Não foi até domingo de manhã, às 9h08, que caiu a ficha de que eu estava acompanhando a Corrida do Milhão. Ali daquele camarote, eu olhava de cima toda a preparação dos boxes, um mar de gente treinada para levar adiante um evento em que tudo tem que dar certo.
A pista estava muito quente, o sol em Goiânia judiando e as equipes sem parar um segundo, um formigueiro colorido em torno de carros e pneus.
Na hora da prova, pensei que talvez eu devesse ter levado minhas antigas apostilas de física e afins – fui ser jornalista e, que loucura, trombei com a engenharia no caminho. E que baita encontro! Acabei por descobrir 31 coisas incríveis sobre a Stock Car:
1. 36 anos correndo
A modalidade de automobilismo Stock Car Brasil foi criada em 1979. A inspiração é estadunidense – foi lá que a coisa começou mesmo.
2. Várias equipes, um só carro
Quem faz o melhor carro? E se eu te disser que todos os possantes e peças são fabricados pela mesma empresa, JL? O resto? Tudo patrocínio.
3. Os motores são sorteados
Não, as equipes não adquirem os motores como propriedade privada, bem intransferível. As peças voltam para a fabricante após cada temporada e, ao início da próxima, são re-sorteadas entre elas.
4. E são testados fora do carro
Cada equipe recebe dois motores. Ambos só são testados conjuntos ao carro durante os dois treinos no autódromo da corrida. A potência que desempenharão e a harmonia com as outras peças é incerta até a sexta-feira, quando rola o primeiro teste.
5. E importados da Alemanha
De onde também vêm os câmbios e engrenagens.
6. Não há reserva de câmbio
Conversei com Rodrigo, mecânico da equipe do Rubinho. Ele explicou que não há reserva de câmbio porque a peça não quebra. O que pode dar problemas são as engrenagens, que podem ser substituídas no pit stop.
7. Montanha de borracha
A categoria consome aproximadamente 3,5 mil pneus por ano!
8. E pirâmide de gente
Em todas as etapas da Stock Car há 11 pessoas dedicadas exclusivamente ao trabalho com os pneus. Isso fora os profissionais de cada equipe. São pessoas que dão apoio técnico nas provas, entre elas o inglês Jonathan Wells, responsável da engenharia e parte técnica nas pistas.
9. Rodas perpendiculares ao chão não são boa ideia
Um dos ajustes mais importantes a serem feitos é chamada cambagem das rodas. Elas são anguladas em diferentes graus para que não fiquem perpendiculares ao chão e o desgaste não ocorra sempre na mesma faixa de borracha. Isso ajuda a preservar as boas condições da peça e evita que ela se torne chapada – quando se forma uma superfície plana no material.
10. Cheiro de pneu novo
Cada equipe gasta, normalmente, dois jogos de pneus novos por corrida. O primeiro é colocado pra corrida classificatória, que determina a posição de largada dos carros, e é o mesmo usado na corrida. O jogo pode ser trocado durante os pit stops.
Por etapa, cada carro pode comprar 2 jogos novos e utilizar 2 jogos de pneus usados slick, apenas. A compra e utilização dos pneus de chuva é livre.
11. Então há oito novos em cada box?
Não. Há dois tipos de pneus usados na Stock Car. Um é o chamado slick, usado em pista seca, que é completamente liso e favorece a velocidade do carro em pista. Há também o pneu de chuva, que tem relevos com uma milimetragem mínima – quando atingida, a peça fica “careca”, e precisa ser trocada. Cada equipe tem dois jogos de cada tipo.
12. Por que eles não usam o slick na chuva pra correr mais?
Slick na pista molhada pode ocasionar derrapagens. Além de perigosas, elas podem fazer o piloto perder tempo, já que a cada desvio ele precisa retomar o controle do carro e voltar para a pista.
Os pneus slick são fabricados na Romênia e importados exclusivamente para categoria. Os pneus de chuva tem origem turca.
13. Mas eu posso usar o de chuva na pista seca, né?
Trocar um slick por um pneu de chuva indevidamente pode reduzir a velocidade do carro, obrigando o piloto a levar mais tempo por volta.
14. Um pneu pode esquentar. Muito.
A temperatura média a que a peça chega durante uma corrida é 120ºC. Os engenheiros de cada equipe fazem medições com uma sonda específica a cada parada no pit stop.
15. Mas e se não esquentar?
Se os pneus estiverem muito frios, podem não dar aderência suficiente à pista, abrindo possibilidades para derrapagens. Essa era uma preocupação das equipes na Corrida do Milhão – como o combustível era limitado, não podiam gastá-lo dando voltas para aquecer o pneu. É por isso que, às 10h00, haviam muitos deles tomando um solzinho sob o céu de Goiânia – criatividade das equipes.
Mas tudo com equilíbrio. Se esquentar demais, eles podem se desgastar mais rapidamente. Afinal, boa parte de sua composição é borracha, mas…
16. Não só borracha
Os pneus usados na Stock Car são compostos de 33 diferentes elementos. Um dos principais é o ‘negro de fumo’, responsável por dar a liga da coisa e tingí-lo de preto (é, a borracha não é naturalmente preta).
17. Agora já posso comprar um carro destes pra mim, né?
Claro. Se você puder pagar.
