com bom humor, sem a vontade de chocar simplesmente pelo choque, como é tão comum no cinema hoje em dia.
Paulo, filho de um piloto da aeronáutica frustrado por ter sido impedido de ser piloto de caça e uma dona de casa infeliz por ser proibida pelo marido de trabalhar, é o protagonista da trama, que o mostra crescendo e vivendo conflitos e paixões típicas de um menino normal. Nesta família conturbada, o avô de Paulo, Noel, é um boêmio otimista inveterado que aconselha e conversa com o menino sobre as coisas mais difíceis em seu crescimento, como amor, felicidade, sexo e outros assuntos.
Arnaldo Jabor mostra, com este filme, que bom cinema não precisa ser afetado. Não precisa ser inatingível e cheio de masturbações de estilo por parte do diretor. Jabor se diverte na direção e diverte o público. A Suprema Felicidade é um filme que nos faz parar para pensar o tempo todo, incluindo os momentos pós-créditos.
De volta ao meu filme
Enquanto andava na rua em direção ao meu carro, procurando as chaves no bolso e afrouxando a gravata, eu ia assoviando uma música da trilha do filme, pensando sobre a felicidade, pensando em chegar em casa, beijar minha namorada, escrever um bocado e ser feliz. E pela reação das pessoas andando na rua, abraçando suas esposas e filhos, sorrindo e pensando na vida, eu não fui exceção.
Se um dia eu escrever um filme, não quero críticas positivas e elogios bajuladores. Quero exatamente isso: que as pessoas saiam do cinema sorrindo, emocionadas, refletindo, querendo chegar em casa e beijar suas esposas e, o mais importante, um pouco mais felizes do que quando entraram.
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