Florence Nightingale | Mulheres que você deveria conhecer #11

Ela foi pioneira no tratamento de feridos de guerra e mudou a história da enfermagem.

Quando pensamos na enfermagem - que no Brasil possui diferentes categorias, como o Enfermeiro ou Técnico de Enfermagem - é comum imaginarmos diferentes situações, tais como o cuidado em uma Unidade de Terapia Intensiva ou a atuação dos profissionais em uma campanha de vacinação. Mas nem sempre foi assim.

O ato de cuidar já foi visto como a mais baixa das profissões, e isso mudou após a atuação da britânica Florence Nightingale.

Ela não foi só uma enfermeira. Fundadora da Enfermagem Moderna, Florence se tornou heroína de Guerra e teve um trabalho que contribuiu para a melhoria da saúde pública em todo o mundo.

Juventude

Florence Nightingale nasceu em 12 de maio de 1820 em Florença, Itália. Ela era a mais nova de duas irmãs, sendo que ambas receberam nomes das cidades italianas onde nasceram - sua irmã, Parthenope, nasceu em Nápoles e recebeu o nome grego da cidade.

Sua mãe, Frances Nightingale, era de uma família de mercadores e se orgulhava de se relacionar com pessoas da elite social da época. Apesar do interesse na escalada social de sua mãe, Florence se sentia desconfortável nestas situações sociais e preferia evitar ser o centro das atenções. Anos depois ela escreveu que se sentia sufocada pelas vaidades e expectativas sociais devido ao seu nascimento. 

O pai de Florence, Willian Edward Nightingale, era um rico proprietário de terras que havia estudado em Cambridge. Ele se identificava com as ideias progressistas em relação a melhoria da sociedade e educação da mulher. Por causa disso Florence foi criada e educada em casa, com uma regime clássico que incluía estudos em alemão, francês e italiano, matemática, ciências, música, religião e filosofia.  

Desde muito jovem ela se envolveu em atividades de filantropia, auxiliando os pobres e os doentes no vilarejo vizinho à propriedade de sua família. Aos 14 anos estava claro para ela que a enfermagem era seu destino. Quando abordou seus pais e lhes informou que desejava ser uma enfermeira, eles a proibiram de seguir com a ideia.

Enfermagem como forma de punição

Uma explicação: na época, a profissão não era como vista nos dias de hoje. O período entre a última metade do século XVII e meados do século XIX foi descrito pelo historiador médico Fielding Garrison como "a era das trevas" da enfermagem. As enfermeiras eram geralmente pessoas das classes mais pobres, sem habilidades para outros trabalhos e frequentemente associadas ao comportamento imoral (alcoolismo, insolência, indisciplina, absentismo, roubo ou extorsão dos pacientes).

Muitas mulheres que desenvolviam a enfermagem a realizavam devido ao conceito de salvação católica através do sacrifício e abnegação. Além disso as prostitutas da época exerciam a enfermagem como forma de punição por seus pecados. Os hospitais onde elas atuavam eram tidos como sujos, caóticos e focos de infecções, lugares onde as pessoas iam para morrer. Desta forma, não é difícil entender porque a família de Florence, rica e respeitada como eram, discordou da escolha dessa "profissão inadequada" e indigna para uma “respectable woman” a luz dos preceitos do puritanismo vitoriano. 

Quando ela tinha 17 anos, recusou a proposta de casamento de um "candidato adequado”, Richard Monckton Milnes, primeiro Barão de Houghton, autor e político inglês. Quando explicou a recusa, ela disse que "sua moral, sua atividade natural, seu chamado, exigia satisfação, que não poderia ser encontrado nesta vida". Ela acreditava que o casamento iria prendê-la nas atividades domésticas.

Determinada a seguir seu chamado, em 1844 se matriculou como estudante de enfermagem no Instituto de Diaconisas de Kaiserwerth, na Alemanha, comandada pelo pastor Theodor Fliedner.

Guerra da Criméia (1853 - 1856)

No outono de 1852, visitou hospitais em Edimburgo e Dublin, onde conheceu diferentes realidades. Em uma visita ao Hospital Lariboisiére, que havia sido recém construído em Paris, ela ficou admirada com a arquitetura da construção, que permitia a entrada de luz e ar fresco. Florence considerou a arquitetura como responsável pela baixa taxa de mortalidade do lugar, por permitir a dispersão dos “miasmas” e do “ar nocivo”.

Apesar de hoje essa ideia nos parecer tola, na época vigorava a Teoria Miasmática, segundo a qual a doença se originava espontaneamente, por meio do lixo ou dos espaços fechados. Embora erradas, esses pensamentos conduziram a reformas válidas que foram a base das mudanças na saúde da Grã Bretanha.

Em outubro de 1853 estourou a Guerra da Criméia. No ano seguinte, aproximadamente 18 mil soldados foram admitidos nos hospitais militares. Nessa época não havia enfermeiras atuando nos locais, e a má reputação da profissão era uma das razões para o Comando de Guerra não contratá-las. Isso resultou em um completo estado de negligência e condições desumanas.

O Ministro da Guerra, Sidney Herbert (que era amigo pessoal de Florence), foi pressionado pela opinião pública e precisou tomar medidas urgentes para reverter a situação. Disse ele: 

"Na Inglaterra, só conheço uma criatura capaz de organizar e dirigir um plano assim mas não devo ocultar que, segundo penso, o sucesso final ou o fracasso do projeto depende de sua decisão".

Adivinha quem era essa pessoa?

