Eu gastei uma boa parte do meu tempo nesse mundo jogando joguinhos diversos e praticando esportes de fim de semana. Joguei muita coisa pra videogame e PC, principalmente, mas dediquei um tempo razoável a jogos de tabuleiro e cartas.
Há quem diga que é perda de tempo, e é verdade: não é exatamente um tipo de atividade produtiva, principalmente na conotação mais capitalista do termo. Poderia ter usado esse tempo para estudar alguma coisa ou fazer algo de útil por mim ou pelos outros.Por outro lado, é uma das coisas que trouxe uma felicidade enorme pra mim e para os meus parceiros de jogo, por algum motivo que eu até hoje não consegui entender direito.
Para não dizer que tudo foi tudo passatempo e distração barata, aprendi algumas coisinhas com todas essas horas de atividades lúdicas.
Eis os meus dois cents sobre o assunto:
1. Noções de estatística
Quando eu era moleque no colégio, tinha dificuldade de fazer os exercícios de genética e de análise combinatória, porque não entendia muito bem essa coisa abstrata e astrológica que é a probabilidade de eventos acontecerem ou não. Vivia errando as contas pra saber a probabilidade de uma prole ter genes recessivos e outros exercícios na mesma vibe. Eu me virava razoavelmente bem com álgebra e um pouco menos com geometria, mas a estatística era sempre o meu ponto fraco.
Isso durou até o dia em que meus amigos me apresentaram ao Magic. Aquele jogo de cartas no qual você precisava construir seu próprio baralho? lembram? Pois é.
Eu pirei com o jogo. Só que os meus primeiros jogos eram verdadeiros desastres, e eu sempre perdia. Insatisfeito, fui tentar descobrir qual era a mágica (sem trocadilhos, por favor) dos meus amigos, que viviam ganhando o jogo
Todo mundo me falava para copiar baralhos prontos dos campeões de torneio. Funcionava, mas era um caminho que eu achava bem besta. Eu queria montar minhas próprias estratégias do meu jeito.
Não faltava matéria em jornal e revista de grande circulação falando do Magic na época, pois era modinha (note: não havia internet). Num desses textos eu li algumas coisas sobre a matemática por trás do jogo: quantas cartas de cada tipo precisava ter, qual o custo de cada uma delas e, o mais importante, como criar um baralho que te ajudasse mesmo quando você não sabia qual era a próxima carta a ser comprada.
Basicamente, o apelo do Magic era ser uma mistura de xadrez e poker, que era um jogo que eu só tinha ouvido falar por alto até então.
Foi aí que estatística e probabilidade começaram a fazer sentido pra mim, e foi quando eu comecei a jogar melhor.
Só depois de velho que eu fui apresentado ao poker, mas eu já entendia algumas estratégias básicas envolvendo trocas de cartas na base da estatística. Comecei a entender quando e como que os jogadores compravam cartas e como montavam a estratégia de sessões inteiras de jogo, dessas que viram a noite.
Já manjava um pouco de blefe, mas isso é assunto para outro ponto.
2. DPS
Uma vez eu estava conversando com um amigo sobre esses jogos nos quais se monta personagem. Sabe esses jogos no qual você escolhe a raça do personagem, a classe, a profissão, a especialização e onde vai cada atributo? Pois é.
Novamente eu estava tendo problemas para montar um personagem que não morresse o tempo todo. Ele me falou uma grande verdade, que roubou um pouco da magia do jogo. Suas palavras foram:
“DPS é tudo que importa.”
DPS, pra quem não sabe, é a sigla de Damage per Second (dano por segundo), e denota o quanto que o seu personagem consegue bater em um dado intervalo de tempo. Quanto maior esse valor, mais a barrinha do chefe diminui a cada porrada.
Ele me explicou que DPS alto se traduz em lutas mais rápidas. Lutas rápidas significa que você dá menos tempo para os inimigos retaliarem e menos tempo para você ficar exposto.
Com o tempo eu fui entender essa verdade. Em qualquer jogo competitivo, tudo gira em torno desse output, seja criando maneiras de fazer mais e melhor que os rivais ou dar um jeito de solapar o output alheio.
Pode chamar de dano, de gol, de cesta ou de lucro líquido. DPS é o santo graal dos generais e executivos. É disso que se trata uma estratégia eficiente.
