Quinta passada conversei com o Gustavo Gitti sobre minha participação como voluntário no projeto Inside Out, que ganhou o TED Prize (U$100.000). Ele fez questão de publicar um relato meu no PdH. Aqui está.
Esse é o projeto Inside Out, idealizado por um artista francês muito louco (como se todo artista não fosse um pouco), trata de dar visibilidade a grupos de pessoas tão esquecidas no dia a dia. Esquecidas pelos políticos, pelo poder econômico, e ainda por grande parte da sociedade. As fotos seriam futuramente impressas em grandes folhas de papel e expostas pela cidade com a técnica de lambe-lambe. Os vídeos, de conversas e entrevistas com os moradores, virariam clipes para posteriormente serem postados na Internet.
Já são mais de 10 mil retratos espalhados pelos Estados Unidos, Brasil, Paquistão, México, Tailândia, África do Sul, Uruguai, França, Espanha, Portugal, Canadá, Venezuela, Austrália, Tunísia, Israel e territórios Palestinos.
Link TED | Essa palestra já tem mais de um milhão de visualizações no site do TED
O que eu, a cidade de São Paulo, você e a porra toda temos a ver com esse projeto?
Tudo começou em mais uma bela manhã de domingo. Como estudante de arquitetura e urbanismo trabalhando em cima da questão da moradia digna, me lancei a visitar a Favela do Moinho, no centro de São Paulo.
Localizada no bairro de Santa Cecília, quase que ilhada entre duas linhas de trem, um grande incêndio ocorrido lá em dezembro do ano passado chamara a atenção da mídia.
O que me intrigava e queria esclarecer, no entanto, era por que um grande número de pessoas parece ter como única opção de vida morar em condições tão precárias. A questão, que parece um pouco óbvia para qualquer um com o ensino fundamental, ou que lê um pouco de jornal, é permeada na verdade por muito senso comum e preconceito.
Queria ir além de respostas como “Ah, mas essa gente é vagabunda mesmo, é tudo ladrão”, “Culpa do capitalismo, nesse sistema pobre não tem vez”, “Nasceu pobre vai morrer pobre” ou coisa do tipo. Sentia, sim, a necessidade de ir além das respostas óbvias. Além também das teorias do urbanismo, da geografia ou das ciências sociais, e entender, na prática, o que aquele espaço representava para seus moradores. Ainda mais, precisava entender: quem eram aqueles moradores? Por que foram morar lá? Como sobrevivem? O que é importante para eles?
Parecia que a conjunção de fatores daquele momento sorria para mim. Por sorte, ou por acaso, naquele mesmo domingo em que eu visitava a comunidade e conversava com uma de suas lideranças, havia uma curiosa equipe de vídeo e fotografia no local.
Sem vinculação alguma com canais de TV ou meios de comunicação específicos, fui descobrir depois que o japonês sério, a moça simpática e cara alto e barbudo faziam parte do Inside Out Project.
Bingo! Naquele momento aparecia minha solução, a forma perfeita para sanar minha curiosidade científica e, ao mesmo tempo, poder contribuir de alguma forma para a comunidade, a academia e a sociedade. Topei na hora ser voluntário do projeto.
As visitas que se seguiram, uma a uma, fim de semana por fim de semana, se mostraram sempre muito ricas. Grandes exemplos de vida eram ouvidos aqui e ali.
Wellington, por exemplo, tem 23 anos e dois filhos pequenos. Ele, como a maioria dos moradores da comunidade, é catador de material reciclável. Ao ser perguntado sobre o que é importante para ele, acabou por nos mostrar sua batalha do dia a dia, o preconceito que sofre, e o amor, incondicional, por seus filhos:
“O importante é resgatar nossa humildade, mostrar que nós também somos vistos. A gente passa com as carroças, eles buzinam: 'sai da frente!'. Mas não sabem que ali na frente tá passando um carroceiro. Assim, tá pesado né? Se pudesse descer, ajudar. Não, eles, tipo, criticam. ‘Sai da frente, tira esse negócio daqui’, essas coisas. Pensam que todos são usuários, morador de rua, mas não são. Tem diferença pro pai de família, que está aí batalhando, sem ter que mexer com nada, roubar ninguém; [...] É assim. Queria ser mais respeitado na rua, né? Pelos, pelos, pelas pessoas [...]”
