"Quando paro pra pensar na cena em que um palhaço percebe alguns pelos diferentes no rosto, imagino ele se olhando no espelho e ficando de ponta cabeça. Ele quer ver se depois de algumas horas a barba some ou vai para o lugar do cabelo."

Essa cena foi rapidamente imaginada pelo Gustavo Ferreira, amigo meu e um menino de 20 anos que faz parte do Programa de Formação de palhaço para Jovens do Doutores da Alegria. Papo vai e papo vem, a alusão ao clown surgiu naturalmente enquanto falávamos das lembranças dos primeiros pelos na cara.

Claro, se lembrarmos daqueles anos em que o espelho começava a mostrar uns pelos diferentes surgindo na cara, nos vêm automaticamente o misto de vergonha, orgulho, dúvida e, por que não, a noção de nos acharmos um pouco “palhaços”.

Esse é o Gustavo

Comigo foi assim. Perto dos 16, as costeletas começaram a descer mais do que o normal, mas eu demorei a perceber a assimetria. Um belo dia, em uma turma de amigos que não perdoa, um deles me lança: “tá virando homenzinho, Danilo”. Pois é. Além da vergonha, percebi que naquele momento nascia em mim (um projeto de) barba. Não fiz muito alarde em casa, peguei um prestobarba convencional, passei sabonete e raspei as danadas das costeletas (que provavelmente devem ter ficado meio tortas) e uns sete ou oito pelos que nasciam perto da maçã do rosto. Nessa época, eu jamais poderia imaginar que hoje seria da turma dos barbudos e que não esqueceria dessa fase.

Já o Gustavo não queria que a barba dele nascesse. “Era estranho olhar os outros garotos que tinham idades próximas à minha e já estavam começando a ter a barba, ou aquele primeiro bigode”. Hoje ele ri, mas nessa época pensava em andar com uma lâmina na bolsa, para, quando surgisse o momento, pudesse sumir com qualquer barba que brotasse. Meses depois, ele não escapou do ciclo natural da vida. Começou a sentir o rosto “sujo” e, para não parecer “nem um pouco com integrantes do Los Hermanos ou nenhum tio”, resolveu raspar pela primeira vez:

“Eu tinha que parecer forte, afinal estava tirando a barba. Minha mãe acabou abrindo a porta do banheiro e me perguntou o porquê de eu estar fazendo tanta pose. Eu, desmontado depois disso, pedi para ela me respeitar e que ela nunca entenderia aquele momento”.

O Gu confessou que, pudera a mãe o repreender, já que ele estava com vários pingos de sangue pelo pescoço.

Expectativas e realidades

Dramas à parte – e aqui uma dica para nossos filhos(?) –, a primeira barba costuma aparecer entre os 15 e 19 anos, dependendo muito da genética. Quem deu a letra foi o Rafael Rabello do Prado, barbeiro há seis anos e que trabalha no Mattos Barber Shop, uma tradicional barbearia do bairro paulistano de Perdizes. Ele, que fez cursos no Senac e na Teruya, orientou os mais novinhos de que o correto ao raspar os primeiros indícios de barba é usar a tradicional lâmina ou um aparelho de barbear e tentar respeitar o sentido do pelo. Convêm também, ao melhor estilo Esqueceram de Mim, usar creme de barbear e loção pós-barba.

A BBC londrina mantém um site muito bacana, o BBC Advice, que ajuda jovens com respostas de profissionais a dúvidas básicas que inevitavelmente todos tivemos/temos na nessa fase complexa da vida. Sobre a primeira barba os profissionais ingleses indicam o barbear com lâmina – método que pode ser feito em casa, como disse o Rafael  anteriormente. Nesse caso, é pra tirar tudo e deixar a cara bem lisinha. 

O barbeador elétrico – se você não tem tanta habilidade operando objetos cortantes, esse é tecnicamente mais fácil –  nivela os pelos para os que já querem cultivar a barba e ajuda controlar o chumaço que cresce no começo de modo meio desenfreados. O bom é que causa menos arranhões.   

Já a navalha, que também atende muito bem ao serviço, é indicada para uso profissional. Ela é bem precisa, mas deixemos a tradição nas mãos de quem sabe efetivamente manusear a ferramenta.

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Para o caso do meu amigo Gustavo, por exemplo, que se cortou um pouco nas primeiras vezes, é imprescindível que a lâmina ou a navalha estejam bem limpinhas e que se use bastante espuma. Do mais, resta-nos aperfeiçoar o barbear ao longo da vida. Um cortinho ou outro sempre rola, não tem jeito, por isso o uso da loção pós-barba não pode ser encarado como luxo.   

Mas, em meio a toda técnica, convenhamos: que bom que as primeiras barbas não se resumem ao simples fato de “raspar a cara no sentido certo dos pelos”. É inegável que esse momento também representa um rito de passagem da cara lisinha mais infantil para um rosto mais severo de homem adulto. Fora as lembranças desencadeadas:

“Eu ainda não tinha [barba] e, sempre que meu pai ia fazer a dele, eu corria para o banheiro para assistir. Achava a coisa mais bonita do mundo ver aquela espuma sobre o rosto sendo removida por uma espécie de ‘rodinho’ que deslizava lentamente. Meu saudoso pai me olhava e claramente notava minha agonia de vontade de fazer a barba, mas meu rosto lisinho, sem um pelinho sequer.

Até que, em uma das vezes, ele calmamente pegou a espuma do pincel e passou no meu rosto. Para remover, me deu parte de um pregador de roupa, como se fosse a lâmina. Mas lembro bem o que ele me disse: ‘hoje você ainda não tem, mas quando tiver e ver que tem que fazer sempre, verá que é uma encheção de saco”.

E, de fato, é um pouco chato.

O relato é do José Antonio Moraes, 46 anos, que preserva um cavanhaque bem desenhado há décadas. Pai de três amigas minhas, lamenta apenas não ter tido um filho homem para viver a experiência que teve quando criança: “Vai ficar para o neto”.

Esse é o José Antônio

Outro atual barbudo, o Diogo Ribeiro, um publicitário de 33 anos, mantém um “projeto barba” desde a faculdade, mas lembrou que, quando entrou em férias da oitava série, deixou pela primeira vez um cavanhaque crescer porque era o que o pai usava:

“Lembro de ficar com aquele famoso bigodinho e dos moleques da escola me zoando. Foi quando meu pai me ensinou a fazer a barba com lâmina e espuma”.

Engraçado é que, para esse relato, eu tentei falar com diversos adolescentes (sobrinhos e filhos de amigos e amigas) que provavelmente estão vivenciando as primeiras experiências. Os retornos foram os melhores: “na moral, não dá, tia” ou  “meu irmão até poderia falar, Dan, mas ele é tímido e ainda não percebeu, ou não comentou com a gente, que ele já tem um bigode fininho começando a escurecer”.

Atire o primeiro jato de espuma de barbear o homem que, nessa fase, não se pegou na frente do espelho com um balão de diálogo imaginário se questionando: “como vai ser isso aqui daqui uns anos?”

Que a gente jamais esqueça que a barba que cultivamos hoje começou com todo o aprendizado que tivemos com as primeiras barbas.

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Danilo Gonçalves

Um cara alegre e gosta de ser lembrado assim. Jornalista de formação, com um pé na publicidade, gosta de Novos Baianos, Doces Bárbaros e Beatles. Já gostou de Calypso e como todo gay que se preze, é fã da Beyonce.