O cinema é uma daquelas coisas que a gente pode usar como metáfora pra vida. Quem vê a galera feliz no barzinho de sexta não sabe da missa nem a metade. Foi chefe buzinando no ouvido, briga com o amigo, contas se acumulando na gaveta de casa e aquela sensação de que não vai sobrar tempo pra nada.

Com as produções cinematográficas é a mesma coisa. Pra chegar nos resultados que a gente vê nas telas, seja o filme bom ou ruim, a caminhada é longa. Pra início de conversa o time é enorme: produtor, roteirista, diretor de fotografia, de arte, de som, de edição, de pós, colorista, eletricista, maquinista, microfonista, assistente de câmera e mais um número infinito de pessoas. Ali é onde o famoso trabalho em equipe tem que funcionar muito bem, obrigada.

Na minha cabeça de espectadora de filmes da sessão da tarde, o som era a parte menos importante dessa coisa toda. Até porque é só colocar o microfone lá e está feito, certo?

Não. Entre captação de som direto, edição de som, trilha sonora, mixagem e outros detalhes, dá pra perceber que o buraco é bem mais embaixo.

Depois de escavar tudo isso, percebi que dentro dessa imensidão de câmeras, fios e lentes, o que mais me chama atenção é a área de áudio e trilha, com uma paixão em especial: o foley.

Esse é o profissional que recria a paisagem sonora do filme. A bota tocando o chão, a faca afiada atravessando uma maçã, o nó da corda sendo apertado, o rangido da porta, a mão afundando na areia. Depois de gravadas as cenas, o foley reforça sons como esses em estúdio, com a ajuda dos mais variados instrumentos.

Mas muitos deles sequer existem, como por exemplo o barulho feito por um dinossauro; aí entra em cena toda a capacidade criativa e de percepção que esses profissionais possam ter. Recriar sons exige uma sensibilidade sem tamanho, tornando esse um trabalho artístico e minucioso. É preciso que se estabeleça uma relação íntima com a cena, a ponto deles  se sentirem dentro da tela e conseguirem reproduzir os efeitos com perfeição.

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Para tornar esse assunto mais palpável vou usar Game Of  Thrones de modelo. 

Quando é necessário reproduzir áudios como os de esfaqueamento e corte, por exemplo, eles usam prancha velha, cascalho e bambu. Já para criar os gritos dos dragões da cena abaixo, são usados sons de diversos animais sobrepostos (até o barulho do acasalamento de um casal de tartarugas já ajudou). O bater das asas fica por conta de lonas e jaquetas de couro.

Nessa coleção disponibilizada pela Vanity Fair dá pra ver alguns outros métodos usados na série.

 

A arte do foley é um assunto tão minucioso que foi feito até um curta sobre isso, mostrando exatamente como funcionam essas recriações. São 12 minutinhos que valem muito a pena, e pessoalmente eu me arrepio bastante com os sons. 

Também tem um vídeo com o Gary Hecker, foley que trabalhou com filmes como Homem Aranha e Star Wars, mostrando alguns truques que ele usa.

Depois de conhecer como são criados os áudios super famosos e comuns que escutamos, a relação com os sons do cinema promete nunca mais ser a mesma.

 

Carol Rocha

Leonina não praticante. Produziu a série <a> Nossa História Invisível</a>