Guia de equilíbrio emocional para situações de emergência

Medo, tédio e inquietação são os primeiros sinais de um potencial problema.

Já há algumas semanas o ritmo do mundo mudou.

Escolas, universidades, shoppings, bares, academias e um sem fim de outros negócios estão fechando suas portas para prevenir aglomerações e tentar achatar a curva de disseminação do Coronavírus. 

Quem tem a possibilidade de parar as suas atividades ou seguir em home office, está em casa, fazendo todo o possível pra preservar a sua saúde e a dos familiares.

Ainda que seja cedo e não mais do que alguns dias tenham passado desde o início das medidas de contenção no Brasil, iniciadas pelos governos estaduais e municipais, muitas pessoas já relatam sensações ampliadas de ansiedade, solidão, medo, incerteza. Para quem já tinha condições diagnosticadas antes, então, a situação fica ainda mais amplificada.

Mas o que, talvez, não esteja claro pra muitas pessoas é que essa não é uma situação que tende a terminar tão cedo. As expectativas mais realistas indicam mais alguns meses isolados.

Como, então, podemos lidar com os solavancos emocionais da quarentena?

Os principais obstáculos agora

Nesse momento, acredito que uma boa parte de nós deve estar envolvido com uma dose enorme de medo que, provavelmente se divide em duas partes.

O medo do vírus em si, incluindo uma atenção redobrada com qualquer variação no corpo. Uma tosse ou espirro já arrepia a nuca e vem carregado de imagens de hospitais lotados e caminhões de corpos que vemos nos noticiários.

O outro medo mais comum é o medo proveniente do caos na economia. O dinheiro na conta acabando, os empregos sendo ameaçados, negócios fechando. Afinal, como vamos sobreviver? O que vamos fazer?

Junto a isso tudo pode vir também tédio e uma inquietação que não passa nunca. Normalmente, essas emoções surgem em doses bem menores que podem até ser inofensivas. Mas potencializadas pela incerteza, pelas notícias cada dia piores e pela mudança brusca na rotina, nos vemos à beira de um colapso emocional que pode culminar em abuso de álcool ou drogas, apatia, depressão, vício em redes sociais, videogame ou séries, relações familiares ainda mais conturbadas e/ou consumo desenfreado em compras online, pra citar alguns exemplos.

Lidando com a avalanche de emoções

Para Frederico Mattos, antigo autor da casa e psicólogo clínico, precisamos entender a função das emoções. "É importante compreendermos pra que é que aquilo está chamando nossa atenção", pois elas servem para chamar a atenção da consciência para algo importante. Temos emoções que têm como gatilhos eventos externos (como a pandemia) e emoções com gatilhos internos (como uma memória).

"Em tempos de pandemia, o que mais chama a nossa atenção é a mensagem do medo. E o que o medo quer? O medo quer nos alertar para a potencial perda de algo que vemos como significativo. Em tempos de pandemia pode ser muita coisa. Desde você perder a vida, até perder a plenitude física (ficar doente ou com sequelas), ou perder pessoas amadas, ou perder a segurança financeira, ou perder a segurança simbólica de qual mundo você vive, a certeza de que as coisas têm algum nível de previsibilidade."

Ao invés de nos enterrarmos no medo e ficarmos reagindo a ele compulsivamente, reclamando ou dramatizando, uma alternativa sugerida pelo psicólogo está em ouvir o chamado à ação que a emoção proporciona. Ouvir o que ela tem de valor essencial embutido e ter uma ação em relação àquilo, pra que você saia da paralisia para ter contato com emoções que conectam, inspiram e geram compaixão.

Portanto, se há medo em perder a vida, o que há de tão importante que você teme tanto perder? Se tem medo de perder um parente próximo, o que você teme perder ao se ver sem essa pessoa?

Mas, indo além, o que você pode fazer pra se tranquilizar? Conversar? Dizer o quanto a ama? O quanto ela importa?

É essencial converter o medo em afetos positivos. Ou seja, em amor, compaixão, cuidado, gentileza.

Criando propósito a partir de uma situação difícil

Além de tomar consciência de onde você e as pessoas próximas estão em meio às aflições do momento e criar ações afetuosas, também é importante repensar qual o seu propósito em meio a tudo isso.

O ponto sensível de se falar em propósito diz respeito ao fato desse termo ter sido cooptado por coaches e todo tipo de autor de autoajuda, diluindo seu significado em pouco mais do que frases de efeito pra vender cursos e palestras.

Apesar disso, há muito mais por trás do termo. Uma pessoa pode ter um conjunto de afetos, deveres, crenças morais e objetivos que podem ser bem difíceis de se sintetizar em uma frase de impacto, mas que podem, sim, se tornarem uma espécie de bússola que aponta os rumos em tempos difíceis.

