Sabe, aqui perto tem uma livraria que abriga um pequeno mas delicioso café. O ritual das tardes ensolaradas era comer o bolo de cenoura com calda de chocolate da Zaccara em grupo, antes de responder os últimos e-mails do dia.
Eis que semana passada a geladeira se encheu das cores – tinha kiwi, manga, carambola e banana. Arroz integral nas marmitas, mandioquinha nos por quilo da vida. Pipoca no fim da tarde só se for de panela e feita com pouco óleo.
Não foi por brincadeira que duas de nossas práticas para começar 2016 com o pé direito sugeriam uma transformação no modo como nos relacionamos com a comida. Teve sorvete e cachorro quente, mas também está tendo um esforço coletivo pra que as marmitas sejam uma nova oportunidade de passarmos tempo juntos e pra que não haja relação de culpa em alimentar-se.
Pois parece que não somos os únicos – há algum tempo já se especula a possibilidade de que a geração nascida entre 1982 e 2001, ou millennials, esteja mudando as referências de alimentação. Queremos, sim, conveniência, mas estamos dispostos a pagar pouco mais e se locomover distâncias maiores por opções mais saudáveis.
O próprio modelo de supermercados e industrialização do preparo dos alimentos está em xeque não só pelo produto, mas também pelo processo de embalagem e inevitável desperdício de comida decorrente dele. Afinal, num mundo com famílias cada vez menores, as embalagens do pão de forma podem não mais fazer sentido para alguém além das próprias fabricantes, que têm parte de seus produtos jogado no lixo aos fins de todas as semanas.
Ainda assim, caiu como surpresa a boa reportagem que o jornal O Estado de S.Paulo soltou na última sexta-feira na qual afirma que a gradual mudança de hábitos dos millennials está acabando com a indústria alimentícia.
O argumento foi corroborado por dados sobre a Kellog Company, fabricante do popular e açucarado Sucrilhos, entre outros, que sofreu queda de 2% nas vendas de 2014. E mais supreendentes ainda são os resultados da Kraft Foods, que amargou queda de nada mais, nada menos do que 62% nos lucros de 2014 – ela é dona de marcas famosíssimas como Heinz e Philadelphia.
Também já havíamos lido também os artigos sobre o limbo do McDonald’s, que poderia até ser momentaneamente atribuído ao burburinho gerado pelas denúncias sobre a condição de trabalho de seus funcionários não fossem constantes as notícias das reduções trimestrais de seu lucro.
Que o jogo não está fácil pra nenhuma delas já é fato estabelecido. A pergunta que fica, agora, é pelo quê elas serão substituídas e, se não forem, de que forma se reinventarão.
As tentativas já começaram, pelo menos nas prateleiras dos supermercados aqui do Brasil. Se você der uma olhada nas categorias de pães, bolachas e cereais da maioria deles, vai achar versões fit de qualquer produto. Eu diria que já foi a era do 0% gordura e que a bola da vez é a farinha integral dominar a composição do produto – afinal, tudo bem eu comer biscoito desde que ele não seja de chocolate e farinha enriquecida com ácido fólico, mas sim de cacau e avelã com farinha de arroz.
As quantidades altíssimas de sódio, açúcar e adoçante e baixíssimas de proteínas e fibras alimentares escondidas nos rótulos são geralmente neglicenciadas em favor da conveniência de virem cuidadosamente embaladas em unidades individuais pra levar na bolsa.
Será que estamos trocando seis por meia dúzia? Fato é que em meio à cultura da comida pronta, o desafio mesmo é por a mão na massa e aprender a cozinhar – e eu não estou falando de fazer o brigadeiro de caipirinha que apareceu em forma de vídeo na sua timeline, mas botar o feijão na panela de pressão e fatiar uma abobrinha pra refogar no alho.
De qualquer forma, a reportagem traz dados que não podem senão encorajar os promissores de começo de ano. A redução do lucro dos fabricantes de alimentos altamente processados não é só uma pressão no sentido da melhora da qualidade de seus produtos, mas é também um portal de oportunidades pra diferentes tipos de consumo – alimentos veganos, preparados na hora, crus e até orgânicos.
Esse último mercado vem crescendo tanto no Brasil quanto lá fora. Nos Estados Unidos, a estimativa de 2013 era de que crescesse 14% ao ano no período compreendido entre 2014-2018, mesmo num país no qual 34,3% das crianças e adolescentes obtém uma porção significativa de suas calorias diárias pelo fast food.
O mercado vegano também cresce, especialmente porque não é restrito à alimentação mas também à indústria têxtil e cosmética.
Alternativas estão surgindo, e basta que façamos o árduo trabalho de reeducar paladares e cérebros para dar continuidade ao legado millenial. Que possamos, aqui desse lado, continuar comendo o bolo da Zaccara em tardes ensolaradas sem culpa, desde que o arroz integral esteja nas marmitas todos os dias.
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