Glauco, o cartunista onipresente

Os desenhos do Glauco eram onipresentes. Assim como o papa João Paulo II, como Michael Jackson ou a Margareth Thatcher, as tirinhas do Glauco Villas Boas estavam aí antes de eu nascer e continuariam assim pra sempre. Até o baque.

Meu provável primeiro contato com os traços do cartunista foi num encadernado do “Los 3 Amigos”, projeto em que Glauco trabalhou com o Laerte e com o Angeli. Isso era, sei lá, 95... 96 (sou de 1983, então, faça a matemática). Agora, imagina só o que é, para um garoto novo, naquela metade da década e que ainda não se tinha computador e menos ainda uma internet pra ter acesso àquilo que desse na telha, ter um compilado daqueles na mão.

A última tira publicada na Folha de S.Paulo

Eram histórias para adultos, ora bolas! Recheadas de palavrões, de violência, de pirocas desenhadas cheias de pelos e bundas de dançarinas mexicanas, de gorduchas, de lutadores de sumô e – claro – dos três amigos: Angel Villa, Laerton e Glauquito.

E eu nem sabia quem eram os desenhistas. Pra mim, eram gringos mexicanos mesmo. Estava escrito naquele portunhol caricato e eu ficava a semana toda repetindo algumas das piadas que eu mais gostava, como “Cú dia y noche” ou “Vo voy holla! Yo soy Christiane F. y estoy drogada y prostituida” (sim, eles botaram a alemãzinha viciada em heroína no meio do deserto mexicano, cercada de mariarchis e Miguelitos). A onipresença estava aí. Algo que marcou profundamente a minha infância e que só fui descobrir o benfeitor daquelas risadas uns dez anos depois.

Claro que depois fui acompanhar as tiras no jornal. Estava ali a onipresença. Eu não acompanhava por ser fã do Glauco, por pirar na sagacidade ou nas tiradas políticas. Comecei acompanhando porque todo mundo lê as tirinhas! Claro que, com o tempo, tal ritual fez de mim um fãzoca dos caras.

O Glauco fazia uns desenhos rápidos, limpos. Eu achava muito do caralho a maneira frenética com que ele retratava simples recortes do cotidiano, essa contradição entre ilustração (limpa) e contexto sempre impregnado de uma sujeira fascinante. O Glauco sempre foi o mais sacana deles.

“Deles”, eu me refiro aos outros “discípulos” do mestre Henfil, eterno cartunista do Pasquim, jornal mais ordinário e divertido já vendido em solo brasileiro. Glauco, recém premiado no Salão de Humor de Piracicaba, veio morar em São Paulo, no intitulado “Bunker”, apartamento de Henfil no bairro de Higienópolis. Também moraram no Bunker Laerte e Angeli. Sim, quatro dos cartunistas mais importantes do Brasil moraram por um bom tempo sob o mesmo teto. Deles todos, o Glauco fazia os cartuns mais galhofeiros.

Disso tudo, foram 25 anos de tirinhas na Ilustrada da Folha de São Paulo, donde fizemos apego com Geraldão, Dona Marta, Casal Neuras, Zé do Apocalipse, Cacique do Jaraguá, sexo, drogas, política, neuroses da metrópole, violência dentro dela, solidão maior ainda. Os desenhos do Glauco eram onipresentes. Estavam ali desde sempre e para sempre eles estariam ali. É sempre estranho quando essas quebras acontecem.

Algumas homenagens ao trabalho do cartunista Glauco Villas Boas:

“O Glauco foi o primeiro dos Três Amigos que eu e o Bá copiamos, pois o estilo dele é com certeza o que chama mais a atenção de uma criança. Chamou a nossa e nós fizemos vários desenhos de personagens com diversas perninhas, bracinhos, com aqueles olhos de Mônica alucinada, aquela simplicidade que transmitia a força do traço bem escolhido”. (Fabio Moon, do 10 Pãezinhos)
Homenagem de Angeli e Laerte, publicada na Folha de São Paulo, que homenageou Glauco deixando uma edição com espaços em branco

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publicado em 20 de Março de 2010, 13:23
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Jader Pires

É escritor e colunista do Papo de Homem. Escreve, a cada quinze dias, a coluna Do Amor. Tem dois livros publicados, o livro Do Amor e o Ela Prefere as Uvas Verdes, além de escrever histórias de verdade no Cartas de Amor, em que ele escreve um conto exclusivo pra você.


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