Futebol: pão, circo, negociatas e a vã filosofia

Não há registro na história de que o dramaturgo inglês William Shakespeare fosse fanático ou engajado com futebol. Contudo, em 'Hamlet', o bardo cunhou uma das frases que, embora batida, se encaixa com perfeição na maneira como a bola é conduzida hoje fora das quatro linhas: “Há mais coisas entre o céu e terra do que sonha a nossa vã filosofia.”

E há mesmo. Só no Brasil, há um número suficiente de obscuridades dignas das tragédias gregas de Sófocles. No mundo, então, a coisa aumenta. Comecemos de onde o dono do futebol mundial, Joseph Blatter, dá as cartas no esporte mais popular do mundo.

Aos 75 anos, o suíço Blatter se elegeu recentemente, no início de junho deste ano, presidente da Fifa pela quarta vez. No comando da entidade máxima do futebol desde 1998, quando substituiu o brasileiro João Havelange, Blatter se manteve no cargo mesmo com uma série de escândalos que abalaram a credibilidade da Fifa e, por consequência, do esporte.

As acusações são muitas e, claro, envolvem cifras. Muitas cifras. No caso Blatter, US$ 1 milhão, quantia que teria sido oferecida pelo capo da Fifa à Concacaf (Confederação de Futebol da América do Norte, Central e Caribe). Reeleito, Blatter foi inocentado pelo Comitê de Ética da Fifa, que anteriormente, havia afastado Jack Warner, presidente da Concacaf e vice da Fifa, e Mohamed Bin Hammam, presidente da Confederação Asiática de Futebol e que concorreu contra Blatter no pleito, por supostamente terem oferecido dinheiro a federações em troca de votos.

Nunca mais reclame de falta de opções para voto

Por falar em cifras, é mentira dizer que a escolha do Qatar como sede da Copa do Mundo de 2022 foi aceita com normalidade no planeta. Em dezembro do ano passado, o país, com tradição futebolística quase zero, porém com legendário poder petrolífero, recebeu da Fifa a incumbência de organizar o Mundial. Em maio deste ano, porém, o caldo entornou: Hammam, aquele mesmo que foi impedido de concorrer à presidência da Fifa, foi acusado de 'comprar' o direito de receber a Copa em 2022. A informação vazou de uma troca de e-mails entre o secretário-geral da entidade, Jérôme Valcke, e Jack Warner.

Vale lembrar que em 2018 o Mundial será na Rússia, país que não bate cartão no torneio mais importante da Fifa desde 2002. Contudo, transborda de petróleo e petrodólares (que o diga o bilionário Roman Abramovich, dono do Chelsea, da Inglaterra).

E o Brasil com isso?

Antes das Copas de 2018 e 2022, teremos a de 2014, no Brasil. E, aqui, o francês Valcke, que disse que o Qatar teria colocado apostas demais na mesa de pôquer do futebol para levar o pote da Copa para o Oriente Médio, teve participação fundamental. Foi o principal responsável por vetar o uso do Morumbi como estádio paulista na Copa, no ano passado. A posição oficial da Fifa causou estranheza pois, desde que o Brasil foi anunciado como país-sede do Mundial de 2014, em 2007, o estádio do São Paulo era o palco natural para a abertura e também do município.

Em 2010, com o veto da casa tricolor, abriu-se a lacuna. As autoridades sentiram que a Copa poderia sair de São Paulo, maior cidade da América Latina, e, por isso, local chave para abrigar a abertura. A manobra foi engenhosa e, mais uma vez, os bastidores do futebol venceram a lógica quando, meses depois de o Morumbi ter sido descartado, o estádio do Corinthians, ainda um projeto, foi anunciado como local de abertura.

Embora as partes neguem, as teorias da conspiração traçaram o óbvio: a poderosa conexão entre o presidente do Timão, Andrés Sanchez, e o presidente da Confederação Brasileira de Futebol, Ricardo Teixeira. Assim, não foi coincidência o fato de Sanchez ter sido escolhido chefe da delegação brasileira da Copa do Mundo de 2010, na África do Sul. Ou seja, de uma hora para a outra, o Corinthians 'ganhou' um estádio em Itaquera, Zona Leste de São Paulo, para 65 mil pessoas, número suficiente para abrir o Mundial.

Ricardo Teixeira e Andrés Sanchez: tanta intimidade que quase sobrou uma encoxada

Começou, então, o desencontro. Poder público e cartolas alvinegras negaram que dinheiro público seria utilizado na obra. A Odebrecht foi definida como construtora da obra e se valeu de um aporte financeiro do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) para tocar a obra. Um detalhe: correu à boca pequena que o Corinthians se valeu da influência do agora ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva para 'convencer' a Odebrecht a abraçar o projeto.

Sanchez, aliás, é apontado como sucessor de Ricardo Teixeira no comando da CBF e, pela conquista do estádio, tem sua continuidade pedida no clube. Ele nega que vá tentar a reeleição de um e eleição em outro.

Já Teixeira, que por sua vez é cotado como o próximo mandatário da Fifa, não larga o osso da CBF desde 1989. Já enfrentou acusações como a de ter 'entregado' o título da decisão da Copa do Mundo de 1998, na França, para os anfitriões, em troca de sediar o Mundial de 2002, que foi parar no Japão e na Coreia do Sul. Teoria da conspiração, assim como ocorreu recentemente na Fifa. E, como coincidência pouca é bobagem, o chefão do futebol brasileiro é ex-genro de João Havelange, seu antecessor no comando do futebol mundial.


publicado em 10 de Julho de 2011, 05:01
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Matheus Adami

Matheus Adami é jornalista. Atualmente, cobre esportes, especialmente futebol, mas já trabalhou em cadernos de política em outros carnavais. Em um ou outro campo, não tolera as sujeiras que insistem em varrer para debaixo dos tapetes. Nas horas vagas, é músico.


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