A fotografia pode acabar com o trabalho infantil?

Se notícias de jornal parecem ter prazo de validade, as imagens de Lewis Hine têm o poder de fixar na memória aquilo que não pode ser esquecido

Dá pra dizer que um dos papeis principais do jornalismo é a denúncia – trazer à luz aquilo que está sob a caverna, mas precisa ser visto e debatido. Ainda que a prática seja outra, houveram alguns momentos nos quais a imprensa nos chocou com notícias necessárias.

Ficou bem marcada a revelação do trabalho escravo na cadeia produtiva da Zara e outras marcas famosas como Renner e M. Officer. Ainda que boa parte dos compradores não tenham mudado seus hábitos, não podem mais voltar à ignorância sobre a indústria têxtil.  Cada notícia tem o potencial de engatilhar ideias e movimentar uma roda que alguma hora, espero eu, vai chegar em algum lugar.

Um pouco porque somos pessoas construídas na linguagem, quando pensamos na coisa informação, pensamos palavra. Texto discursivo. Letras e números. Mas não dá pra dispensar o poder que a linguaguem visual tem sobre nós e nossa memória.

É por isso que o Seeker Stories, um canal do YouTube que faz curiosas e curtas reportagens, propôs uma pergunta interessante em um de seus vídeos: “A fotografia pode acabar com o trabalho infantil?”

A escolha da imagem como forma de agenda setting de um assunto tão importante é significativa. O vídeo coloca a fotografia como um instrumento funcional na informação e conscientização popular sobre o trabalho infantil, que ainda acontece.

O trabalho de Lewis Hine centraliza a argumentação da reportagem. Seus registros da primeira metade do séc. XX ocuparam o lugar de muitas palavras quando trouxeram a questão do trabalho infantil para o debate público e pressionaram a política no sentido do reforço das leis de inibição à essa prática.

Enquanto artigos de jornal são datados e vinculados à especificidades que os fazem cair no esquecimento, os registros imagéticos parecem vigorar frescos na memória. Seu potencial informativo nunca se perde porque expressões, sentimentos e cores podem sempre ser transpostos para qualquer tempo. Não deve haver uma era na qual não sejamos capazes de reconhecer a face humana em sofrimento ou em alegria.

Nesse sentido, a fotografia de Hine parece gritar permanência – o ângulo frontal da maioria de suas fotos privilegia o encerrar dos olhos, a tortuosidade da boca, o jeito das mãos. E isso não tem data de validade.

 


publicado em 10 de Janeiro de 2016, 00:05
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Marcela Campos

Tão encantada com as possibilidades da vida que tem um pézinho aqui e outro acolá – é professora de crianças e adolescentes, mas formada em Jornalismo pela USP. Nunca tem preguiça de bater um papo bom.


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