A sociedade sempre foi dividida entre os que acreditam em uma entidade divina e aqueles que não. A proporção entre os dois grupos no Ocidente sempre foi muito grande, com o primeiro sendo a maioria esmagadora até meados do século XV. Com a chegada do Renascimento e sem o perigo de terminar na fogueira por conta da Inquisição, a elite pensante quis aplicar a racionalidade em todos os aspectos do homem, inclusive nas crenças religiosas. A partir daí, o número de ateus começou a crescer.

Contudo, a “crença” ateísta não evoluiu muito com o passar do tempo. Se ser ateu é não acreditar na existência de um deus, a maioria passa simplesmente a criticar as crenças daqueles que acreditam. Isso é fácil de fazer: pegar um sistema complexo, com milhares de anos de existência, encontrar uma falha na base do sistema (ou pensar que encontrou) e desmerecer todo o resto.

Se você parar para pensar, as religiões estão por aí há bastante tempo. Bastante mesmo. Nelas, há mais do que apenas crença num ser divino superior. É um conjunto de costumes e tradições que vêm se acumulando há muitas gerações. Simplesmente assumir que está tudo errado e não repousar um olhar mais atento à complexidade dessas crenças é cometer o crime do reducionismo.

Baseado nessa linha de pensamento, o filósofo Alain de Botton sugere, em uma palestra do TED, o nascimento de uma nova versão do ateísmo – o que ele chama de Ateu 2.0. Esse novo perfil de descrente vai além da mesmice de negar, negar, negar. Ele estuda as religiões e tenta entender o que tudo aquilo pode ensinar.

Abaixo, discuto quatro pontos que extraí do que ele falou.

Link TED | Um homem que propõe uma “religião para ateus” merece seus 20 minutos no TED

1. A religião educa melhor

As instituições de ensino, principalmente as Universidades, partem do pressuposto que somos seres humanos adultos e independentes, que precisamos apenas de informação e dados. Isso se reflete no modo de ensino: geralmente um conceito é estudado uma vez na sala, cobrado uma vez na prova e pronto, o sistema acredita que os alunos vão saber aquilo para o resto da vida. Errado.

As religiões, por outro lado, partem de um pressuposto bem diferente: elas nos enxergam como seres humanos com fraquezas, necessidades, sofrimentos, dúvidas etc. Isso se reflete na forma como as coisas nos são ensinadas: repetição. Sim, você vai à Igreja e ouve o mesmo sermão várias e várias vezes. A religião nos vê como seres que precisam ser educados (e não como máquinas de aprendizado) e, para isso, a repetição é fundamental.

Note que, de fato, as pessoas que realmente se dedicam ao estudo religioso, padres, pastores, monges, aprendem muito bem. Eu fico me perguntando como não vi nenhuma pesquisa de grande porte para investigar esse aprendizado.

“Este panfleto está em branco.” “Nós somos ateístas.”

2. Nós não somos apenas cérebros, somos também corpos

Nossa sociedade é muito racional. Inspirada pela filosofia dos gregos antigos, há um culto muito forte da racionalidade. Mas, a verdade é que somos um conjunto formado por corpo e mente; focar em apenas uma das partes não nos leva muito longe. As religiões parecem entender isso.

Por exemplo, há a importância da pureza na cultura judaica. Eles não apenas citam isso em sermões ou em livros escritos, há rituais em torno da ideia. Se você for a uma comunidade judaica ortodoxa, toda sexta-feira haverá um mikveh, no qual as pessoas se submergem na água, relacionando a ideia de purificação.

Leia também  Comentários e conselhos que você não deve dar aos pais de uma criança | Vida de Pai #11

Uma ação física reforça uma ideia filosófica.

3. O uso didático da arte

Há a ideia de que artistas são pessoas de “outro mundo”, que vivem em bolhas pessoais e cujo processo de criação artística é algo que foge à compreensão humana. Há um consentimento geral que obras de artes são feitas não para serem compreendidas, mas sim para abrir espaço a várias interpretações. Por isso, a sensação mais comum quando você entra em um museu é de incompreensão.

Com essa abordagem da arte, perdemos a possibilidade de utilizá-la para fins didáticos. E isso a religião faz muito bem. Ao entrar em um igreja ou catedral, por exemplo, você vê que as imagens são quase autoexplicativas.

Se você pensar, os grandes artistas cristão foram propagandistas de seus ideais, como Rembrandt. E não há nada de errado nisso. A arte, em todas as suas formas (pintura, escultura, escrita etc), deve também servir a objetivos humanos e não apesar considerar-se um fim em si mesma.

Pietá, por Michelangelo

Legal olhar para um escultura e entender o que ela signifca. Um alô para os artistas contemporâneos.

4. Nós precisamos nos unir

Em outras palavras, você não vai mudar o mundo sozinho. Não é publicando um livro sozinho, ou protestando sozinho, ou xingando no Twitter sozinho. Por mais que uma pessoa possa fazer só, nunca será o suficiente. É preciso arrastar massas para mudar o status quo. Disso a religião entende muito bem.

Você pode não concordar com o motivo que os juntou, mas ver, por exemplo, 5 milhões de pessoas juntas em uma marcha, só em São Paulo, é algo grandioso.

“Então, ateus, deus não existe, nem fantasmas, nem coisas sobrenaturais? Ok, vamos seguir adiante. Isso não é o fim, mas simplesmente o começo de tudo.” – Alain de Bottom

Se você não acredita em uma religão, você não precisa negar o “pacote inteiro”. Você não precisa escolher entre uma vida religiosa, ritualística e uma vida atéia e isolada. Você pode fazer uma mistura, pegar o que achar de melhor em cada crença.

Há muita gente que não acredita na doutrina, mas gosta dos rituais. Por exemplo, não é Cristão, mas gosta do feriado e do clima do Natal. Ou é budista, mas curte visitar um bar Mitzvah. Seu posicionamento como ateu não te restringe a negar todas as crenças, mas te dá a liberdade de visitar todas elas e colher (ou pelo menos absorver enquanto conhecimento) aquilo que curte e vê sentido.

Eu já fui o tipo de ateu chato, que gostava de debater por nada. Eu achava divertido. Hoje, vejo qual o ponto disso. Se o outro acredita ou não em um deus, qual o sentido? O que você realmente deveria estar procurando? O objetivo final é se conectar com as pessoas. Então, leia a Bíblia, o Alcorão, os Mandalas… quanto mais você souber, mais mundos você poderá visitar, e mais pessoas você poderá conhecer.

Paulo Ribeiro

Marido, escritor e estrategista da <a>In Loco Media</a>. Escreve sobre filosofia e crescimento pessoal sem mimimi no portal <a href="http://estrategistas.com/">Estrategistas</a> e tem uma lista de <a href="http://estrategistas.com/recomendacoes-de-leitura/">recomendações de leituras</a> para mais de 8 mil pessoas. Levanta peso do chão e está aprendendo data science do zero no <a href="https://medium.com/data-noob/chegou-a-hora-de-aprender-ci%C3%AAncia-dos-dados-32441ab8de58">Data Noob</a>."