A verba anual de um carro da Stock Car gira em torno de R$ 2 milhões. A grana vem do patrocinador da equipe…
18. E a maioria são farmacêuticas
Isso porque seu modelo de negócio se beneficia desse tipo de patrocínio. Os convites para corridas, jantares com pilotos, camarotes vip e voltas nos super carros rendem motivações e prêmios para seus funcionários e revendedores que batem metas, além de cortesias para clientes fidelizados. E o tempo de exibição da marca nas telas é bem maior que nas propagandas convencionais.
19. São elas que pagam o salário dos pilotos…
…que pode ser uma grana preta ou não. Profissionais renomados e com muitas vitórias podem chegar a tirar alguns milhões por ano. Alguns outros não recebem nada além do patrocínio da estrutura, só investem trabalho.
20. Além do que já investiram pra aprender a correr
A maioria deles começou no kart. O gasto médio mensal com o esporte é de mais ou menos R$ 15 mil.
Alguns ganham o carrinho. É o caso de Antonio Pizzonia – ele me disse que começou aos nove anos, quando o sócio do pai lhe deu um kart.
21. E a dedicação é dia e noite…
… como no caso de Rubens Barrichello. O cara pode não ter subido no pódio dessa vez, mas foi o campeão da corrida no ano passado. É tão dedicado que dorme no hometruck da equipe, no próprio autódromo, pra treinar pela manhã e correr na pista.
22. Não são só homens na parada
Nesta temporada da Stock Car, Bia Figueiredo era a pilota por lá. Ela também começou no kart, aos oito anos, e essa foi a sua segunda vez competindo na categoria.
23. Cada um deles precisa de um preparador físico
Conversei com o pole position Marcos Gomes e ele me contou que faz um treino específico pra automobilismo na academia, que pega mais ombros, pescoço e punho. Ele também corre a pé e anda de bicicleta.
Denão, o preparador da equipe de Cacá Bueno e Daniel Serra, abriu também que não tem balada na noite anterior – o horário de dormir dos pilotos é controlado, assim como a alimentação.
24. A preparação física é importante pra aguentar a temperatura do carro
E ela pode chegar a 65ºC na parte interna, onde senta o piloto.
25. Mas o macacão é especialmente preparado pro calor
Por dentro, eles são cheios de “supertrilhas” – estruturas nas quais circula água gelada. Além disso, diferentes peças têm diferentes números de camadas, que podem ser mais ou menos isolantes de calor.
26. O público é mais variado do que você imagina
As arquibancadas e camarotes, longe do que podemos esperar, não são totalmente preenchidas por homens. Se só tem uma mulher em pista, há um grande número delas assistindo às corridas, torcendo. E também dando voltas rápidas nos carros, como eu fiz!
27. Inclusive na faixa etária
Não são só quarentões e pais de família que acordam cedo no domingo. Jovens e adolescentes também lotam o evento e, sim, muitas crianças! Elas estavam em peso nos camarotes, lindinhas, em cima de cadeiras e debruçadas nas janelas, ansiosas por verem Rubinho passar.
28. Só pilotos, mecânicos e engenheiros?
Não. Além da própria equipe de imprensa, há muito mais gente trabalhando. Tem porteiro, cozinheiro, garçom e até negócios lá dentro. Há um restaurante e também churrasquinho.
29. E as recepcionistas…
…que trabalham. E muito.
Conversei com Luciana e Carita. Elas davam as boas-vindas ao pessoal de um dos camarotes e me contaram que não são contratadas da marca, nem da Stock Car.
São ligadas à uma agência que presta serviço às empresas, e o trabalho é eventual. De segunda a sexta, Carita é secretária na Fundação da Polícia Militar e Luciana é representante de vendas de uma multinacional alemã.
30. Dar um rolê num carro daqueles deveria entrar na sua Bucket List
Falo bem sério quando digo que posso ser um pouco medrosa, mas que o meu medo maior é de me arrepender de coisas que eu deixei de fazer. Aposto que tenha sido esse medo inverso que me fez entrar num dos carros pra uma volta rápida na pista, carro batendo 200km/h.
Saí do carro com uma sensação incrível da adrenalina, que curou minha dor de cabeça de sol na moleira.
Só o que peço é que os vídeos nunca sejam divulgados.
31. O prêmio é só o nó que ata todo o processo
Ele tem início no começo do ano, lá pra março, e é muito maior que uma corrida. As equipes são grandes e dedicadas, e seu trabalho não acaba ali. A essa altura já devem estar em Cascavel (PR), remontando toda a estrutura.
Thiago Camilo foi o vencedor dessa etapa e deu 60% do valor pra equipe. O prêmio pode significar a superação de uma péssima última fase, um aprimoramento do trabalho do time, melhores oportunidades de patrocínio, possíveis caminhos para outras corridas.
É, mais do que isso, o resultado de um trabalho cooperativo. A alegria de construir algo junto.
Mecenas: Pirelli
A Corrida do Milhão é uma das etapas da Stock Car, e a Pirelli acompanha todo esse trajeto como patrocinadora e fornecedora oficial de pneus, não só dessa modalidade, mas de praticamente todas as competições de motorsport no Brasil e da F1 no mundo.
Nós fomos, à convite deles, até Goiânia para assisti à Corrida do Milhão para entender a importância dos pneus em uma corrida desse porte. Entendemos que potência não é nada sem controle.
Conheça mais sobre a Pirelli lá no site deles.
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