Festa, farra, folia. Nenhuma dessas palavras condizem com o seu humor nessa época do ano.
O ziriguidum não agrada, multidões não te apetecem, você criou uma mania estranha de beber sozinho em casa e se embriagar em praça pública soa infantil e desnecessário. Claro, há os que não gostam do carnaval, que não possuem o requebrado dentro de si, que não acompanha a empolgação, a catarse tropical.
Problema nenhum. Existem pessoas e pessoas.
Ficar em casa e pensar na vida. Tirar o atraso dos livros, fazer uma faxina, jogar videogame, chamar uns amigos para fazer algo indoor. Temos uma lista de cinco filmes que são muito bons e afastam de vez qualquer vontade dos balangandãs. São cinco películas que, cada uma a sua maneira, retira o espectador de qualquer clima carnavalesco e enfia reflexões maravilhosas e complexas na cabeça.
Sábado, domingo, segunda, terça e quarta-feira. Um filme por dia.
Blue Valentine
O nome que deram aqui, Namorados para Sempre, está longe de representar o que o filme consegue passar. A tradução seria, mais livremente, “dia dos namorados triste”.
O amor surge e agarra e acaricia e é delicioso, ah, como é delicioso. Até você se ver emplastrado de ódio e cutucadas das mais certeiras e a dor se instala e dói e dói. Digo, o filme é lindo e muito bem montado, mas se engana quem vai encontrar açúcar e afeto, como diria o Chico.
A primeira reação, juntando isso tudo à fórmula do carnaval, seria sair correndo para os bailes para tirar esse ranço do amor, esse melaço de agonia. Mas, enquanto a chave vai entrando na fechadura da porta, já com a peruca mal colocada na cabeça, há a lembrança de que, se encontrar um amor no meio da festa, a coisa pode ficar preta.
Pronto. Primeiro dia em casa.
Amor
Você vai assistir a esse filme que se passa quase que por completo dentro de um apartamento, uma obra francesa com dois atores velhos e de talento sobrado. Ele é lindo e pesado e provocante, duas pessoas que estão no limiar de suas vidas, levando juntos, tocando juntos. Eles se conhecem como ninguém e tentam como ninguém. A continuidade.
É uma película bela de morrer, uma trilha sonora macia, aquela coisa europeia de contemplação e melancolia. Esse filme vai te deixar tão imerso em pensamentos sobre a vida que não vai haver cabeça para carnaval.
12 Anos de Escravidão
Que filme. Que filme!
O diretor inglês Steve McQueen acertou mais uma vez e, agora, ainda mais em cheio. 12 Anos de Escravidão é bem construído, vai direto ao ponto, sai um pouco do formato de se contar uma história de época e de se apropriar de um tema com toneladas de sentimentalidades e usar isso como recurso romântico (não amoroso).
A história é crua e incômoda e visceral e a violência é física e psicológica e chega a bater na alma, se é que — depois de ver do que somos capazes — algum dia tivemos uma.
Vale lembrar que essa história é baseada na vida real do americano Solomon Northup. Vale lembrar também que ele era só um dentre muitos, mas muitos que tiveram destinos tão ou mais pesados quanto esse.
Começa a puxar pela cabeça e vai passar o dia todo remoendo isso. E te digo que é uma reflexão por demais necessária.
Oldboy
Porque um dia a gente tinha que parar de chorar. Mas não quer dizer que o sol vai voltar a brilhar.
Não, claro que esse não é um texto fadado a depressão (não considero nenhum dos filmes anteriores como depressivos, mas dotados de reflexões menos fantasiadas), mas o contexto é fugir da euforia e mergulhar em proveitos que o pensamento pode nos proporcionar.
Oldboy é o clássico filme que enche a cabeça de ideias e faz rever dezenas de conceitos.
Tudo isso em uma história que manda bala na ação e pancadaria e aquilo tudo que faz da sétima arte, algo incrível.
Oldboy é clássico.
Lavoura Arcaica
Um dos melhores filmes nacionais já feitos e adaptado do romance lindíssimo do escritor paulista Raduan Nassar. Tem o Selton Mello e uma atuação bem foda do Raul Cortez, em um de seus últimos trabalhos.
O Lavoura Arcaica é doce, delicado, as palavras são escolhidas a dedo e perfeitamente encaixadas nas frases para tornar a audição cada vez mais gostosa. É um filme extremamente sensorial e você vê coisas lindas enquanto escuta a narração derramando palavras deliciosas. É gostoso demais, mesmo tendo um tema bem pesado por trás.
Porque até o mais arredio ao carnaval merece sua redenção depois de dias e filmes tão densos. A quarta de cinzas termina leve, em calmaria.
Aos que assistirem a esses filmes, me contem aqui embaixo como foi. Quem quiser, claro, pode botar mais filmes aqui nos comentários.
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