Como nasce um game? Da criação independente aos estúdios

Ideias são o que não falta, mas o desenvolvimento pode ser complexo

Se alguém te perguntar o que é um jogo, a resposta virá rápida, fácil e sem pestanejar: um jogo é um arranjo de regras que flui como brincadeira, te diverte.

O bê-a-bá é praticamente o mesmo e só sabemos responder porque jogamos muito, desde o futebol do final de semana até o Angry Birds no celular no metrô. Depois de tantas horas investidas, é inevitável que todo mundo já tenha inventado um game sensacional na mente e, se tivesse como criá-lo, teria nas mãos um sucesso certeiro, uma mina de ouro.

Foi mais ou menos nessa onda que surgiram os desenvolvedores independentes, os famosos indies, que criaram jogos como Minecraft, que se tornou uma verdadeira febre.

Carregue seus próprios bloquinhos e crie seu mundo

Já os estúdios de desenvolvimento criam superproduções como Fallout 4, um dos jogos mais aguardados do ano. Só que enquanto uns fizeram um grande sucesso, como o Half-Life 2, outros caíram rapidamente no esquecimento, como o System Shock 2, e alguns ainda só são lembrados pela má qualidade, como o Rogue Warrior.

Mas, afinal de contas, como são criados os jogos e porque há títulos bons e ruins?

Dando vida à ideia

Buscando as origens criativas dos jogos, conversei com o professor e desenvolvedor de jogos, Ivan Paz, que explicou as etapas entre a ideia e a execução de um jogo.

Ele me falou sobre uma fase embrionária, onde o jogo ganha alma, um delicado processo de criação que acontece depois da ideia e antes da programação, criação da arte e até mesmo antes da criação do GDDGame Design Document –, que deve conter todas as informações do jogo. Esta fase consiste em definir os alicerces, tendo em mente que o jogo é feito para o quem o joga, ou, nas palavras do professor, “o jogo deve ser construído pensando no sentimento, na sensação do jogador, enquanto as regras são a consequência disso.”

Uma das palestras que ele ministra é sobre uma ferramenta de análise de jogos que é utilizada nesse processo criativo da fase embrionária. O framework MDA – Mechanics-Dynamics-Aesthetics –, que foi formalizada por Marc LeBlanc, desconstrói jogos em três elementos básicos: Mecânica, Dinâmica e Estética.

  • A Mecânica é composta pelas regras e conceitos do jogo, encarando-os como um sistema. Em outras palavras, é a parte que define as limitações do mundo e do personagem.
  • Tudo que envolve o uso da Mecânica faz parte da Dinâmica, ou seja, o jeito que o jogador vai agir dentro das regras do jogo. Ela é pensada com base na suposição e experiência dos criadores – o que será que o jogador vai tentar fazer em tal situação, dispondo de tais recursos?
  • Da soma das limitações impostas pela Mecânica, das ações dos jogadores e dos padrões que surgiram da Dinâmica, surge uma resposta emocional para o jogo no jogador, que é a Estética.

Pense em um quebra cabeça onde a mecânica são as peças que devem se encaixar, a dinâmica é se elas formam uma imagem e a estética o que achamos da imagem. Se as peças não se encaixam, se não formam imagem alguma ou se nos deparamos com uma imagem que nos desagrada, não há como nos divertirmos com o quebra-cabeça ou, mesmo que exista a diversão no processo, ela se torna uma frustração sem limites ao fim da obra.

Então, pra usar o MDA ao analisar um jogo, entende-se que as regras causam uma dinâmica no jogo que gera uma resposta emocional. Já o desenvolvedor deve encarar o caminho inverso, buscando a emoção que deseja que o jogo provoque, através de uma dinâmica que será definida por algumas mecânicas.

Nos estúdios de desenvolvimento, este é um processo largamente utilizado que busca despertar emoções positivas ao jogador, como empatia, responsabilidade, e a sensação de pertencimento na fantasia ou até ansiedade e competitividade, que podem ser o foco de jogos de terror, por exemplo. O ponto é não deixar a energia cair.

Se você está tão tenso quanto Will Ferrell, a coisa deve estar funcionando

Um exemplo é o Mass Effect, jogo idealizado pela BioWare utilizando o MDA que virou franquia – e os três jogos já são considerados clássicos. Nele, o jogador é imerso em um mundo com uma história tão bem desenvolvida que é envolto por um carinho pelos personagens e seus destinos.