Viktor Frankl foi um psiquiatra, fundador da logoterapia e autor do livro Em Busca de Sentido, no qual narra o período que passou dentro de um campo de concentração nazista e conta como conseguiu sobreviver em meio ao Holocausto.

"Nós, que vivemos em campos de concentração, lembramos de homens que andavam pelas cabanas confortando outros, dando o seu último pedaço de pão. Eles podiam ser poucos em número, mas ofereciam prova o suficiente de que pode-se tirar tudo de um homem, exceto uma coisa: a última das liberdades humanas – escolher a própria atitude em qualquer circunstância, escolher o próprio caminho."

A mensagem de Viktor Frankl vem com um certo tom de esperança. Afinal, segundo ele, não importa o que se faça de nós, sempre há um espaço de liberdade sob o qual podemos escolher a atitude com a qual vamos encarar o desafio e a ação a ser tomada.  Mas, para acessar esse espaço, é preciso ter um porquê, um sentido, um propósito.

De acordo com Frankl, esse sentido pode ser encontrado, basicamente, de três formas:

  • Vivendo a realidade por meio de interações autênticas com o ambiente e com os outros.
  • Retribuindo ao mundo por meio da criatividade e autoexpressão.
  • E mudando nossa atitude com as situações e circunstâncias que não podemos mudar.

Abaixo, algumas perguntas simples sugeridas por um artigo da Psychology Today para ajudar a fazer esse mergulho em busca de um propósito:

  • Por que você está vivo?
  • Quem depende de você e porquê?
  • De quem você depende e porquê?
  • Como você auxilia outras pessoas em sua comunidade e no mundo?
  • Como você toma conta de si mesmo?
  • Como você provê para si e para sua família?
  • Pelo quê você é apaixonado?
  • O que você ama fazer?

Essas perguntas são apenas um ponto de partida, um pequeno estímulo. Se forem difíceis de responder ou se, no processo, vierem mais perguntas e respostas, siga em frente e aprofunde-se.

Mas também, lembre-se de dar tempo, não force, não tente encaixotar sua busca. O mundo está um caos e, de fato, pode ser difícil pensar nisso agora. 

Mingyur Rinpoche ensina como transformar o medo e a ansiedade em compaixão

Link Youtube

Mingyur Rinpoche é um popular mestre budista, bastante conhecido pelo livro A Alegria de Viver: Descobrindo o Segredo da Felicidade, best seller traduzido para mais de vinte idiomas.

Rinpoche também é bastante conhecido pela abertura com a qual trata de seus próprios obstáculos e utiliza com uma certa frequência sua experiência com ataques de pânico quando mais jovem como ponte para oferecer ensinamentos para seus alunos.

No vídeo acima, ele trata desse momento de Coronavírus e dá dicas a respeito de como lidar com isso por meio de 3 práticas simples.

A primeira é, como é de se imaginar vindo de um mestre budista, tentar alguma prática meditativa. Se não alguma que você já conheça, ao menos uma tão simples quanto sentar-se e observar a sua respiração entrando e saindo. "Inspirando e expirando, escaneando seu corpo, observando as sensações, especialmente quando você tiver pânico, ansiedade ou preocupação. Apenas observe as sensações.", instrui Mingyur Rinpoche.

A segunda prática é sobre amor e compaixão. Para o budismo, resumindo de forma extremamente grosseira, compaixão é a aspiração de libertar os outros seres do sofrimento e inclui uma chamada à ação, de uma forma bem semelhante ao que o Viktor Frankl chama de propósito aqui em cima.

Rinpoche segue, explicando como criar compaixão nesse momento, utilizando o que você sente, "você pode desejar que a sua ansiedade represente a ansiedade de todos os seres e que todos os seres se vejam livres de sofrimento, ansiedade e obstáculos advindos deste problema."

E, por último, para ampliar a sabedoria, ele sugere aceitar que tudo isso é impermanente, flutuante, está mudando. "Talvez, pensar na ansiedade e nas causas da ansiedade, sujeito e objeto, como impermanentes."

Rinpoche complementa, ainda, afirmando que as 3 práticas complementam umas às outras. Uma ajuda a entender e assimilar melhor a outra.

* * *

E por aí, como vocês estão lidando com as próprias emoções? Conta pra gente aqui nos comentários.


publicado em 03 de Abril de 2020, 17:21
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Luciano Ribeiro

Cantor, guitarrista, compositor e editor do PapodeHomem nas horas vagas. Você pode assistir no Youtube, ouvir no Spotify e ler no Luri.me. Quer ser seu amigo no Instagram.


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