É por isso que quem não faz, leva, e o ataque é a melhor defesa.
3. Ritmo de jogo
Lá pelos dez anos de idade, tive curiosidade em aprender xadrez, e pedi pro meu avô me ensinar a jogar. Ele não sabia, mas me deu de presente um livro sobre xadrez.
Logo no primeiro capítulo, aprendi que as peças brancas é que começam com a iniciativa, e as pretas precisam jogar de acordo, tentando se aproveitar das oportunidades criadas pelas brancas para virar o jogo.
Num jogo, sempre tem aquele que está conduzindo o jogo, agindo de forma assertiva e impondo suas condições, e aqueles que estão sendo conduzidos, agindo de forma reativa e jogando dentro do que é proposto ou imposto. É quase uma espécie de dança.
Entender isso profundamente é uma das marcas dos grandes jogadores, que sabem reconhecer quando eles tem a iniciativa da jogada e quando é a vez deles de jogar de acordo.
Confundir as duas situações costuma ser um caminho rápido para a derrota, e virar o jogo ao seu favor requer uma compreensão muito clara da própria situação.
4. Metajogo
Eu fui ouvir dessa expressão pela primeira vez na época do Magic, lendo sobre algum torneio. Basicamente, metajogo denota o conhecimento de jogo que está para além do jogo, ou o conhecimento prévio das estratégias de jogo dos oponentes.
Durante um torneio, cada jogador ou equipe precisará enfrentar um determinado número de oponentes diferentes e vencer todos eles para se tornar campeão. Isso implica em se expor a estratégias completamente diferentes e saber se adaptar a cada uma delas. Novamente, a analogia com a dança é válida.
Conhecimento prévio não é garantia de nada, mas é impensável jogar no escuro quando se trata de alguma competição mais séria e de alta performance – bota aí a final da Copa do Mundo, a final do The Voice, o concurso da Receita Federal e o vestibular.
Saber quem serão seus oponentes e quais os termos da disputa muda o jogo. Em parte, foi isso que Sun Tzu quis dizer quando falou sobre o general conhecer a si mesmo e aos seus oponentes.
5. Treino, expertise e experiência
Se o metajogo é o que ajuda fora dos jogos, é o treino que ajuda quando a partida começa.
Não adianta de nada ter conhecimento prévio se ele não vem de forma natural e intuitiva quando solicitado. E o expertise só vem depois de ficar imerso dinâmicas daquela bolha, praticando e entendendo o que se passa durante um bom tempo.
Quando surge uma situação nova, é preciso agir. Você precisa saber agir de acordo, da forma mais rápida e eficiente possível. Não dá é para ficar travado e nem catando milho, tentando lembrar os conselhos dos técnico ou do guia de estratégia.
O fato é que horas de prática diligente fazem diferença. É só nos filmes que o ator, em uma sequência de cenas de cinco minutos, vai de ser humano comum a finalista de torneio de boxe.
6. Estratégia
Uma vez iniciado o jogo, é preciso ter uma ideia muito clara do que se deve fazer e do que não se deve fazer em hipótese alguma. Dos limites dessa visão estratégica, nascem as táticas e jogadas.
Reitero a palavra limites, porque toda estratégia as tem: nenhuma delas é absolutamente perfeita ou infalível. Para cada visão de jogo, existem umas duas ou três feitas exatamente como contramedida.
Sabe o pedra, papel e tesoura? É tipo isso.
Dominar a estratégia implica em saber seus limites, suas idiossincrasias e seus potenciais. E saber que, ainda que ela tenha limites, agir dentro dela é melhor do que agir sem saber o que se quer fazer. É a diferença entre jogar aberto, mantendo a mente de principiante, e ficar patinando no jogo, sem qualquer ideia do que fazer.
Resumindo, há de se escolher um caminho e agir de forma coerente nele.
7. O imponderável e a escassez de informações
Essa eu aprendi jogando buraco e sueca na faculdade.
O motivo é simples: jogos como o xadrez, em teoria, tem o jogo aberto para qualquer um ver. Jogos de carta, entretanto, esfregam na nossa cara que não temos todas as informações sobre nossos oponentes, visto que não podemos ver as cartas em sua mão.
Não é fácil lidar com isso.
