Mal abri os olhos e lá estava o aviso taxativo de quem eu era. Mulher. Uma identidade imposta.

Desde então, uma vida gerenciando impressões: da menina doce à mulher compreensiva; da criança que brincava com a boneca, a louça de plástico e o ferrinho de passar à adulta que tem de conquistar o combo de sucesso "marido, filhos e casa própria"; da estudante que sempre era vista na biblioteca, entre fichamentos apaixonados e leituras diárias, à profissional lançada a um mercado de trabalho canibal, em que as diferenças salariais relacionadas a gênero e etnia continuam discrepantes — para mesmos cargos, por exemplo, homens seguem ganhando 30% a mais do que mulheres. Isso tudo, claro, sem poder largar mão da sensibilidade.

Esses traços associados à feminilidade são mais construções culturais que imposições da natureza — são papeis sociais de gênero, a forma como a sociedade espera que uma pessoa se comporte pelo fato de pertencer a determinado sexo.

Mesmo sendo impossível equiparar a opressão sofrida por homens à sofrida pelas mulheres, eles também são atormentados por rígidas regras comportamentais. "Não chora que assim você parece uma mulherzinha", "Olha a viadagem!", "Senta que nem homem", "Vai largar tudo pra fazer o que gosta? Mas como vai sustentar a família?".

Existe uma receita cultural de como um menino e um homem devem ser, agir, sentir e falar — e esse código de conduta que rege o comportamento masculino é combustível histórico do machismo.

Pra quem não conhece, aqui um artigo didático apresentando o que seria masculinidade tóxica e porque criticar tais aspectos não significa criticar os homens e o masculino como um todo. Pelo contrário, a conversa aqui é sobre como jogar luz nas qualidades positivas da masculinidade.

A supervalorização de determinadas características físicas e culturais é, na prática, a crença de que homens são superiores às mulheres. A igualdade de gênero vem na contramão dessa convenção tão errônea. Quer o básico, o justo, o óbvio: direitos iguais para homens e mulheres.

A equidade deve ser discutida e praticada. Mas e aí, chamamos os homens para a conversa?

Uma pesquisa nacional realizada pela ONU Mulheres, PapodeHomem e viabilizada pelo Grupo Boticário procurou entender como os homens podem participar desse diálogo. A conclusão é fruto de uma investigação profunda, realizada em parceria com Questto|Nó e a Zooma.

Mais de um ano de trabalho, três estados brasileiros percorridos, 20 mil pessoas ouvidas — entre especialistas, institutos, pessoas, empresas e grupos de discussão — e resultados que vêm para jogar luz à questão.

Algumas informações não são de todo desconhecidas, mas agora, chanceladas pelo estudo, deixam de ser corriqueiras e naturalmente aceitas e passam aos centros de debate. Um exemplo? Durante a pesquisa, a maioria dos homens assumiu já terem aumentado uma história para serem aceitos.

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O problema aqui não é aquela mentirinha despretensiosa que todo mundo conta de vez em quando, sabe? É o padrão, a repetição, que faz com que um homem só seja acolhido e respeitado na roda de amigos quando compartilha aquele nude da mina que está pegando.

Nessa cultura de "história de pescador", a caixa de comportamentos esperados do gênero ganha contornos perigosos: homem que é homem tem de estar sempre no controle, tem de ser forte, corajoso, fisicamente apto, sexualmente experiente.

Essas e outras prisões culturais geram tensões e perpetuam condutas que não beneficiam nem homens, muito menos mulheres. Não há vencedor quando o campo de batalha é o machismo.

Aposto que você, homem que me lê, já deixou de abraçar carinhosamente aquele amigo por medo de ser chamado de gay. E você não está sozinho: 56% dos homens ouvidos pelo estudo gostariam de ter uma relação mais próxima com os amigos, mas não o fazem para não serem julgados. 

A coisa não muda de figura quando a pauta é aparência: 77% dos entrevistados se preocupam com o visual, mas não falam do assunto. Não se sentem confortáveis, não veem espaço para isso.

Vê a importância de desconstruirmos essa masculinidade tóxica?

Tais papéis tão engessados e errados perpetuam o machismo e marcam a vida de homens heterossexuais, homossexuais, transexuais, negros, pardos e brancos . Desconstruir a masculinidade tóxica é buscar liberdade, é permitir que homens possam fazer outras escolhas sem que isso ameace a sua condição de homem.

Para desconstruir o machismo é preciso começar desconstruindo os estereótipos de gênero e, para isso, precisamos entender como homens e mulheres são "construídos socialmente". Um dos aprendizados mais lindos desse estudo está aí: ajudar os homens a refletirem sobre essa construção é uma forma de aproximá-los do debate sobre igualdade de gêneros. No campo da igualdade de gênero, aí sim, o placar só aponta para o ganha-ganha.

Conheça o infográfico completo da pesquisa!

Todo o conhecimento e dados coletados estão, agora, disponíveis para o público em dois formatos:

 

Mecenas: Grupo Boticário

O Grupo Boticário acredita que homens e mulheres são igualmente capazes, inclusive, de fazer a diferença. Suas diferenças se complementam e devem ser respeitadas.

Juntos, contribuem para resultados mais harmônicos, por meio da diversidade de abordagens e pensamentos. Acreditamos nas atitudes positivas que têm poder de transformar a sociedade. É por isso que nos envolvemos em iniciativas como o estudo “Precisamos falar com os homens?” e que assinamos os Princípios de Empoderamento das Mulheres.

E, aqui, deixamos um convite. Vamos, juntos, em busca desse mundo mais justo e equilibrado. Vamos rever papéis, conceitos e atitudes que já não nos servem mais. Vamos transformar realidades e construir um mundo novo.

Gabrielle Estevans

Gabrielle Estevans é jornalista, editora de conteúdo e coordenadora de projetos com propósito. Certa feita, enamorou-se pela palavra inefável. Desde então, também mantém uma lista de pequenas coisinhas indizíveis.