Homens que você deveria conhecer #36 | Eric Hobsbawm

Meu último contato com a obra de Eric Hobsbawm se deu há alguns meses quando, da necessidade de reavaliar seu livro Sobre História. As questões acerca das relações entre passado, memória e sociedade aparecem em todas as suas páginas, neste que é uma reunião de discursos, palestras e conferências do historiador (é um tipo de organização de livros comum no meio intelectual e acadêmico europeu).

A notícia de sua morte ocorreu-me pela manhã, ao checar (de praxe) as notícias pela web. O lamento foi inevitável. Mais tarde, achei interessante (e também um pouco surpreendente) que o jornal televisivo de maior audiência no país tenha ocupado cerca de um minuto (ou pouco mais) de sua programação para noticiar o falecimento de notável figura.

Antes de ser historiador

Eric Hobsbawm nasceu na cidade de Alexandria, Egito, em 9 de Junho de 1917. Filho de pai inglês com ascendência judaica e mãe austríaca. Em 1931, após o falecimento dos pais, Hobsbawm e a irmã mudaram-se para Berlim, onde presenciaram, entre outras coisas, o fim da república de Weimar e a ascensão do nacional socialismo. Ao jovem Hobsbawm, a agitação política na Alemanha dos anos trinta trouxe-lhe já um envolvimento com a política.

Aos quatorze anos iniciou a leitura do manifesto do partido comunista e filiou-se a uma pequena organização formada por estudantes secundaristas de Berlim (a esta altura, os embates políticos pelo poder se davam entre comunistas e partidários do nacional socialismo). Em 1933, com as dificuldades econômicas enfrentadas pela família e as restrições impostas pelo governo nazista às atividades realizadas pelos judeus, a família Hobsbawm retornou a Londres, onde o jovem Eric concluiu seus estudos, formando-se historiador na famosa Universidade de Cambridge (inclusive tendo sido reitor da universidade).

Esteve no Brasil em algumas ocasiões, em 1975 e 1986 participou de eventos promovidos pelo Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp a convite da Universidade e em 2003 foi homenageado na Feira Literária Internacional de Paraty (FLIP), tendo sido esta sua última visita ao país.

O legado de Eric para a história

Aos pares de profissão deixou vasto material historiográfico (Era das Revoluções – 1789-1848, Era dos extremos: o breve século XX, Sobre História, História Social do Jazz, Tempos Interessantes: uma vida no século XX, Pessoas extraordinárias – resistência, rebelião e jazz...) acerca de questões que inquietaram os pensadores nos últimos séculos.

De formação marxista, Hobsbawm examinou exaustivamente as relações entre classes, a manutenção (entre rupturas e continuidades) de estruturas de poder e esquemas de pensamento inter-relacionados, como em Era dos extremos..., na qual o historiador analisou o período entre a Primeira Grande Guerra (1914-1918) e a queda do regime soviético em 1991. Suas análises revelaram um historiador perspicaz e determinado, sendo as mesmas traduzidas (através de seus livros) em diversos idiomas.

Tempos interessantes: uma vida no século XX

Em , Hobsbawm apontou para o mergulho das novas gerações em um tipo de presente contínuo e ininterrupto (suas relações estão rompidas com o passado), onde o imediatismo da novidade (tão célebre nas transformações do velho século) seria assim a principal e definitiva característica cultural da sociedade, de forma a termos tudo envelhecendo rapidamente, aguardando a inevitável superação e ou substituição de “velhos modelos”.

Ele chamava desta forma, a atenção para uma “naturalização dos fenômenos sociais”, que surgem e se manifestam e acabam sem vínculos com o passado (exemplo didático: a corrupção, em uma relação do Estado como objeto pessoal, um instrumento pessoal de poder, riqueza e distinção entre os homens).