Especular sobre a mente alheia é um processo complicado e insano. Precisamos de várias pistas para ter uma noção vaga do que o outro pensa, sem qualquer certeza ou garantia de nada. Às vezes é a expressão no rosto do jogador. Outras vezes são suas jogadas. Em outras, conhecemos bem nossos rivais e especulamos que eles vão se comportar de forma habitual. Freqüentemente, apostamos mal e damos um tiro no próprio pé.
Repare que isso vale não só para oponentes, mas para companheiros de equipe. O sujeito está lá na frente esperando um cruzamento e você, lá atrás, esperando alguém para fazer um passe, cada um esperando que o outro se comporte de maneira diferente.
Ainda assim, não temos escolha. Jogar sozinho, voltado para si mesmo e ignorando o que os outros podem fazer (ou já estão fazendo) pode colocar o jogo em risco.
Nesse aspecto, comunicação e sensibilidade são essenciais.
8. Línguas
Faço parte de uma geração que cresceu imersa em jogos de videogame, RPGs, CCGs e jogos de computador. Diferente das gerações anteriores, que passavam mais tempo engajadas em uma cultura pop feita de televisão, cinema, bandas de rock e quadrinhos (para fazer um resumo bem grosseiro), a galera dos vinte e tantos e trinta e poucos passou boa parte dos seus anos de formação engajada nesses joguinhos.
Ora, somente há pouquíssimo tempo que estes mercados começaram a ser disputados por empresas e produtos brasileiros – o mercado de games brasileiros não existia até bem pouco tempo atrás, e os únicos jogos de mesa tínhamos eram os clássicos de sempre: War (o nosso Risk), Banco Imobiliário (o nosso Monopoly), Detetive, (o nosso Clue), etc.
Destes produzidos no Brasil, era ainda mais raro encontrar algo traduzido. Resultado: quem quisesse jogar alguma coisa, tinha que aprender o idioma do jogo (que quase sempre era o inglês).
Eu lembro de algumas épocas em que eu jogava com o dicionário de inglês-português do lado do computador ou do videogame. Assim, se o jogo fosse mais complicadinho ou tivesse muita história para contar, eu não ficava rendido quando recebia alguma missão com palavras mais cabeludas.
Eu aprendia duas vezes na verdade, porque depois tinha que explicar tudo para os meus amigos. Mais tarde, com a internet, foi a vez de trocar ideia com os outros jogadores via chat de jogo ou pelos fóruns – e bem mais tarde foi a vez de fazer tudo isso falando ao vivo e em tempo real, por VoiP.
O que nos leva ao ponto seguinte.
9. Fair play
Essa eu aprendi com as redes de jogos online, cheias de jogadores tóxicos.
Não lembro quando foi a primeira vez que eu vi alguém (incluindo eu) se irritar durante ou após um jogo por qualquer motivo besta e resolver descontar nos outros. Só sei que tão cedo não verei a última, já que essa situação é muito comum: jogadores sendo aberta e intencionalmente escrotos com os outros, a ponto de tornar a partida inviável e estragar a experiência de jogo alheia.
Podem ser coisas pequenas como jogadas ou estratégias concebidas exclusivamente para estragar a diversão dos outros a coisas mais sérias como bullying, discursos de ódio, ameaças e agressões.
E aí o jogo perde o seu sentido de ser vira uma disputa de quem fica na situação mais miserável primeiro.
Isso acontece inclusive dentro das próprias equipes de jogo, quase sempre com o objetivo de tentar melhorar o nível da galera. O resultado é, quase sempre o solapamento do moral do time. É difícil cooperar com quem quer te foder. Quando essa situação se instala e se alastra, as chances de fazer um jogo decente (nem me refiro à vitória) são nulas. E uma derrota só contribui para aumentar a animosidade e começar um novo ciclo de escrotidão.
Essa lição eu vivo revendo e reaprendendo, porque esse tipo de comportamento tóxico tem conseqüências fora do jogo: o preço para quem faz é a deterioração das relações com as outras pessoas, e o prejuízo de quem sofre é ter que tratar de feridas corporais, emocionais.
Em certos casos, há o comprometimento da própria relação com o lúdico, que acontece quando o sujeito nunca mais quer brincar daquilo.
