Senta aí que lá vem textão. E não vou mentir: não será um texto leve, daqueles que você vai querer compartilhar na timeline do Facebook. O assunto é denso, polêmico, controverso e doloroso. A gente até pede, mas nem sempre a vida pisa devagar, como queria Belchior. Resta levantar a cabeça, bater a bola no peito e tentar se não marcar um gol pelo menos cavar um escanteio.
Dia desses, percorrendo esse buraco negro que são as redes sociais, esbarrei numa postagem de uma conhecida que dizia que o jogo Baleia Azul — desafio virtual cujo último passo é tirar a própria vida — era, na verdade, falta de uma boa chinelada de havaianas azuis. Nos comentários, alguém, entre risos, dizia que essa juventude não tinha mais o que fazer. Gelei.
Gelei porque desde 1980 a taxa de jovens que se matam aumentou 26% no Brasil. O suicídio, há anos, é a segunda causa de morte em jovens dos 15 aos 19 anos — e a principal entre mulheres na mesma faixa etária. Entre as vítimas, 90% delas apresentavam pelo menos um transtorno psiquiátrico, especialmente a depressão, considerada o principal fator de risco para o suicídio. Afinal, estamos olhando com cuidado ou escárnio para aqueles que precisam ser acolhidos?
Em dezembro de 2016 fui nocauteada pela depressão. Ela, que há um tempo já rondava minha vida, chegou chegando mais potente que o retorno de Saturno. Era nosso acerto de contas derradeiro. Caí de cama como se tivesse sido atropelada por um rolo compressor. Não conseguia levantar. As atividades mais simples, como tomar banho, comer — e até ler! —, pareciam consumir de mim a energia produzida pela Itaipu durante um ano inteiro.
Se me perguntarem como tudo começou, serei categórica na resposta: sim, essa face da depressão eclodiu por uma perda, como tantas outras vividas por nós durante a vida. Mas não posso ser rasa ou irresponsável com o que digo: sei que minha relação com a doença é de antes desse colapso e que sua explosão veio, principalmente, porque não a aceitei por completo para poder tratá-la assim que ela deu seus primeiros sinais.
Vale lembrar: a depressão tem muitas nuances. O que você lê aqui é meu relato pessoal e intransferível com a doença. Você pode tentar se ver, mas jamais entender esse texto como um diagnóstico ou um manual a ser seguido para a cura.
Destruída, voltei ao aconchego do colo da minha mãe, na minha cidade natal, na esperança de que a segurança do ninho me fizesse de novo conseguir bater as asas e alçar voo. Ao olhar para trás, penso naquele mês como uma adaptação ainda mais barata que o próprio filme Equals, no qual as personagens vivem uma realidade em que já não existem mais emoções. Lembro claramente de receber a visita da minha tia e prima e, ao vê-las rindo tentando me animar, só conseguir pensar se eu, algum dia, seria capaz de rir daquela forma despretensiosa e gostosa de novo.
Hoje, daqui onde estou, sou capaz de desenhar facilmente meu processo de superação. Costumo dizer com frequência que não desejo nada parecido nem para aqueles por quem não nutro grandes afeições. Mas se fosse possível apagar o que passei, não o faria.
Hoje carrego no peito um bem-estar que é difícil de abalar. Não que não aconteça. Acontece. Mas minha resiliência ganhou contornos mais resistentes e minha capacidade de aguentar firme ficou mais elástica. Não saio do prumo com facilidade. Acho que o fundo do poço tem disso: quem já foi até lá voltou com um manual de sobrevivência na selva. Estamos gabaritados para os maiores desafios nunca dantes vistos.
E, por mais que no fundo do meu poço tivesse uma mola, eu não estive só nesse processo. Contei com ajuda de uma rede de apoio que deu o seu melhor para que eu fizesse essa travessia. Uma rede de amor que serviu para acolchoar minha mente e protegê-la dela mesma. Entre eles, dois profissionais essenciais: minha terapeuta e meu psiquiatra. Foi com eles que tive amparo o suficiente para superar os principais preconceitos que circundam a patologia: o diagnóstico e a medicação.
Betila, minha psicóloga, me fez entender que a depressão é uma doença. Como gripe. Como câncer. E, assim sendo, precisa ser tratada com cuidado. Pedro, o psiquiatra, me explicou pacientemente sobre os remédios, a adaptação, o processo. Desmistificou lendas urbanas e me deixou tranquila. E se for para você extrair algo desse texto que seja isso: é preciso confiar nos profissionais que o acompanham.