Florence e o pioneirismo na enfermagem

No final de 1854, Florence recebeu a carta de Sidney Herbert pedindo que ela organizasse uma equipe de enfermeiras para atender os soldados doentes e feridos na Criméia. Ela montou um time com 38 mulheres. 

Apesar de terem sido avisadas sobre as terríveis condições do local, nada poderia ter preparado as enfermeiras para o que encontraram quando chegaram no hospital de base britânico. 

"... não há vasilhas para água ou utensílios de qualquer tipo; não há sabão, toalhas ou roupas, não há lençóis; os homens estão em seus uniformes, coagulados de sangue, cobertos de sujeira em um grau que ninguém poderia descrever; suas peles estão cobertas de vermes... não vimos uma gota de leite e o pão é extremamente azedo. A manteiga é a mais imunda, é como a manteiga irlandesa em estado de decomposição; e a carne é mais como um couro úmido do que o alimento. Estamos esperando por um carregamento de batatas vindo da França..."

Mesmo com essas dificuldades, Florence começou a trabalhar; reduziu a taxa de mortalidade no hospital, melhorou as situações sanitárias e criou vários serviços para os pacientes. Iniciou a "cozinha para os inválidos", que produzia alimentação especifica para determinados soldados, uma lavanderia para que os pacientes tivessem lençóis e roupas limpas, além de uma sala de aula e uma biblioteca.

Seu trabalho em Scutari foi reconhecido pela imprensa e pela população. Sua família recebia muitas cartas e poemas endereçados para Florence - o equivalente vitoriano às cartas de fãs. 

Mas Florence desconfiava dessa fama. Embora ela tenha retornado com o status de heroína, manteve-se reclusa no início, viajando sob o pseudônimo de Miss Smith. 

Reconhecimento 

Com base em suas observações na Criméia, Florence escreveu as "Notas sobre questões que afetam a saúde, eficiência e Administração Hospitalar do Exército Britânico ", um relatório de 830 páginas que analisava sua experiência e propunha reformas para outros hospitais militares que operavam nas mesmas condições. Esta obra foi responsável pela total reestruturação do departamento administrativo do Gabinete de Guerra, incluindo a criação da Comissão Real de Saúde do Exército em 1857. Em 1858 ela foi a primeira mulher a ser eleita para a Sociedade Real de Estatística. 

Florence também financiou a criação do Hospital Saint Thomas e, dentro dele, a Escola de Treinamento Nightingale para Enfermeiras. Poemas, canções e peças foram escritos e dedicados em sua honra. As mulheres jovens aspiravam ser como ela e isso provocou um movimento inverso na sociedade britânica.

Desta forma, a enfermagem já não era desaprovada pela sociedade, que começou a ver a profissão como uma vocação honrosa.

 

Morte e legado

Enquanto estava em Scutari, Florence foi acometida pela Febre da Criméia - hoje conhecida como Febre Hemorrágica da Crimeia-Congo ou Febre Hemorrágica Viral, uma doença transmitida por carrapatos e contato com secreções - e nunca se recuperou totalmente. Quando tinha 38 anos seu estado de saúde era frágil e ela não podia sair de casa, estando acamada; ela porém continuou seu trabalho dali. 

Morando em Londres, ela permaneceu atuando como autoridade em saúde e defensora da reforma dos cuidados médicos, entrevistando políticos e acolhendo visitantes ilustres em sua casa, de sua cama. 

Durante a Guerra Civil Americana ela era frequentemente consultada sobre a melhor forma de gerenciar os hospitais de campanha. Em 1867 ela também atuou como uma autoridade em questões de saneamento público na Índia para os militares e civis, embora nunca tenha ido para a Índia. 

Ao longo de sua vida Florence escreveu entre 15 a 20 mil cartas a amigos e conhecidos e redigiu cerca de 200 obras entre livros, relatórios e panfletos onde estão bem registrados seus conceitos, crenças, observações e desejos de mudanças nos cuidados de saúde. Mesmo após os 80 anos ela continuou a trabalhar, reunindo dados e escrevendo sobre a enfermagem e os cuidados de saúde. Em 1896 contudo ela ficou confinada a sua cama, definitivamente. Em 1902 ela não podia mais ler ou escrever.

Morreu dia 13 de agosto em sua casa. 

A enfermagem para Florence era uma arte. A enfermeira deveria ser uma pessoa capacitada para servir aos pacientes, a atuar nas diferentes áreas de saúde e não a servir aos profissionais dessas áreas. Seu grande mérito foi dar voz ao silêncio daqueles que prestavam cuidados de enfermagem, mas que não percebiam a importância de suas ações ou seus rituais. Com a institucionalização da Enfermagem como profissão, ela produziu uma mudança no pensamento que era moldada pelas diversas associações, geralmente religiosas, cujo espirito era servir ao próximo, por amor a Deus.

Ela também conseguiu uma importante conquista: quebrou o preconceito que existia em torno da participação da mulher, não só no exército, mas na sociedade britânica, abrindo caminho para uma nova representação social das mulheres, não só na Inglaterra como no mundo. 

A vida de Florence e seu papel como criadora da Enfermagem Moderna é destacado como algo positivo, sendo ela vista como uma das 100 mulheres mais influentes da história.


publicado em 20 de Outubro de 2016, 22:00
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Edson Diniz

Edson é enfermeiro, aikidoca, aspirante a maratonista e dá seus pitacos como filósofo amador. Possui o poder de fazer comentários inadequados e sarcásticos em situações inapropriadas. Viciado em quadrinhos, às vezes se arrisca como escritor.


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