Já o Minecraft trabalha com a ideia da liberdade, na qual o mundo é um lugar para ser explorado e onde é possível modificar o terreno livremente, construindo o que desejar.

No caso dos famosos Demon’s Souls e Dark Souls, a frustração é transformada em um estímulo positivo ao gerar a vontade de lutar pela sobrevivência em um jogo criado para ser mais difícil que os demais.

Quando o jogo está morto por dentro

Todo mundo já passou pela experiência de começar a jogar algo e não se divertir. Muitos nem sabem o porquê, mas simplesmente desgostam do que tem em mãos. Os problemas, de acordo com o MDA, podem ser resumidos em uma mecânica mal construída, uma dinâmica quebrada ou um jogo sem sentimentos.

Uma mecânica mal construída te faz, após 5 minutos de jogo, prometer nunca mais voltar a jogá-lo. A dinâmica mal planejada pode gerar resultados interessantes, mas a diversão – se existir – acaba atrelada ao pensamento de que aquilo é tão ruim que nos faz rir, mas este jogo dificilmente será jogado novamente.

Agora, quando o problema está na estética, as coisas não são tão claras. A mecânica pode ser ótima, a dinâmica também, mas algo está errado. O jogo não te diverte, ele não te irrita, ele não faz nada. Embora possa variar de uma pessoa para outra, se um jogo não agradar, é um sinal de que algo não está certo, mesmo que ele não tenha nada de errado.

Estúdios vs. Indies

Lembra dos indies? Eles também utilizam o sistema do MDA, embora não de modo tão difundido como nos grandes estúdios de desenvolvimento, que investem mais tempo e dinheiro no processo como um todo.

Apesar disso, o processo de botar um jogo idealizado no papel é muito diferente para um estúdio e para indies devido a fatores como o número de pessoas na equipe, verbas e equipamento.

De certo modo, indies sofrem menos com burocracia e gozam de mais liberdade de criação enquanto estúdios de desenvolvimento têm de respeitar hierarquias e decisões corporativas, o que pode causar problemas, como vem acontecendo no episódio Konami-Kojima liderando a Kojima Productions, uma subsidiária da Konami, Hideo Kojima solidificou seu sucesso com a franquia Metal Gear.

Mas durante o desenvolvimento do mais recente jogo da saga, Metal Gear Solid V: The Phantom Pain, uma reformulação foi anunciada pela Konami, que decidiu encerrar o desenvolvimento de jogos, fazendo com que o novo Metal Gear fosse lançado incompleto.

O jogo teve um orçamento de produção de mais de US$80 milhões

Em contrapartida, os estúdios de desenvolvimento possuem distribuidoras que levam seus títulos em mídias físicas para as lojas e têm estrutura publicitária muito maior do que os indies terão.

Estúdios que vivem condições mais tranquilas do que a Kojima Productions contam com certa autonomia no desenvolvimento dos seus jogos e aproveitam as grandes equipes à disposição. Um exemplo, que pode ser conferido aqui, é a Blizzard, no lançamento da última expansão do seu MMORPG, o World of Warcraft. Neste documentário que eles produziram, é possível ver entrevistas com os responsáveis por diferentes partes do desenvolvimento do jogo, indo desde o Level Designer, responsável pela mecânica e dinâmica de fases, diretor de produção, o artista de ambiente e outros profissionais.

Há, no entanto, um grande incentivo por parte da Steam, plataforma online de compra de jogos, chamado Steam Greenlight, que permite que qualquer desenvolvedor divulgue suas criações e, ao atingirem certas condições de interesse e votos da comunidade de jogadores, terão seus jogos disponibilizados para compra na plataforma.

Mas, quando for construir seu jogo, tenha em mente: “o que eu quero que o jogador sinta? ”. Quem sabe assim você não precise enterrar os jogos que criar no deserto!

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publicado em 11 de Dezembro de 2015, 15:32
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Pedro Soler

Estudante de Letras, apaixonado por literatura e viciado em histórias das mais diversas, procurando doses diárias e desenvolvendo novas com suas próprias canetas. Escreve nas horas vagas para sites e blogs diversos, enquanto, nas horas ocupadas, mantém um site de jornalismo gamer e escreve mais .


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