Ninguém gosta de perder, mas é difícil ser feliz em qualquer jogo se a única fonte de felicidade é a vitória. E, a menos que a gente só jogue paciência, precisamos dos outros pra continuar a brincadeira
10. Ludicidade
A lição mais difícil de sacar (e que tem cara de óbvia depois de aprendida) diz respeito ao limite dos jogos: afinal de contas, o que sobra depois que a partida acaba? Sobra algo pra gente levar (ou deixar) depois do jogo?
Em 99% dos casos, não há qualquer ganho de natureza financeira, social, política ou do que quer que seja. Não fiquei mais rico, nem mais bonito, nem ganhei um título pomposo de campeão (que, dependendo, pode valer pouco mais do que não ter título algum). Na melhor das hipóteses, ganhei algum prêmio simbólico por ter participado de um ou outro torneio e só.
Ok, existem os jogadores e atletas profissionais, que ganham rios de dinheiro. Ainda assim, eles pagam um preço bem alto: tem seus corpos castigados e se aposentam cedo, sem qualquer chance de poder trabalhar exatamente da mesma forma na velhice. Nesse caso, seria correto dizer que estão pagando os salários, glórias e prêmios com a sua saúde e sua vida, não necessariamente suas vitórias.
Ainda assim, milhões de jogadores de tudo que é modalidade não podem sonhar com uma vida assim. Porque jogamos então? Porque gastamos nosso precioso tempo de vida e nosso dinheiro nesse tipo de atividade?
Gosto de pensar que o jogo nos possibilita sair dos nossos mundinhos habituais. Num paralelo com o teatro, colocamos outras máscaras e encarnamos outras pessoas. Evocamos nossas habilidades e interagimos com tantas outras. E por meio dessa interação, podemos conhecer melhor os outros: sua maneira de pensar, seus maneirismos, seu temperamento, etc.
É uma forma eficiente de construir relações e de destruí-las também, se não tomarmos cuidado.
No meu caso, também foi uma porta de entrada para uma forma sutil de entender aspectos sutis da realidade, expressos na matemática das probabilidades e manifestos no jogo. Entender o quanto que um percentual de erro e acerto é perigoso, dependendo do contexto. Números não costumam ter cor ou sabor, e sempre parecem abstratos demais, até você meter a mão neles por intermédio do jogo.
Também é uma forma sutil de entender a mente e os ânimos da pessoas – não só os nossos como dos companheiros de jogo. Imagine quantas vitórias já não foram conquistadas porque um jogador soube, sabiamente, apertar os botões certos dos nervos do rival, ou porque descobriu um um novo jeito de apertar os botões dos próprios nervos e se reinventar no meio do jogo.
Eles são as saídas mais acessíveis para nossos potenciais criativos e lúdicos, justamente porque nos transportam de uma esfera de realidade pra outra instantaneamente.
11. Mente de principiante
De tudo que eu já joguei na vida, o futebol é o meu calcanhar de aquiles: sempre fui terrivelmente ruim de bola e até algum tempo atrás, não conseguia criar conexão alguma com as partidas. Para mim, que não tenho saco de assistir replay de jogo de poucos minutos no Twitch, era absolutamente inviável ficar sentado por uma hora e meia assistindo um jogo de outras pessoas.
E sempre me espantou a capacidade do brasileiro de absorver conhecimento futebolístico e refletir sobre o assunto com grande eloqüência e desenvoltura. Até quem não sabe fazer um passe direito é capaz de entender razoavelmente o que se passa em campo e imaginar situações possíveis para uma determinada jogada ou uma situação específica do jogo.
O torcedor, em especial, nunca fica preso a nenhuma situação de jogo, por melhor ou pior que ela seja. Tirando o apito final, nada ali é definitivo.
Eu acho essa capacidade de visão e imaginação a coisa mais linda do mundo. Sério, é um dos maiores testemunhos da nossa genialidade. Tal habilidade não só tem o poder de virar o jogo como ainda tem a chance de reinventar a própria maneira de jogar.
Dizem que não se deve mexer em time que está ganhando, mas não custa nada ter um plano B ou C para as emergências. Talvez seja por isso que nossos técnicos, após ganhar uma certa quantidade de competições, estabeleçam um estilo de jogo mais rígido, com o qual estão mais acostumados a vencer… até o dia em que perdem (seus cargos, inclusive).
Sonhar, imaginar, ter visão, pensar fora da caixinha: chame do que quiser, mas é possivelmente a habilidade mais valiosa de se levar para fora dos jogo.
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