Ler sobre o assunto também me ajudou muito no processo de aceitação. O livro O Demônio do Meio-dia, de Andrew Solomon, foi estarrecedor e esclarecedor. Dali, extraí argumentos para rebater quem me dizia que depressão era coisa de classe média do Ocidente Moderno. Não é. Claro que o ritmo adoidado em que vivemos, o colapso das estruturas sociais como a conhecíamos e a solidão num mundo falsamente conectado colabora e muito pra isso, mas a verdade é que a depressão esteve ali presente desde que o homem tomou consciência de si. A diferença é que só agora estamos aceitando, reconhecendo, nomeando e tratando a depressão.
Depois de amparada pelo tratamento convencional, comecei a dar meus primeiros (novos) passos para o mundo. Acredito na medicina e em seu poder curativo, mas sei que viver vai além. Sou adepta do "é melhor prevenir do que remediar" e assim corri atrás da minha própria blindagem. Eis aqui uma lista nada oficial que criei, com o auxílio e afeto da minha rede de apoio, e que me ajudou muito. Talvez não sirva para você, talvez você sinta acolhimento numa coisa ou outra, talvez você se encontre nela. Meu conselho é que você faça a sua própria lista e que ela sirva como uma pequena boia de braço quando a vida parecer mar aberto.
1. Saco vazio não para em pé
Dica de quem ficou semanas sem comer: por mais que pareça impossível, tente ingerir pequenas quantidades de comida em cada refeição. E aqui estou falando de comida de verdade, preparada com amor e cuidado.
Coma bem para nutrir corpo e alma.
2. Corra, Lola, corra
Comece a se exercitar — nem que seja uma volta no quarteirão. Tomar sol e fazer atividades físicas são ainda mais fundamentais para quem está depressivo. No começo eu me arrastava, confesso, mas os benefícios são sentidos quase que instantaneamente e logo você pega gosto.
Palavra de escoteiro.
3. Respira!
Mas respira direito. Saber inspirar e expirar é um dos segredos mais básicos para aprender a controlar a ansiedade. Foi Betila quem me ensinou.
Bora colocar esse diafragma para funcionar e dar um descanso para o tórax!
Não entendeu? Clica aqui.
4. Evitar pessoas nocivas
Está tudo bem você amar aquela pessoa, mas não querê-la por perto. Das lições que tomei nota, essa foi a mais difícil: existe gente nociva.
E, principalmente quando em depressão, você precisa estar longe delas.
5. Converse com gente que te entende
A depressão é um estado quase inimaginável para quem não a conhece. Depois que resolvi contar às pessoas sobre minha patologia, encontrei outras pessoas que estavam fazendo o mesmo, de peito aberto.
Como a Marília, que decidiu expor seu processo no Estranha Mente para que mais pessoas se sentissem acolhidas e a Ana Laura, do grupo The Heartbreak Club.
6. Novas memórias
Falaram que aprender algo novo era uma forma de criar novas memórias e, assim, ajudar o cérebro a entender que há vida após a depressão. Lá fui eu: aprendi a surfar, a tocar violão e a fazer cerâmica.
Tente, experimente, descubra outros prazeres.
É, eu sei. Tem vezes que não há conselho, receita, remédio ou lista que tire a gente daquele lugar. Nessas horas, não adianta, a gente não quer que digam que vai passar, a gente só quer ficar ali, em silêncio.
Mas acredito que quando tudo parece obscuro demais para enxergar que a vida é uma coisinha adorável, as palavras podem ser o barco pelo qual navegamos e conseguimos chegar até a outra margem, escapando da correnteza que é a depressão.
Por isso, quero fazer um convite para continuarmos a conversa aqui na caixa de comentários. Você também pode me encontrar no e-mail gabrielleestevans@gmail.com. Prometo uma escuta genuína para acolhimentos afetuosos.
Obs.: Esse texto só existe porque tenho na minha vida Bibiana, Guilherme, Betila, Manuela, Marina, Felipe, Anna, Roselane, Karol, Simone, Carol, Kaká e Isabela.
Puxe uma cadeira e comente, a casa é sua. Cultivamos diálogos não-violentos, significativos e bem humorados há mais de dez anos. Para saber como fazemos, leianossa política de comentários.