O trabalho para eles é incessante. Não tem fim de semana, férias, ou dia de folga.
“Dia de chuva então, não pode parar, se para o meu filho não vai ter nada. O meu sonho é poder comprar uma bicicleta pra ele né? Uma motoquinha pra ele brincar; às vezes as outras crianças tão brincando, ele quer brincar também não tem. Aí meu sonho é resgatar isso aí né? Fazer de tudo pra ele continuar estudando na creche, pra ele ser melhor que eu na vida, não tá nesse caminho né, que é perigoso, estar empurrando carroça, pode vir um caminhão, um carro... Ensinar ele a estudar para ser alguém na vida. Coisa que eu não fiz; eu perdi minha mãe faz tempo. Aí eu fui vivendo a vida sozinho aí, tô aprendendo. Aí tô ensinando ele do jeito que eu posso né?”
Wellington, depois de falar tudo e mais um pouco do que precisaríamos ouvir, ainda termina reforçando sua humildade:
“Bom, assim, assim, essas coisas... eu não sei o que falar né?”.
Neide e Elói são um simpático casal da comunidade. Para complementar a renda da aposentadoria, vendiam almoço e jantar na comunidade, além de se virarem com pequenas vendas de café da manhã, açaí, crochê, pela cidade. Também para eles a vida não é fácil. Nas palavras de Elói: “Se eu vendo um cafezinho na rua eles manda os “urubus” chegar lá e pegar. Chega, empurra a gente e pega: o carro tá preso. A gente não pode falar nada que leva um empurrão, leva um chute, [...] isso é uma pouca vergonha de um irresponsável grande lá”, conta.
Muitos acabam por esclarecer por que tiveram que ir morar na comunidade. Frequentemente os moradores são imigrantes que vieram em busca de emprego e melhores salários. Acabaram desempregados, em empregos de baixos salários, ou em subempregos. Ganhando menos do que o necessário para pagar água, luz, aluguel e comida, veem na moradia na favela uma forma de sobreviver. Lá pelo menos não pagam pela infraestrutura (mesmo que precária), nem pelo aluguel.
Após comprarem ou alugarem o barraco (sim — nada é de graça nessa vida, meu filho) podem se preocupar com a alimentação e necessidades dos filhos, e às vezes pagar um ou outro curso, que faz com que finalmente possam aumentar um pouco a renda. Humberto, por exemplo, explica que foi para a favela para sair do aluguel, comprou o barraco porque, pagando o aluguel, só tinha dinheiro para “gastar e comer”. Afirma que, assim, pôde ter algum dinheiro extra para fazer cursos de marcenaria, elétrica e hidráulica: “Caso [eu venha a] perder o emprego um dia, não fico desempregado”.
Mas não por isso acham que a alternativa é justa, ou que optariam por ela se tivessem outra oportunidade. Gianinni esclarece: “[Aqui] você não tem a vida adequada. Você não consegue pagar uma coisa pra ter a responsabilidade, a liberdade que você tem”.
Além de ter a oportunidade de conhecer várias histórias interessantes como essas, também, claro, após cinco meses de visitas constantes à comunidade, laços afetivos foram criados. Ter participado como voluntário, conversado com as pessoas e compartilhado um pouco de seu tempo (além de um pouco de café, bolo, docinhos etc. — porque ninguém é de ferro, afinal) foi de fato uma experiência marcante.
Quase sem querer, essas pessoas transformaram a minha vida e a vida da equipe de voluntários.
O que queremos agora é poder transformar a vida de mais pessoas, e ampliar o alcance dessas histórias. Compartilhar essa humanidade com mais seres humanos.
Quanto mais conseguirmos expor suas faces, suas essências, mais poderemos contribuir para quebrar preconceitos e paradigmas. Ir da “coisificação” do outro para a humanização dele.
Gostou do projeto? Então contribua!
Para saber mais, e contribuir com a campanha, cá está o site do projeto. Para que tudo aconteça, o Inside Out São Paulo precisa de R$ 11.990,00. Até o presente momento, eles contam com pouco mais de quatro mil reais. Ainda faltam 6 dias para encerrar a solicitação, então, ainda há tempo.
Como convida o JR, "vamos virar o mundo de cabeça pra baixo!"
Link Vimeo | Vídeo Inside Out São Paulo
publicado em 18 de Julho de 2012, 21:00