Indie Game: The Movie, é como arte

“Eu me mataria [se não conseguisse terminar esse jogo].
Eu me mataria mesmo. Este é o meu incentivo para terminá-lo. Porque aí eu posso não me matar.”
Phil FishAssim diz Phil Fish (à direita), autor do jogo
FEZ
, aos 40 minutos do documentário
Indie Game: The Movie
. (O jogo não havia sido terminado durante a filmagem, mas foi lançado recentemente.)

Para um filme que fala sobre pessoas fazendo jogos coloridos e divertidos, obras destinadas ao entretenimento de estranhos, é estranho que não tenha sido registrado nem um único sorriso genuíno do início ao fim. Ao menos nenhum que não seja nervoso.

Ao mesmo tempo, faz sentido. O entretenimento dos jogadores é apenas consequência. Phil Fish é um artista lutando – física e psicologicamente – para se expressar usando uma das formas de arte mais complexas existente: os games.

Indie Game: The Movie segue as vidas de quatro entre os muitos autores de games independentes. Os dramas e dificuldades que acontecem em decorrência da paixão e determinação que eles têm.

Mas, principalmente, nos apresenta aos mundos dentro das mentes dessas pessoas, e esses mundos são mais fascinantes do que qualquer jogo que eles possam fazer.

Indie Game: The Movie

Altamente pessoal

“Se você não vê uma vulnerabilidade em alguém, você provavelmente não está se relacionando com aquela pessoa em um nível pessoal o bastante.”
–Jonathan Blow

Ao jogar um blockbuster como FIFA, Modern Warfare, Diablo 3, GTA ou tantos outros, você está jogando o resultado do trabalho coletivo de uma equipe de centenas de pessoas. Muitas vezes são jogos ótimos, mas nunca são a representação pura e sem filtros da visão artística de um indivíduo. Há a figura do diretor, mas ele quase nunca é responsável por essa visão completa.

Ele coordena o desenvolvimento para que o produto final seja minimamente coeso, mas o jogo não é dele. Não tem a sua assinatura, as suas lágrimas e os seus traumas de infância.

Jonathan Blow (à direita) passou quase 20 anos criando protótipo atrás de protótipo, nunca indo até o final de uma ideia.  o primeiro grande jogo independente a atingir um nível de sucesso realmente significativo no mercado tradicional, nasceu da simples determinação de Blow de ir até o final em um projeto.

Ao longo dos três anos em que ficou desenvolvendo Braid obsessivamente em cada detalhe, Blow obviamente tinha uma noção da significância de cada elemento e do jogo como um todo. Braid é um jogo extremamente metafórico, tanto na narrativa quanto nas mecânicas de jogo, e metáforas, pela sua própria natureza, têm seus significados ocultos.

No filme, Blow disse que ficou "seriamente deprimido" por três ou quatro meses depois que o jogo foi lançado. O problema? Mesmo tendo sido extremamente bem recebido pela crítica (de fato, Braid é um dos jogos melhor avaliados da história), pouquíssimas pessoas "entenderam" o jogo.

"Quando você trabalha por muito tempo em algo tão complexo, há a esperança de que as pessoas vão entender o que você fez, e que você terá uma linha de comunicação com o seu público.
O mais desmoralizante, para mim, acabou sendo justamente as críticas positivas. As pessoas diziam 'este jogo é ótimo!', davam notas 9 ou 10 e diziam o que tinham gostado sobre o jogo, mas em muitos casos era uma compreensão muito superficial, que nem sequer enxergava o que eu achava mais especial.
Não muita gente entendeu. E isso me deixou chateado.
Eu visualizei que teria algum tipo de conexão com as pessoas através desse jogo. E elas gostaram, mas a conexão não estava lá. Porque elas vivem em um mundo diferente."

Mais do que desenvolvedores: autores

Edmund McMillenSuper Meat Boy é um jogo de plataforma tradicional, estrelado por um personagem que, apesar de bonitinho e carismático, é feito de carne viva. Não tem pele. Edmund McMillen, autor do jogo, explica que queria traduzir um sentimento pessoal de estar completamente exposto aos elementos. No jogo, mesmo algo inofensivo como um montinho de sal pode matar o personagem imediatamente. Porque é assim que McMillen se sentia.

O objetivo do jogo é salvar a namorada do Meat Boy, que é feita de curativos. “Algo que o completa e protege, mesmo fisicamente”, explica o autor.

Você está jogando um game nonsense e frustrantemente difícil sem saber que é uma metáfora do autor para o seu sofrimento, sentimento de inadequação e busca por proteção.

Em um livro, cada frase vem diretamente do coração do autor. É tudo completamente pessoal. Em um jogo independente como Super Meat Boy, cada linha de código e cada pedaço da arte e cada piada interna e cada ajuste na física de gravidade vem diretamente da percepção de uma única pessoa (ou dupla, no caso desse jogo em específico) do que é bom e do que não é.

Esses caras não são desenvolvedores, programadores, designers, diretores, modeladores 3D, pixel artists, roteiristas ou nenhum dos cargos que existem em uma grande empresa de games como a Activision, Electronic Arts ou Bioware. Eles raramente são chamados assim, mas são autores. Da mesma forma que Saramago ou Woody Allen. Não é nem um pouco diferente.

* * *

Em outro momento do filme, Phil Fish diz o seguinte:

“Para mim, games são a forma máxima de arte. São a mídia definitiva. São a soma total de todas as mídias de expressão de toda a história... tornadas interativas! Como isso pode não ser... quer dizer, É INCRÍVEL!”

Ele de fato grita ao dizer que é incrível.

“E eu quero ter uma voz no que será do futuro dos games.”

Uma das grandes mensagems do filme, ao menos para mim, é justamente essa: esses caras estão moldando o futuro dos games. E para melhor.

Se você tem qualquer tipo de interesse ou curiosidade pelo assunto – como leu até aqui, acredito que tenha –, assista.

Trailer do filme

Link YouTube | Site oficial

Trailers dos jogos mencionados

YouTube | FEZ: cinco anos em desenvolvimento

YouTube | Super Meat Boy: dois anos em desenvolvimento

Vimeo | Braid: três anos e meio em desenvolvimento


publicado em 24 de Junho de 2012, 08:55
File

Fabio Bracht

Toca guitarra e bateria, respira música, já mochilou pela Europa, conhece todos os memes, idolatra Jack White. Segue sendo um aprendiz de cara legal.\r\n\r\n[Facebook | Twitter]


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