Eric Hobsbawm esteve no chamado grupo de historiadores ingleses marxistas. A estes, três fontes foram essenciais: as cartas trocadas entre Karl Marx e Friedrich Engels, o trabalho dos historiadores ingleses e as discussões sobre crítica literária. Esta última, segundo o próprio, possibilitou desenvolver no seio do grupo a história social dos ingleses, ao mesmo tempo em que afasta o grupo do determinismo econômico (tão característico em interpretações ditas marxistas).

Portanto, o ponto de vista de Hobsbawm se desenvolveu com uma clara preocupação de compreender as humanidades e não o desenvolvimento histórico através de uma sucessão de modos de produção (estrutura econômica de uma sociedade que forma o modo de produção dos meios materiais de existência), o que lhe interessava, segundo ele próprio, "era o lugar e a natureza do artista e das artes (a literatura) na sociedade, ou em termos marxistas, observar de que forma a superestrutura está ligada à base".

Sobre as contribuições de Karl Marx a sua formação, Hobsbawm chegou a afirmar:

"Mesmo que eu achasse que grande parte da abordagem da história por Marx precisasse ser jogada no lixo, ainda assim continuaria a levar em consideração, profunda, mas criticamente, aquilo que os japoneses chamam de um sensei, mestre intelectual para quem se deve algo que não pode ser retribuído".

Hobsbawm afirma que a mais importante contribuição de Karl Marx está na formulação de sua teoria – o materialismo histórico, compreendendo esse não como a História em si, mas como uma base teórica para a explicação histórica.

Link YouTube | Entrevista com o historiador, legendado em espanhol (Parte 1). vale muito a pena

Portanto, para Hobsbawm, o interessante no materialismo histórico é a possibilidade que ele permeia, ou seja, a possibilidade de uma reflexão sobre a história (ele recusa as ideias do chamado marxismo vulgar, como interpretação economicista da história ou lei da luta de classe como elemento explicativo das transformações sociais), além de fixar a história enquanto ciência social e fornecer um modelo de interpretação da mesma. Ainda em seu entendimento, todos os fenômenos sociais são transitórios, ou seja, nada produzido pelas relações humanas é eterno, ou ainda, segundo Marx e Engels, “tudo que é sólido desmancha no ar”.

Outro ponto a destacar em Eric Hobsbawm é a tentativa de compreensão do indivíduo, das ditas “pessoas comuns” ou “personagens anônimos, ocultos do devir histórico”, evitando assim que outros se coloquem acima em uma história que se produz coletivamente, é, portanto, uma “história vista de baixo”.

Neste sentido está o interessante trabalho a respeito do Jazz (História Social do Jazz – que em seu primeiro lançamento foi assinado com o nome Francis Newton) e também as obras “Banditismo Social” e “Primitivos Rebeldes”, onde analisou as revoltas camponesas na Inglaterra do século XIX e também os bandidos vistos como heróis (Robin Wood, Juliano, Lampião).

Na prática - e o século XX todo é nossa fiel testemunha – o mundo desejado por Hobsbawm não triunfou:

“A causa a que devotei boa parte de minha vida não prosperou.
Espero que isto me tenha transformado em um historiador melhor, já que a melhor história é escrita por aqueles que perderam algo.
Os vencedores pensam que a história terminou bem porque eles estavam certos, ao passo que os perdedores perguntam por que tudo foi diferente, e esta é uma questão muito mais relevante”.

Link YouTube | Entrevista com o historiador, legendado em espanhol (Parte 2)

O historiador britânico Eric Hobsbawm morreu de pneumonia no primeiro dia desse outubro de 2012, aos 95 anos, no hospital Royal Free de Londres.


publicado em 12 de Outubro de 2012, 21:00
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Valdir Pimenta

Historiador, tem especialização em História Social e Ensino de História. Mestre em História Social com ênfase em Religiosidades, Judaísmo e Intolerância. Professor no Ensino Superior e na Rede Pública de Educação. Interesse nas Artes, literatura, poesia e \r\ncinema. Ainda escreverá um romance.


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